Caçar com Gato • Crónica 7 - "Cortar o cabelo"
Cortar o cabelo,
de Luís G. Rodrigues
Ir o cortar o cabelo não é algo que se faça de ânimo leve: vai-se cortar o cabelo porque tem de ser, porque já está demasiado grande, porque as pontas já estão secas…há uma infinitude de razões. Porém, nenhuma dessas razões inclui o gosto de ir ao cabeleireiro. E porquê? É simples: porque não é um gosto, é uma roleta russa de incertezas e medos.
“Roleta russa?”, estará a pensar o leitor. Basta trocar a arma de fogo pela tesoura profissional de um cabeleireiro e o jogo mantém-se um perigo.
Arriscarei até dizer, de forma convicta, que é mais perigoso ter uma tesoura na mão de um cabeleireiro apontada ao nosso coro cabeludo do que uma arma carregada com apenas uma bala.
Se por um lado, com a arma, sabemos que só existem duas saídas possíveis – a sobrevivência ou a morte –, com a tesoura tudo é possível.
“Ah e tal, mas ninguém morre em cabeleireiros”. Morre-se sim – de vergonha. E a morte é prolongada no caminho até casa porque sabemos que o mundo inteiro está a olhar.
Quem nunca mostrou uma foto ilustrativa do corte que queria e acabou por sair do cabeleireiro com menos cabelo, menos dinheiro e menos dignidade? Quem nunca se desiludiu com o resultado porque estava à espera de sair “top model” e saiu “envergonhado”?
Estes profissionais têm, em suas mãos, demasiado poder e sabem disso. Duvido que não tenham noção de que não estão a cumprir o corte que lhes foi pedido – é impossível. Dá-me a sensação de que a sua função nada mais é do que oferecer ao cliente um jogo macabro de resistência emocional.
A cada tesourada pensam: “Será que é agora que este me vai dizer para parar? Ai não diz nada? Então vai mais uma tesourada desnecessária! E outra e outra e outra!”.
Estes profissionais sabem que estão protegidos; protegidos por uma coisa chamada “o que é que vais fazer agora que já comecei a cortar cabelo? Colá-lo de volta?”. Talvez o conceito tenha um nome demasiado grande, mas acredito que seja para compensar todas aquelas pessoas cujo cabelo ficou demasiado curto após 1 hora de sofrimento em frente a um espelho.
O exemplo paradigmático disto é a questão que fazem no final.
Depois do cabelo estar cortado, depois da natural falta de coragem do cliente para dizer “por favor pare, o cabelo já está bom assim”, o cabeleireiro pergunta, enquanto agarra num espelho para mostrar a parte de trás do cabelo:
“Está bom assim? Gostou?”
Sem possibilidade de voltar atrás, com as lágrimas a quererem ver a luz do dia e uma voz meio tremelicada, diz-se:
“Sim, era mesmo assim que eu queria!”
Texto: Luís G. Rodrigues
Imagem: "The Englishman in Paris", James Caldwall, 1770
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