COMING UP | Supernatural
No meio de
tantos serviços de streaming, canais de TV e séries, poucas conseguem ser
um ícone tão grande quanto Supernatural. O drama que acompanha os irmãos
Winchester caminha para o derradeiro final sobrevivendo por mais de 15 anos num
argumento que foi perdendo e ganhando com o tempo. Se por um lado o cansaço e
saturação trouxeram cada vez mais repetições e fillers apenas para
estender as temporadas, a conexão entre personagens só aumentou. Mas se há algo
que permaneceu intacto foi o tom certo e sarcástico do humor que nos rendeu
algumas frases verdadeiramente memoráveis e memes adorados por toda a internet.
Estamos realmente prontos para dizer adeus a Sam e Dean?
Vampiros,
fantasmas, demónios, criaturas mitológicas, anjos, Deus, o Diabo, Pai Natal e
até Hitler pisaram a narrativa de Supernatural. E este é o ponto da
partida para afirmarmos que não ficou nada por explorar. A lista de criaturas é
extensa, mas é um dos méritos que o tempo trouxe, a possibilidade de se ir atualizando
no meio dos vinte e tal episódios que formam uma temporada. Sim existiram
momentos mortos e cansativos, porém há que entregar o mérito aos showrunners
que ao fim de mais de 300 capítulos ainda conseguiram manter a história viva e
acrescentar pequenos easter eggs que fizeram as delícias do seu público.
O crossover com Scooby-Doo é o mais recente exemplo, mas há
muitos mais, num storytelling que apesar de ter um background a
acontecer ainda continua a funcionar com a fórmula antiga de incluir algumas tramas
fechadas pelo meio, como acontece nos títulos de NCIS, CSI e nos
seus spin-offs.
É praticamente
impensável nos dias de hoje com a velocidade de consumo que um produto se
mantenha no ar por tantos anos consecutivos. O mérito, em parte, poderá ser da
época em que a série foi lançada, contudo grande parte do sucesso é fruto da
dupla de protagonistas. Dean carregou temporadas inteiras nas costas, sempre
doseado entre os dramas da personagem e a comédia eloquente num trabalho
perfeito de Jensen Ackles que vai deixar saudades. A química com Sam é tão credível
e apaixonante que é até hoje o expoente máximo quando o tema é brotherhood.
Já morreram, já se salvaram, já lutaram e já viveram felizes, já se separaram, e
a lista do que já fizeram podia continuar até ao final do artigo porque entre
estes dois já aconteceu praticamente tudo. Sam foi do início ao fim o contraponto
de Dean, o que equilibrou a balança, e assim se vai manter pois apesar de
alguns erros de continuidade se há coisa que não mudou nas linhas gerais da trama
foram as características dos personagens. A fidelidade com que as
personalidades foram mantidas é um acerto gigante e quase um feito dentro do género
em que produções que contam “apenas” com oito temporadas, na última já pouco
reconhecem as pessoas que têm nas suas mãos.
Supernatural começou
num caminho que apostava numa base de fãs teenager, sustentado no
estereótipo de ter dois homens fortes e bonitos como lead actors, mas o
tom da série evoluiu e acompanhou o crescimento daqueles que se mantiveram fiéis.
Hoje tem um ponto de vista mais Young Adult, com questões bem mais sérias,
mas sem perder o seu lado light. É entretenimento puro, e o elenco coadjuvante
só veio ajudar e enriquecer tudo ainda mais. Apesar de se manter centrada no
percurso dos irmãos, o círculo de personagens foi aumentando significativamente
com o passar dos anos e com idas e vindas lá tínhamos alguns fan services
com reuniões que prometiam empolgar ainda mais os fãs. Alguns tornaram-se
verdadeiros ícones e indissociáveis das figuras a que deram vida. Mark
Pellegrino é Lúcifer, e sempre será aos olhos dos admiradores do seu humor
macabro, negro e sarcástico. A par dele, Rei do Inferno nunca existirá outro
tão bem desenvolvido quanto Crowley. Um ícone da cultura Pop! E aqui
entramos em outro dos grandes ingredientes do sucesso da produção: O uso de
referências. Seja a músicas, filmes, jogos, os argumentistas conseguiram criar
essa metalinguagem com o seu público sem defraudar expectativas e sabendo
acompanhar as mutações de mercado. No auge de Taylor Swift, encontrar pérolas
sobre a artista era tão fácil como apanhar pequenas alfinetadas sobre Twilight
no boom dos vampiros (onda que a série também surfou).
Os episódios pareciam ser construídos em função da atualidade, como se tudo fosse
uma sequência em aberto que não se importava de colocar em pausa os seus
próprios arcos para entregar aquilo que o espectador quer ver no momento. Foi
assim nos especiais de Halloween, no Dia dos Namorados, mas até fora de
datas comemorativas. Felicia Day regressou à série para falar sobre a adição
dos jogos de PlayStation, numa altura em que surgiram lançamentos que
pararam o público Geek. Com o tempo, o culto em torno das aventuras foi
tão grande que a própria ação não conseguiu deixar passar a oportunidade gozar
consigo mesma transportando-se para um mundo em que Sam, Dean e Castiel eram de
facto grandes estrelas. No episódio em questão eram escritos livros sobre as
caçadas do grupo, mais ou menos na mesma linha de Uma Aventura ou Clube
das Chaves e houve espaço até para se mencionarem fan fictions
ousadas. Tudo baseado na realidade e sem excluir um dos plots mais corajosos
em que Jensen Ackles e Jared Padalecki se interpretaram a si mesmos no ponto de
vista dos seus personagens cruzando a vida real com o cânone do show.
O texto soube-se
reinventar em momentos que já achávamos que o drama estava moribundo. Sempre na
sua audácia de mexer com temas como a religião. Apesar da opinião controversa,
o manancial que o ângulo divino trouxe veio ajudar a que tudo se elevasse, e
abriu portas para deixar entrar ainda mais seres na Terra. Foi a riqueza da
abordagem pouco ortodoxa que nos rendeu alguns dos melhores momentos ao mesmo
tempo que ainda tinha um lado autodidático e construtivo para aprendermos um
pouco mais sobre as crenças e a mitologia que carregam. Esse lado histórico sociocultural
é um dos pontos que mais interesse traz. É um trabalho fundamentado, com uma
pesquisa que vai ao mínimo detalhe com lendas que realmente existem, e que pode
realmente ser útil para algum enriquecimento pessoal. Por isso, mais que um
mero programa de TV, ainda consegue ser minimamente educativo. Estende-se,
também, à Banda Sonora que nos transporta diretamente para as eras de ouro da
música recheada de clássicos que hoje em dia estão enterrados para as camadas
mais jovens e que encontram espaço de antena aqui. É uma viagem cultural ao
passado que traz à ação relíquias bem familiares aos pais da maioria dos
seguidores do produto.
Ao contrário de
outras franquias da The CW, Supernatural nunca teve um spin-off.
Apesar de muitas promessas nunca chegaram a ver a luz os projetos que prometiam
explorar o universo tão vasto que nos foi dado a conhecer. Esta é uma das
coisas que anseio que fique em aberto na season finale. Para a família
Winchester parece que esta é realmente a melhor fase para chegarem ao fim da
estrada. O cansaço dos personagens é visível ao longo da 14ª Temporada, e está na
altura de seguirem em frente, no entanto quem orbita à sua volta ainda tem muito
para nos dizer. Rowena poderia assumir total controlo numa jornada só dela,
longe de ser um handicap, onde poderia explorar mais a sua exuberância e
o seu lado hilariante e melodramático. Assim como seria bem-vindo um pilot que
mostrasse a integração de Jack (caso seja ressuscitado) na vida comum, e neste caso até faria sentido
uma abordagem mais juvenil ao estilo de Chamed ou Riverdale.
Há um milhão de
coisas para louvar em Supernatural, da banda sonora, aos figurinos e até
aos efeitos especiais que metem outras emissoras a um canto. Claro que existiram
desaires, mas na sua larga maioria o resultado da obra tem um saldo positivo. Poucas
são as pessoas que possam dizer que nunca assistiram a um episódio deste
passeio de Dean e Sam, e isso já diz muito do sucesso da história. É uma
despedida necessária, mas promete ser um luto sofrido para quem esteve lá desde
o primeiro dia. Já não se fazem séries como antes, e Supernatural era já
uma instituição no mundo audiovisual. Resta-nos segurar as lágrimas e esperar
que o final seja tão apoteótico como foi esta jornada. Carry on my Wayward
Son!
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