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Caçar com Gato • Crónica 6 - "Teógnis, o único life-coach que importa"

Cópia de cerâmica beócia do séc V a.C.

Teógnis, o único life-coach que importa
de Luís G. Rodrigues


É impossível, nos dias de hoje, entrar numa livraria e não ser perseguido por uma praga comum entranhada nas prateleiras; uma praga que grita com os seus títulos confiantes e paternalistas: “NÓS TEMOS A SOLUÇÃO PARA A SUA VIDA!”.
Falo, evidentemente, dos livros que pretendem dar dicas ao leitor sobre a vida no geral. Normalmente colocados nas categorias de “autoajuda”, ou “desenvolvimento pessoal”, ou “grande tanga”, estes livros, para além de ocuparem constantemente os “tops” de qualquer sítio que venda livros, ocupam também um espaço excessivamente grande no próprio mercado.
Só para dar uma noção muito lata do que falo, basta dizer que, de acordo com um estudo publicado no Library Journal, em 2019, havia no mercado mais de 85 mil livros categorizados como de “autoajuda” (em 2014, portanto apenas 5 anos antes, estavam no mercado cerca de 30 mil livros na mesma categoria).
A explicação é simples. Desengane-se quem acha que esta subida exponencial de oferta tem simplesmente que ver com uma livre e espontânea vontade por parte destes autores de partilharem conhecimento ou de finalmente publicarem obras sobre algo de que percebem muito. Não. Estas publicações surgem numa resposta ao mercado; um mercado que percebeu que este tipo de livros vendia bem. Capitalizar com os problemas, dúvidas, receios e medos das pessoas não é coisa nova – desde sempre que políticos e cartomantes o fazem. Agora, chegou, em força, a vez de alguns autores o fazerem.
Proponho, então, que pelo menos durante a leitura desta crónica, sejam colocados de lado todos os “12 Regras para a Vida”, “O Monge que vendeu o seu Ferrari”, “Pai Rico, Pai Pobre” e “A Arte Subtil de Dizer que se F*da” desta vida. Urge dar palco ao único – e, provavelmente, primeiro – life-coach que importa: Teógnis.
Não conhece Teógnis?
Para começar, e apontando o óbvio, convém dizer que Teógnis está morto. Apesar dos bons conselhos, morreu. Portanto, não obstante a validação que merece, é importante que não nos esqueçamos que não tem solução para a morte.
O nosso autor nasceu e viveu em Mégara, no século VI a.C., logo, ganha pontos pela originalidade – mesmo antes de Jesus Cristo iniciar a sua aventura espalhando o bem por todo o mundo e dando conselhos que até hoje seguimos, já Teógnis andava a escrever o que os seus concidadãos gregos deviam de fazer para levar uma vida melhor. Se há alguém que foi um verdadeiro inovador foi ele!
Frederico Lourenço, Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, descreve o poeta grego da seguinte forma: “Teógnis é singular na literatura greco-latina: uma voz poética rezingona e apaixonada que constrói a primeira poesia política da literatura epopeia, feita de versos tão desarmantes na sua banalidade como são as coisas básicas que dão sentido à própria vida humana (…)”.
Num mundo imaginário em que o grego é nosso contemporâneo, a sua descrição seria completamente diferente. De modo a entrar na competição com os outros coaches, era necessário adaptar a coisa para: “Teógnis é singular no modo como coloca a vida em pratos limpos. Nada rezingão e muito apaixonado, o poeta é agora Coach; é Coach porque quer mudar o mundo para melhor, mesmo que tenha de dizer as coisas mais banais do mundo que já ouvimos desde pequenos como “Cuidado em quem confias”. Conhecido pela sua sabedoria em várias áreas, o palestrante vindo de Mégara especializou-se em “Falar alto, usar desnecessariamente termos em inglês e gesticular que nem um louco em todas as palestras”. As respostas para tudo numa só pessoa.”.
A verdade é que este poeta grego tem mesmo dos melhores e mais simples conselhos que podemos seguir.
Passo a citar algumas passagens do seu poema “O ciclo de Cirno: do selo às asas da poesia” em que fala diretamente ao seu amado:
  • “Favor vão é fazer bem a gente reles/é o mesmo que semear o mar cinzento. /Não é semeando o mar que terás boa ceifa, /nem fazendo bem aos maus terás boa recompensa” (105-108)
Para além de uma escrita muito mais bela que a de qualquer outro Coach, o conselho está lá!
  • “Muitos são os companheiros para a bebida e comida, /mas para empreendimento sério já são poucos.” (115-116)
Mentiu? Não mentiu.
  • “Quem julga que seu vizinho nada sabe, / mas só ele é capaz de planos manhosos, /é tolo e desprovido de bom senso. /Pois todos temos pensamentos manhosos:/” (220-221)
Esta última serve que nem uma luva ao típico “chico-esperto português”. Ou ao “chico-esperto” no geral porque os há em todo o mundo, a começar pelos gurus da vida.


 Texto: Luís G. Rodrigues

Imagem: Cópia de cerâmica beócia do séc V a.C.