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COMING UP | Nightmare Alley

Nightmare Alley é um filme de Oscar com toda a grandiosidade que isso implica. É um projeto desenhado para as premiações mas feito sem o amor necessário para o tornar afetuoso, ele não nos toca e esse é apenas um dos problemas desta obra. Guillermo Del Toro regressa ao seu lugar de conforto para trabalhar o estranho, o peculiar, numa fórmula que já o fez acertar várias vezes e que não tinha aparente margem para erro, mas dentro desse lugar seguro ele perde-se e esquece-se de realçar os seus personagens desfazendo um argumento que é grandioso e extremamente bem escrito tornar-se vazio. 

É com toda esta complexidade que entramos em mais uma análise do Coming Up dedicado aos candidatos de Melhor Filme, fica connosco que prometemos que não seremos uma perda de tempo. 

A história é carregada de nuances envolventes numa teia que se desfaz e nos faz ir ao íntimo mas personagens, a estética reluz e transforma o aspeto do filme numa obra de arte viva pintada com extremo cuidado, mas dentro dessas duas maravilhas temos um filme que se apodrece por não saber trabalhar as emoções da forma a que se propõe. 

Falar de Nightmare Alley torna-se num caso complicado, porque o filme é quase um corpo sem alma. Os ingredientes estão todos lá, tem tudo para dar muito certo mas no final a sensação que fica é que todos esses fatores juntos não se conseguem unir ao ponto de fazerem o filme se tornar verdadeiramente bom.

Olhando apenas à história, Nightmare Alley é uma ode à mentira, pesada e refletida na vida de um impostor mas que é suficientemente abrangente para carregar uma moral comum a tudo o que entendemos como mentira. Ao longo do filme vemos ser construído um retrato de um autêntico sociopata com todos alarmes que conhecemos destas personalidades num trabalho narrativo que é exímio. 


A construção da história é feita em cima de uma autêntica caixa de Pandora: um Freak Show, que dá logo à partida uma liberdade criativa abismal. A isso junta-se o mentalismo, os médiuns e todo um lado sobrenatural que ainda abre mais o espectro. E o que é incrível é que mesmo com tudo isto à disposição o texto é coerente e consistente, não se faz pequeno nem se perde perante as suas opções, há um caminho claro que é seguido e construído aos olhos de todos. 


Para além disso tem ainda a tal construção de um sociopata que é, como tantos outros, uma pessoa dotada de uma inteligência acima da média, com o qual a vida não foi totalmente justa e que carrega vários traumas que nunca foram devidamente resolvidos. 


E apesar de na vida deste homem já terem existido episódios em que o seu lado mais violento veio ao de cima, é interessante e inteligente da parte da equipa de autores deixar-nos construir a nossa própria perceção sobre quem é Stan. 


Vemos a sua personalidade ser desenhada à nossa frente, o seu complexo de Deus torna-se real. Passamos por momentos em que vemos ali alguém que se está a agarrar a uma oportunidade, que independentemente de tudo é válida, para depois passarmos a olhar para ele como alguém inebriado com o seu poder. 


Tudo isto numa ação em que ele se vai prendendo dentro da própria mentira e que quase o faz acreditar que nada pode falhar num síndrome de superherói que o torna tão próximo de um Deus manipulador que enriquece a personagem a um extremo tão complexo que exige alguém que a saiba manejar de forma perfeita.



E bem, aqui chegamos ao grande ponto que empobrece Nightmare Alley. Bradley Cooper tem nesta longa-metragem todo o espaço para fazer aquela que poderia ser facilmente a interpretação mais marcante da sua carreira e que se tivesse tido a devida entrega faria dele um justo vencedor de Oscar


Mas o que acontece nesta película é que apesar de não podermos dizer que o papel é mal interpretado, podemos dizer que vemos ali um ator que está a fazer o seu trabalho, que tem alguma emoção nas cenas quando lhe é pedido, mas que não se colocou na pele da personagem. 


Por mais que ele tente, e até dá para ver em algumas cenas que ele está de facto a tentar mergulhar neste universo, não consegue moldar-se a Stan tanto quanto a personagem merecia e pior do que tudo isto não nos consegue fazer deixar de ver ali o Bradley Cooper ator. 


Sabemos que ele é capaz de mais, vimos isso em Sniper Americano e até recentemente com A Star Is Born, mas talvez este tipo de papéis que exijam em uma real união, um despir completo, não sejam o seu forte. 


Essa falta de segurança no que ele nos entrega leva-nos a desconcentrar-nos no esforço criativo que existiu para construir esta personagem tão marcante. São dois pontos que tentam convergir para o mesmo lugar mas que parecem chocar entre si quando se tocam e no embate voltam para lugares muito diferentes, para depois voltarem a aproximar-se e de seguida afastarem-se de novo. 


Estivesse ali outro ator e a conversa sobre Nightmare Alley seria bem diferente. É um problema de casting que contamina tudo à volta.


Porém nem tudo é culpa de Bradley. O filme trabalha muito com as emoções, elas são o grande ponto que faz a história mexer, até porque nos seus atos de mentalismo, Stan tenta procurar a fragilidade da audiência para encontrar espaço para brilhar e os deixar abismados ao seu talento, ao ponto de olharem para ele e o venerarem como um Deus. 


Contudo, essa emoção não se transpõem para as cenas, em que vemos em vários momentos atores a debitarem diálogos uma falta de empatia com os seus personagens que desvaloriza todo o trabalho grandioso que está por detrás. 


O maior exemplo disso acontece durante o arco de Grindle, em que o portento da representação que é Richard Jenkins parece estar a fazer um frete neste papel relegando-o a lugares muito básicos quando nada na jornada da personagem indica esse tipo de personalidade. 


Daí que o twist final da personagem nos surpreenda, não pelo ato em si, mas porque a atuação dele foi tão morna que torna aquele momento em algo quase informativo, que não comunica com o público da forma que o argumento pretende. 


No fundo, sentimos que o monólogo final do personagem é um texto bonito, bem escrito, que se torna em palavras vazias, sentimo-nos quase trapaceados porque conseguimos sentir onde querem chegar com aquele diálogo ao mesmo tempo que não temos um pingo de comoção ou empatia a ouvi-lo, porque não há um background consistente que nos envolva e nos faça realmente sentir as suas dores. 



À parte da atuação, o filme perde ainda noutro ponto importante: O ritmo. Nightmare Alley tem duas horas e meia de duração e a dada altura não nos consegue agarrar o suficiente ao ponto de não olharmos para o relógio. 


Não é, de todo, um daqueles filmes que conseguimos passar todo o tempo colados ao ecrã. Logo no arranque temos um preâmbulo gigante para apresentar a interação de Stan com a vida circense. É válido e tem dados importantíssimos para o que vai acontecer no decorrer da história, mas é demorado demais e quando damos conta que há um segundo ato, o filme já nos deixou algo cansados. 


Os três atos desta obra são bons. O terceiro com as revelações finais talvez seja o menos criativo mas o primeiro é logo um tiro ao lado não pelo conteúdo mas pela sua demora. 


É um espetáculo de figurinos, com atuações de Willem Dafoe e Toni Collette que fazem o elenco valer a pena e com alguns pormenores sobre a construção destas artimanhas que Stan usa para ganhar a vida que são até certo ponto fascinantes, porém tudo isso poderia ser mais resumido, até para valorizar a narrativa e esses pontos de interesse. 


Até porque ao fim ao cabo no final das contas esses personagens que foram introduzidos servem apenas para apontamentos breves depois. O que aliás é um crime, porque tivesse Toni Collette mais tempo de antena e facilmente conseguia mostrar que merecia uma indicação. 


Essa longa introdução serve mais para nos relacionarmos com Molly e sentirmos a sua dor do que propriamente para nos apaixonar pelo protagonista, até pela falta de encaixe de Bradley que falamos antes. 


Por outro lado, Molly é o verdadeiro destaque aqui numa injusta falta de holofotes em cima de Rooney Mara que aproveita todas as cenas que tem para mostrar o quão rica é a sua personagem mas que vê o seu arco relegado para segundo plano quando ela tinha tanto por fazer e dizer. 


A sensação que nos deixa esta falta de tempo para explorar Molly em contraste com o ritmo arrastado do filme que nos introduz duas mãos cheias de personagens sem uma real necessidade do fazer, é que tentaram ao máximo incluir cada detalhe do livro esquecendo-se que numa adaptação para cinema nem tudo pode entrar porque nem tudo cabe numa longa-metragem.


Por mais que exista vontade de aplaudir de pé o argumento bem construído que esta obra tem e a sua beleza técnica, é impossível dizermos que Nightmare Alley merece uma nota alta. 


Quando pensamos na categoria de Melhor Filme, a ideia geral é que olhemos para aquela obra e encontremos um pacote completo: Uma história que nos diga algo, que seja memorável, que tenha uma técnica e figurinos que nos transportem para dentro do filme e que seja bem interpretada por atores que nos façam pulsar pelas decisões dos seus personagens. Nightmare Alley não preenche, de todo, todos estes requesitos e por isso justamente não leva a estatueta. Serve apenas para fazer número na lista e referenciar Guillermo Del Toro, num marketing que nem era tão necessário assim, como bem sabemos. 


Até porque num passado não muito recente ele provou a sua maestria com The Shape of Water onde trabalhou com um universo de personagens peculiares e soube tirar o melhor partido do que é aparentemente estranho para nos entregar uma trama que é, essa sim, uma obra prima em toda a linha. 


Nightmare Alley chegará ao Dolby Teathre com a certeza absoluta de que está ali para degladear pelas suas duas indicações às categorias técnicas de Figurino e Cinematografia. Nessas tem uma real e merecida chance de cantar vitória, mas nem isso retira o sabor agridoce de ter um filme indicado a uma categoria que talvez não mereça estar ali por não ter esse tal pacote completo. 


Vale o tempo pela história, mas esta é uma daquelas adaptações que nos deixa com mais vontade de ler o livro para sentirmos realmente tudo o que nos querem transmitir do que propriamente o inverso. É uma pena que Bradley Cooper não tenha aproveitado este momento, mas a sua prestação é indefensável e tanto Cate Blanchett como Rooney Mara mereciam uma contracena que as fizessem ser vistas. 


Trapaceiros por trapaceiros, Leonardo DiCaprio e o seu The Wolf of Wall Street continuam a ter o seu espaço de favoritos do público.