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COMING UP | Todas Las Veces Que Nos Enamoramos

Dos mesmos criadores de Élite chegou à Netflix Todas Las Veces Que Nos Enamoramos, a aposta da gigante do streaming para o Dia de São Valentim que traz uma versão um pouco mais atualizada sobre o conceito de romantismo deixando de parte a ideia mágica de que a paixão resolve tudo enquanto prova que na vida a dois nada é cor-de-rosa. 

Descrita como comédia, o drama é o ingrediente principal desta aposta espanhola e talvez tenha sido este o principal ponto negativo numa trama que nos conquista por trazer um elenco que vai contra aquilo que é o habitual. Há representatividade, há sentido de verdade e sobretudo carisma. Temos muito para discutir sobre Todas Las Veces Que Nos Enamoramos, fica connosco, não te vais arrepender!

Vamos inverter as coisas. Quais são os defeitos de Todas Las Veces Que Nos Enamoramos?

O amor é sempre um tema rico. As abordagens ao tema são infinitas e as possibilidades de cair no clichê são maiores ainda. Neste argumento não mergulhamos de cabeça no clichê, porém, entramos na premissa clássica de uma comédia romântica com um casal que se apaixona à primeira vista e que se apresenta disponível para lutar contra tudo e todos na esperança de que no final o amor vença. 


Até meio do primeiro episódio essa proposta básica conquista-nos, muito devido à química de Georgina Amorós e Franco Masini, e quando já estamos no embalo de mais uma série leve somos surpreendidos por um evento dramático que nos abana e nos faz questionar sobre o género de série a que estamos a assistir. O atentado de 11 de março ao metro de Madrid é um dos eventos mais trágicos da história do país vizinho e incluir uma referência a isso num texto que não nos tinha dado indicações até ao momento de que fosse algo sério é um choque abrupto. 


Esse choque até poderia ter jogado a favor da história caso a guinada trouxesse algo verdadeiramente marcante, contudo, o impacto perde-se para que o tom cómico da série seja preservado. Há alguns detalhes sobre a recuperação deles e dá uma alavanca ao texto para que os protagonistas trilhem rumos inesperados para as suas vidas, mas não vai mais além, e tendo em conta o país de origem da série e a importância do tema, talvez devessem ter tratado o tema com um pouco mais de cuidado. 


Todas Las Veces Que Nos Enamoramos vive no limbo entre drama e comédia, sem se comprometer com nenhum dos dois, o que acaba por desmerecer a qualidade da série. Caso, nesse ponto de viragem com a representação do atentado, tivessem dado um salto de fé na direção do drama a nossa conversa sobre esta série seria outra totalmente diferente e com muito mais pontos positivos a destacar.


 

Então é a típica história de amor em que os protagonistas estão fadados a juntar-se no final?

Não. Com algumas semelhanças com o que vimos em The Time Traveler’s Wife, neste enredo, os dois protagonistas não são o estereotipo de personagens românticos a quem tudo corre bem. Há muito bad blood entre eles e há uma vontade grande por parte do texto em provar que eles não são perfeitos. 


Esse olhar sobre a imperfeição dos personagens é o ponto forte do argumento, trazendo consigo uma representação que é realista, que tenta a todo o custo trazer duas pessoas apaixonadas que têm de lutar contra as consequências da vida para conseguirem ser felizes. 


Há pelo meio alguns elementos clichês, como aquele em que Fer apanha o casal enrolado, mas à parte disso, Todas Las Veces Que Nos Enamoramos ainda consegue vencer o braço de ferro contra o “mais do mesmo” e oferecer algo de novo. 


Não é um romance linear, há momentos em que o público tem a noção real que eles se odeiam, que eles se cansam um do outro. É o desconstruir do género, trazendo um pouco de verdade com a série a mostrar que a vida a dois é tudo menos perfeita e que por mais que nos apaixonemos por outra pessoa os defeitos e diferenças continuam a existir. 


E já que falamos do casal protagonista, há que referir que o autor de Élite tem um tipo na hora de falar sobre amor, resumindo grande parte da vivência de um casal ao sexo, chegando ao ponto de cair no exagero. É certo que o sexo é um elemento que vende e uma ferramenta de marketing sem falhas, mas aqui passou do ponto e ocupa tempo de história que poderia ser utilizado para aprofundar ainda mais as personalidades dos personagens da história. 


Em Élite, por se tratarem de adolescentes, até acaba por passar batido, mas aqui a série faz um percurso um pouco mais adulto que não necessita desta exposição.

 

Da e Jimena são os reis da festa.

Apesar de toda a exploração em demasia do sexo, há que louvar a série por tentar entregar a Irene e Julio narrativas individuais distintas. O mundo deles não orbita em torno do outro, há dilemas pessoais, há conquistas que são só deles. 


É algo raro em histórias de comovida romântica onde parece que se cria a ilusão de que tudo na vida se resume ao outro e ao amor que sentem, quando na vida real não é assim que as coisas se processam, nesse quesito a série funciona na perfeição e dá o mote para que também os outros personagens da trama conquistem o seu espaço. 


E que espaço, porque não falamos de personagens aleatórios, falamos sim de personalidades fortes carregadas de histórias para contar e que roubam os holofotes. 


Comecemos por falar de Da. O amigo de Irene beira o estereotipo e vive no limbo entre se tornar um clichê, mas não chega a converter-se num. Ele é o jovem rejeitado pela família pela sua sexualidade que dentro da rejeição tenta compensar a falta de amor entregando-se por completo às noitadas e aos amores que vai encontrando diariamente. 


Enquanto isso transporta as suas dores para argumentos perfeitos que têm tudo para se tornar sucessos no futuro. Esta podia ser a história de origem de uma mão cheia de autores famosos e talvez seja essa impressão de verdade que torna Da numa figura tão especial. 


Ao lado dele temos Jimena, que é uma força da natureza, a mulher de armas que não tem medo de ser frontal e que não deixa nada por dizer. É interessante ver como a personagem de Blanca Martínez vai crescendo dentro da trama, quase como se estivessem a reconhecer o seu talento à medida que a produção se vai desenrolando. 


Tanto um como outro são a definição de carisma e o ingrediente principal para que a série funcione tão bem e nos dê vontade de ver episódio atrás de episódio. 


Além, claro, de trazerem, à sua maneira, representatividade para dentro da história com um elenco que apesar de ter dois protagonistas de corpos perfeitos traz diversidade, representa uma série de mulheres e homens com uns quilos a mais ou com formas diferentes. E fá-lo com normalidade, sem tornar esse o foco dos personagens, sem criar um problema por eles não encaixarem nas medidas tipicamente perfeitas que aparecem habitualmente nestas séries. 


Da e Jimena são os reis da festa e destacadamente o melhor desta história.


 

Concluindo, Todas Las Veces Que Nos Enamoramos merece o nosso tempo?

Todas Las Veces Que Nos Enamoramos tem os seus defeitos, sobretudo pela questão de tentar manter-se cómica dentro de um mar de possibilidades que indicam que o género para o qual se deveria dirigir era o drama. 


Para estabelecermos uma comparação percetível, Smiley, outro sucesso espanhol da Netflix, é tudo aquilo que esperamos ver quando lemos a definição de “comédia romântica”, trazendo-nos momentos bem passados, leves, divertidos. Em Todas Las Veces Que Nos Enamoramos o que encontramos nem sempre é isso, chegamos a ter agonia pelos personagens, temos momentos de raiva, e a diversão fica muito mais à responsabilidade do elenco secundário, tendo em conta que esse sim cumpre todos os requisitos para estar numa comédia romântica. 


Se ignorarmos o género e nos concentrarmos no conteúdo, Todas Las Veces Que Nos Enamoramos é a série perfeita para quem procura um romance que mostre a realidade da vida a dois, onde as personalidades não estão sempre sintonizadas e onde existe liberdade para que as coisas corram mal de vez em quando. 


Há pano para mangas para uma possível segunda temporada, há passagens da história que poderiam ter um maior foco, como o final da gravidez de Jimena e os primeiros tempos com o seu bebé, ou o reinício da relação de Irene com Fer. Mas, aproveitando esse embalo de uma possível segunda temporada, a escolha arriscada que a série deveria fazer passaria por aproveitar a ausência dos protagonistas (dado o cliffhager) e focar-se na história de Jimena e Fer. A ideia com que ficamos é que está ali uma mina de ouro que não foi suficientemente aproveitada. 


Ainda assim, este é o tipo de história que não parece convencer tudo e todos, por isso o mais provável é que acabe por não vingar. É o híbrido que não convence nem um público nem o outro, e sabemos que com os catálogos gigantes dos serviços de streaming dificilmente o público dará uma chance a uma série que não nos agarra do princípio ao fim. 


Porque sim, Todas Las Veces Que Nos Enamoramos tem o efeito montanha-russa, arranca muito bem e vai subindo até ao episódio três, descendo um pouco o nosso interesse para finalmente se provar interessante nos últimos dois capítulos. 


Caso venha uma segunda temporada, ainda consegue convencer-nos a marcar uma nova visita a este universo, mas essa construção pouco linear talvez não seja o suficiente para garantir a renovação. Esperemos para ver.