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COMING UP | Cidade Invisível - 2.ª Temporada

Voltamos a Cidade Invisível, onde os mitos e lendas ganham forma e convivem no mundo dos humanos. E se falamos de mitos e lendas, falamos de riqueza, de profundidade, de pedaços de história que foram passados de geração em geração durante anos. Porém todos os detalhes que tornaram as lendas ricas ao ponto de prosperarem até à atualidade desvanecem-se numa segunda temporada confusa e com muito pouco para contar.

Cidade Invisível tinha tudo para se tornar numa das grandes obras brasileiras do mundo do streaming, sobretudo pelo lado cultural que traz no seu argumento, mas perde-se nos fait divers clichês. Falamos sobre isto e muito mais na edição desta semana do Coming Up. Fica connosco!

As novas criaturas representadas seguem os mesmos princípios das anteriores?

Um dos pontos positivos da primeira leva de episódios prende-se com a forma como as entidades milenares foram introduzidas dentro do quotidiano normal dos humanos. Figuras que viviam nas sombras, no meio de todos, mas indetetáveis ao olhar comum, dada a sua experiência em esconder as suas singularidades. 


Esse encaixe narrativo não acompanhou a renovação da série, e nesta segunda temporada o lado mais “normal”, que gera essa conversão que nos fascinou é completamente absorvido por uma trama mística onde eventos sobrenaturais são vistos com alguma normalidade. 


Além de tudo isto, termos muito mais entidades nesta segunda temporada que na primeira, e algumas bem mais inusitadas que saem do imaginário cultural brasileiro (exceção para a Mula sem Cabeça, mas já lá chegamos). 


O mundo linear parece ter-se tornado invisível, existem vários momentos em que temos singularidades a apresentarem-se a olho nu, algo que vai completamente contra os pilares de construção da trama que nos apresentaram antes. 


O Menino Lobo, por exemplo, quebra um sem número de regras de convivência de entidades, acabando por desvirtuar o conceito da série. O núcleo de personagens mundanos desta segunda fase de Cidade Invisível tem uma estranha perceção de que os mitos e lendas existem e nem chegam a ter momentos de questionamento. Se bem que neste ponto até podemos relevar um pouco dado que os autores colocaram singularidades em praticamente todos os seus personagens. 



Temos mais personagens, mas e a história? Ela faz sentido?

À medida que os episódios passam a sensação com que ficamos é de que o poder criativo dos argumentistas secou. O enredo da segunda temporada é o clichê da busca do pai pela filha, e vice versa, levando os seus heróis a passarem por uma série de situações de perigo. 


Vimos isto repetidamente em séries como Supernatural, Once Upon a Time, e outras que tais. Mas até poderiam ter enveredado por aí, não fosse o caso deste arco tomar conta de toda a temporada, em sucessivas repetições, com cenas que existem apenas para nos dizer que o personagem X é muito mau, e o personagem Y realmente está do lado dos bons da fita. 


Parece que todo o texto foi definido à pressa em cima de uma ideia tida em cima do joelho e sobre a qual não pensaram muito. Enquanto na primeira temporada se sentia o cuidado e estudo para incluir pequenos detalhes que nos remetessem para a origem das histórias da Cuca ou Saci, aqui agarraram num punhado de personagens e colocaram-nas a avulso. 


Outro ponto importante no qual se nota uma diferença abismal entre as duas temporadas acontece com a explicação cultural de cada ser sobrenatural. Enquanto na primeira fase qualquer leigo na matéria conseguia sair da obra com uma ideia concreta do que era cada uma das entidades, nesta isso não acontece. 


A maioria dos espectadores não deve até então saber quem é Matinta, qual a sua origem histórica. Ela aparece na série como uma espécie de demónio da encruzilhada, mas pouco ou nenhum contexto lhe é dado. E havia muito mais sumo por ali.

 

Então tudo se resume a Eric e Luna e à luta para ficarem juntos?

Parece redutor, mas a resposta é sim. Os novos personagens têm um outro arco secundário, mas o grosso da história resume-se aos desencontros dos dois. Parece que todas as pessoas que se cruzam nos seus caminhos passam a orbitar à volta das suas vontades, e envolvem-se nos seus problemas de forma gratuita. 


Há uma leve sensação de que o argumento se tornou um pouco menos arrojado e sombrio, despindo um subtexto muito próximo de obras dos Irmãos Grimm na primeira temporada, para agora mergulharem no clichê das séries sobrenaturais adolescentes. 


A segunda temporada tem apenas cinco capítulos, mas depois de passarmos os olhos por todos eles percebemos que o enredo não tem fôlego para aguentar estes cinco episódios, daí as repetições e os caminhos desinteressantes. O arco de Eric como um ressuscitado que suga maldições, tinha pano para mangas, mas parece ter existido alguma preguiça em dar-lhe mais contexto, mais drama. Ficou tudo pela rama. 


Ou seja, as ideias estavam lá, mas faltou alguém que conseguisse desenham um caminho que unisse tudo e tirasse os autores de lugares-comuns. A lenda da Mula Sem Cabeça, por exemplo, foi atirada para o enredo quase sem um fio condutor. Foi gratuito apenas para colocarem mais uma entidade clássica. Mas ao fim ao cabo, a sua função foi assim tão necessária? 


A Cuca, por exemplo, ficou completamente dependente das escolhas de Eric e Luna, a história dela foi completamente esquecida e ainda acaba por morrer sem glória.


 

No meio de tudo isto, existe uma moral na história?

A segunda temporada apresenta novos vilões. Homens gananciosos que correm atrás da riqueza indígena. Mas como tudo nesta temporada se resumiu aos encontros e desencontros de Luna e Eric esse arco foi deixado para segundo plano, ao ponto das revelações e castigos finais perderem impacto. A ausência de carisma de Castro como vilão também não abona a favor da série, mas aqui nem é tanto culpa do ator, mas sim da falta de diálogos que coloquem os holofotes sobre ele. 


A temporada termina com uma mensagem bonita sobre a necessidade de os homens respeitarem a natureza, provando que se esse respeito existir a convivência da floresta, natureza, e toda a fauna e flora não é impossível. A mensagem é bonita, mas casa pouco com o drama que foi contado até então. Aparece na história colocada a martelo, para dar uma espécie de encerramento a uma temporada que teve mais cara de filler do que de epílogo. 


Por mais que tenhamos gostado da primeira leva de capítulos, Cidade Invisível não merecia esta renovação. A nossa memória da série foi completamente violada, com a segunda temporada a desfazer o nosso fascínio sobre o trabalho que os autores fizeram a partir daquilo que é a sua cultura. 


Ainda deixam um gancho para uma possível continuação, mas este é um caso claro de uma narrativa que já chegou ao estado de exaustão e que não tem pernas para correr mais uma maratona de cinco episódios, se aqui já estava a cambalear, daqui para a frente as possibilidades de pioram só aumentam. 


Enfim, é uma pena quando produtos tão ricos se rendem ao clichê, havia muito mais para contar. Talvez o erro principal aqui tenha sido no tom, Cidade Invisível pede algo mais sombrio, até para casar com os mitos carregados de um país tão criativo como o Brasil. 


Esperemos que esta tenha sido apenas uma primeira aventura das lendas do país irmão e que alguma outra série as traga de volta para nos voltar a encantar.