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COMING UP | Glass Onion

Há um novo quebra-cabeças no catálogo da Netflix. Glass Onion, a sequência de Knives Out chegou à plataforma de streaming numa aposta muito mais comercial, quer nos figurinos quer no elenco, que pode não preencher as expectativas de todos os amantes do primeiro filme. Mas há algo que muda aqui: O mistério, que desta vez está muito mais aguçado, menos previsível e torna a longa-metragem muito mais viciante. 

Ainda, assim, será suficiente para fazer com que a saga de Benoit Blanc conquiste novamente um dos lugares nas listas de indicados aos Oscars? É sobre isso que te falamos na primeira edição deste ano do Coming Up. Lupas à mão, é hora de dissecarmos mais um jogo de detetives. Fica connosco!

É uma sequência justa para Knives Out?

Esta é a pergunta que nos vemos obrigados a fazer em todas as sequências. Será que faz realmente sentido continuar uma franquia que à primeira vista parecia desenhada para uma única história? E faz sentido revisitá-la? Bem, em Glass Onion a fasquia foi mantida e até bateu alguns dos pontos fracos da primeira obra. 


Contudo, Glass Onion é uma edição substancialmente diferente daquela que vimos em Knives Out que puxa ao máximo o filtro comercial que vai render likes, comentários e tornará a obra memorável e próxima de uma geração que talvez não tivesse, à partida, tanto interesse na história de um detetive de cinquenta anos que tenta desvendar um homicídio como se estivesse a jogar um clássico jogo de tabuleiro. 


O guarda-roupa, as expressões e até a conceção dos personagens conversam muito mais com o público do streaming que o anterior. Talvez seja fruto do ajuste da plataforma de lançamento, mas não deixa de tornar Glass Onion em algo verdadeiramente diferente, ao ponto de conseguirmos encará-la como uma obra totalmente individual. 


A criação de Knives Out é claramente assente numa inspiração clássica, num universo que tentava criar um ponto de partida para um Poirot ou um Sherlock que a nova geração entendesse como seu, mas sem desenhar fora das linhas, mantendo a lógica de construção clássica. Agora, em Glass Onion a caneta e o papel parecem ter sido trocados por um teclado e um iPad, com a introdução de twists muito mais modernos e com um olho clínico para o espetáculo. 


Convenhamos que se há uma conclusão que podemos tirar dos dados recentes de bilheteira é a de que o público está cada vez mais à procura de fogos de artifício e Glass Onion ofereceu exatamente isso sem se esquecer de ter um bom argumento que a sustenta. É diferente, mas continua bastante bom.


 

É um daqueles mistérios que deixa adivinhar o final antes da hora?

Ora, é aqui que Knives Out e Glass Onion mais se separam. Knives Out tinha uma história apelativa, sim, mas a sua perspetiva clássica encaminhou o mistério para o previsível, sobretudo para os fãs das obras de Sherlock Holmes. As pistas deixadas eram óbvias para os espectadores que já podem dizer que são mestres na arte de desvendar crimes a partir do sofá. 


Porém, Glass Onion, ao entrar neste mundo mais moderno, acabou por conseguir esconder melhor o seu baralho e a Poker Face dos personagens rendeu indecisões até ao último segundo. Ainda há alguns pontos de reviravolta que se socorrem no clichê, mas convenhamos que é difícil reinventar um género onde já tudo foi feito. 


Ainda assim, ignorando um ou outro momento clichê que surge, sobretudo com as personagens de Dave Bautista e Katherine Hahn, tudo o resto funciona, consegue deixar a dúvida no ar. 


Aqui há um mérito gigante na construção e na profundidade dos personagens, por mais que todos sejam descritos à partida como vigaristas dos quais não se pode esperar nada de bom, o que é facto, é que todos eles têm ligações a pontos cruciais dos debates que temos nos dias de hoje. Seja em relação ao uso de armas nos Estados Unidos, no controlo da informação e como ela chega ao público, seja no mundo da política ou até mesmo no universo dos influenciadores digitais que tentam sobreviver com muitas maroscas à política do cancelamento. 


O texto é genial em trazer estes assuntos de uma forma que além de não se tornar forçada ainda consegue criar uma ligação imediata com o público e até deixa o nosso imaginário coletivo qual terá sido a celebridade a inspirar cada um dos trates que estão à nossa frente. Porque o filme é claro em dar a entender que grande parte do argumento se baseia numa sátira aos comportamentos de Hollywood. 

 

A história é boa? Consegue entreter-nos e ao mesmo tempo fazer sentido?

Este é um filme espetáculo, e é bom termos isso em mente de antemão, para não sairmos com expectativas furadas. E o que significa isto de “filme espetáculo”? Ora, a vontade de colocar elementos grandiosos para depois render grandes momentos de ação leva a narrativa para um lugar um pouco mais surrealista do que o esperado. 


É uma sátira ao mundo dos ricos e ao luxo que os rodeia, por isso parece não existir um limite entre ficção e realidade na história de Glass Onion. O que, ao fim ao cabo, acaba por criar uma certa distancia e obriga-nos a uma suspensão da descrença que não abona a favor do filme se estivermos a olhar para ele única e exclusivamente do ponto de vista da história. 


A trama é boa, mas é o extremo oposto da expressão “ter os pés assentes na terra”, a narrativa voa para lugares distantes da nossa realidade, e em alguns momentos esse voo vai alto demais e por mais que queiramos comprar a ideia realista da obra é impossível aceitar que exista um cenário tão grandioso assim. Mesmo que estejamos a falar de grandes magnatas. 


Este poderia ser só um mero detalhe que nos deixava um pouco desconfortáveis, mas não é, porque toda a trama acaba por criar uma sensação de dependência com aquele luxo todo. É como se o texto base tivesse sido reajustado depois de ter tido um orçamento milionário investido. 


Resumidamente, esta é uma longa-metragem que vai agradar muito mais ao público mainstream do que os restantes. 


 

O elenco tem uma série de estrelas, justifica-se a presença de todas elas?

As personagens de Glass Onion têm alguma riqueza. E não falamos no sentido material, mas sim da sua construção e profundidade. Ninguém foi completamente deixado de lado, apesar do destaque maior ter caído em cima de Janelle Monáe, Edward Norton e Kate Hudson. São eles os verdadeiros ladrões de cena nesta história. 


A personagem de Janelle pelo drama que tem acaba por ganhar alguns momentos interessantes, apesar desta não ser, de longe, a sua maior performance como atriz. Ela cumpre o que o texto lhe pede, e cumpre bem, mas parece que faltou algum rasgo na hora de lhe entregarem mais substância. Tinham tudo para fazer desta personagem alguém memorável, mas parece que não chegam lá. 


Edward Norton entrega um vilão tosco que preenche a quota de mistério do filme pela sua personalidade peculiar, mas também fica na média. É certo que ele rouba muitos holofotes para si, mas nenhum deles é um momento que nos prenda totalmente ao ecrã, no fundo, este é um roubo fácil porque não há nenhuma linha que faça os atores saírem da zona de conforto. 


E incluímos Kate Hudson aqui porquê? Ela é, talvez, a personagem mais memorável deste filme, num tempo de comédia que nos prende e que mostra mais uma vez que este é um género onde Kate Hudson coloca em jogo todo o seu talento. Com muito suporte do argumento que a ajuda a brilhar ainda mais, ela tem alguns dos melhores diálogos do filme e foi a única que realmente fez justiça à classificação de Glass Onion como comédia. 


Sobre o protagonista Daniel Craig, a opinião deixada no Coming Up de Knives Out continua a manter-se. Ele até ganha um pouco mais de carisma na sequência, mas a sua interpretação em vários momentos torna-se um tanto ou quanto flácida. 

 

Há espaço para Glass Onion nos Oscars?

Não se deixem enganar no timing de lançamento. Glass Onion é uma aposta da Netflix para conquistar, mais uma vez, espaço na grande premiação de Hollywood. Mas o seu rasgo modernista talvez não encaixe bem no olho clássico da academia que procura sempre produções mais densas e emocionais. 


Glass Onion está muito dependente do restante material de competição deste ano, e até pode figurar na lista como o filme disruptivo desta edição, seguindo os passos de Don’t Look Up, mas numa primeira impressão dificilmente conseguirá ter força suficiente para entrar na corrida a melhor filme. 


Nas categorias de atuação, talvez se abra uma vaga para Kate Hudson como Melhor Atriz Secundária, mas estaríamos a puxar demasiado a corda. 


Ou seja, feitas as contas, o espaço que sobra para Glass Onion na grande noite do cinema são as categorias técnicas, e aí sim, deverá somar várias indicações. Melhores Efeitos Visuais, Melhor Figurino e Melhor Design de Produção são lugares cativos e seria até injusto que não estivesse nestas listas. 


Contudo, passa longe de repetir a façanha do seu antecessor e deixa a ideia de que as expectativas da Netflix com a franquia podem muito bem ter saído furadas. Até porque mesmo nas categorias técnicas, Gray Man, é, em alguns pontos, um competidor muito mais agressivo na vitória do que Glass Onion


Este é um blockbuster que entretém, que preenche tranquilamente um serão familiar, mas não passa a linha que o coloca entre os títulos do ano.