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COMING UP | Alice In Borderland - 2ª Temporada

Alice In Borderland é provavelmente uma das séries mais criativas que a Netflix lançou nos últimos tempos. Contudo, nesta segunda season o sucesso castrou parte da ousadia. Com uma transposição completa do universo animé para o mundo dos Live Actions, esta é uma produção que não deixa ninguém indiferente. 

No regresso para uma segunda temporada, os produtores tomaram a decisão de lhe dar um encerramento, acabando a história naquele que entenderam como sendo o tempo certo e vamos falar-te sobre isso nesta edição do Coming Up. Fica connosco!

Alice In Borderland ainda nos deixa com o coração nas mãos?

Depois de uma primeira temporada onde tudo podia acontecer, literalmente, a segunda temporada faz inversão de marcha e torna-se um pouco mais previsível e mais americanizado, colocando um tom um pouco mais americanizado nos twists sem ter necessidade de o fazer, dado que já sabíamos de antemão que esta seria a despedida da série. 


Na primeira temporada tivemos o famoso Jogo do Lobo que foi um verdadeiro murro no estômago e mostrava o quão diferente a história de Alice In Borderland é, com a audácia de matar praticamente todo o elenco principal num único episódio. Porém, essa audácia deixou as expectativas altas e não esperávamos nada de menos surpreendente neste novo capítulo, o que acabou por não acontecer. 


As mortes, que são o principal elemento surpresa desta narrativa ficaram em segundo plano, deixando os protagonistas safarem-se de situações impossíveis com recursos a estratégia Deus Ex Machina que em nada casam com o tom que a série tinha definido anteriormente. 


A dada altura parece que ninguém conseguia morrer, nem mesmo se quisessem, e que independentemente da dificuldade do jogo já tínhamos a certeza de que Arisu e companhia se iriam salvar. Além de tornar a série mais previsível, essa ausência de arrojo tornou esta segunda season um pouco mais monótona, sem momentos que nos deixem completamente com o coração nas mãos. 


E estaria tudo certo em manter o esquema clássico de entregar a vitória aos bonzinhos da história, não fosse o facto de Alice In Borderland nos ter educado a esperar sempre o inesperado. Os dois últimos episódios foram os exemplos mais gritantes e acabam por desvirtuar a estrutura realista que definiram até então para este universo maioritariamente fantasioso.


 

Os jogos continuam criativos e continuam a gerar arrepios a quem assiste?

A criatividade dos autores de Alice In Borderland é inegável, e a maestria como eles transportam jogos banais para questões de vida ou morte é cativante. Talvez esta não seja uma opinião popular, mas a forma como moldam os jogos tradicionais a situações limite em Alice In Borderland é muito mais chocante do que a abordagem de Squid Game


E nesta temporada temos dois grandes jogos psicológicos jogados por Chishiya aos quais não podemos ficar indiferentes. O primeiro, o jogo solitário em que os participantes são obrigados a confiar em pessoas quando a própria vida deles depende disso. 


E esse exercício de colocar a nossa vida nas mãos do outro tem tantas camadas e tantas ligações com a nossa relação com os outros no mundo real que acaba por nos envolver de uma forma quase pessoal com aquele jogo. Este é um dos episódios que nos faz mergulhar completamente na história e nos absorve ao ponto de nos esquecermos do mundo à nossa volta. Ponto para a narrativa que mesmo com uma ousadia menor ainda consegue manter essa atmosfera envolvente. 


Mas não é caso único. Numa perspetiva um pouco diferente, Chishiya traz-nos um jogo de possibilidades num tribunal onde num jogo de sorte ou azar matemático se define o peso da vida de cada um, num jogo que além de ser macabro na forma como mata os participantes que não alcançam o objetivo, nos deixa uma noção clara sobre a mensagem da série. 


Porque sim, Alice In Borderland não se limita a apostar na ação, os traços de filosofia deixados a avulso nos episódios da primeira temporada, tornam-se neste segundo ano num ponto fundamental para desenvolver a narrativa e este jogo é o ponto definitivo para entendermos o que é que ela série nos está realmente a contar.

 

A segunda temporada é previsível?

Bom, esta é uma questão de resposta aparentemente fácil, mas não é. Por mais que a partir do episódio quatro já tenhamos percebido que eles não vão abdicar de nenhum dos protagonistas da série, todas as outras questões levantadas pela história continuam a ser um bom mistério e deixam-nos com um verdadeiro nó no cérebro enquanto tentamos juntar as peças. 


Há muito pouco de previsível, e mesmo sem surpresas em relação às mortes, ainda consegue surpreender na forma criativa com que imprime uma moral no texto e o torna rico e lógico. 


No fundo, Alice In Borderland é uma série de lógica que tenta fazer uma espécie de estudo sobre a sociedade e sobre como cada um de nós iria agir caso a nossa vida estivesse em jogo. E a partir desse ponto de conexão, deixam de existir atitudes certas e erradas, o que torna todas as ações muito mais impactantes por saírem completamente de um lugar de conforto. 


É certo que os argumentistas podiam ter colocado um pouco mais de narcisismo em alguns personagens, como Chishiya, que sempre nos foi apresentado como alguém individualista e introvertido, mas mesmo para ele foi criado um background que nos justifica que aquela postura era, na verdade, uma fachada para um coração que foi quebrado por um sistema que favorece quem tem as conexões certas. O que acaba por justificar a falta de ligações que ele faz ao longo da série, é o suporte para que não critiquemos a sua falta de confiança naqueles que ainda assim o tentam ajudar. 


Ainda no campo da previsibilidade, vale a pena referir a forma como a série deixa Usagi no limbo, levando-a a questionar se, de facto, valerá assim tanto a pena voltar para o mundo real quando aquilo que ela vai encontrar é uma realidade triste. Nesse momento de questionamento percebemos mais uma vez a reavaliação que todos eles estão a fazer e conseguimos entender nesse ponto o porquê de existir gente que se mostra claramente feliz em manter-se naquele universo.


 

Muda muita coisa nesta segunda temporada? Há um risco maior?

A primeira leva de episódios de Alice In Borderland foi um claro tiro no escuro, e isso notou-se no budget claramente mais baixo que tiveram e acabou por gerar soluções ainda mais criativas para apresentar este universo ao público. Era tudo muito mais palpável, por mais que se tratasse de uma fantasia. 


Nesta segunda temporada esse aumento na aposta notou-se com a introdução de mais elementos tecnológicos nos jogos, nos cenários mais grandiosos e nos efeitos especiais. Porém, apesar de termos todos esses upgrades, não se sente que fizessem falta. 


Aliás, o facto de tudo se ter multiplicado acaba por deixar a realidade de Alice In Borderland ainda mais distante da nossa. A história até poderia ter incluído esse investimento no texto justificando-se com a proposta de que por estarmos a jogar com as cartas mais importantes do baralho tudo era feito com maior riqueza para garantir um impacto maior, mas não. Acabam por lançar uma série de elementos caros e efeitos especiais um tanto ou quanto desnecessários sem que nada se tivesse alterado na base da história, ou seja aqui o facto de terem mais dinheiro tornou tudo um pouco mais gratuito. 


E isso muda um pouco o tom da história que nos conquistou pela sensibilidade e simplicidade de lançar um drama criativo que só tinha paralelo nos animés sem estar refém de expectativas de sucesso. 


Com Alice In Borderland prova-se, mais uma vez, que quanto maior é sucesso de uma produção mais mãos mexem nela, e os grandes produtores já deveriam ter entendido que em equipa vencedora não se mexe. 


Mas nem tudo é mau nessa aposta maior em efeitos visuais. As mortes, apesar de não terem, de todo, o mesmo peso que na primeira temporada, são muito mais gráficas aqui, tornando a produção em algo mais chocante. Nesse aspeto acabou por servir aos fãs de ação exatamente aquilo que procuravam. 


Sacrificou-se um pouco as possibilidades da história em ir até mais longe, mas analisando sem o background surpreendente da primeira temporada, esta segunda continua a ser igualmente cativante e muito boa.

 

O final encerra mesmo a história? É satisfatório?

Tal como qualquer série de mistério, Alice In Borderland é uma daquelas narrativas que abre espaço para teorias. E quando isso acontece abre-se um mundo de possibilidades que torna qualquer desfecho impossível de agradar a todos. Ainda assim, o caminho escolhido foi excelente tendo em conta a moral carregada em todos os episódios desta última temporada. 


O argumento conseguiu usar uma solução que já é vista como um clichê nestas séries de realidades paralelas e dar-lhe um novo significado. Temos uma nova definição do que é estar no limbo entre a vida e a morte, mas o grande ponto central da série não é o encerramento, mas mostrar-nos o quão importante é a luta pela vida e como tudo é efémero, assim como nos mostra que não há mal em desistirmos do que não nos deixa confortáveis. 


A filosofia tomou conta da história por completo e quando percebemos que tudo aquilo se passou no tempo real de um segundo em que todos eles estavam mortos mas na luta para voltarem para a vida. Cria-se uma bonita metáfora sobre o que é a sede de viver, sobre o significado das nossas ações, sobre o significado da vida, e sobre o momento em que precisamos de nos reencontrar connosco mesmos e percebermos que nem tudo se resume à velha dicotomia entre o bem o mal. 


No final ainda aparece o Joker para encerrar o baralho e nos mostrar que na vida há sempre algo que brinca connosco, mas que pode ser suficientemente forte para mudar o curso do jogo. 


Recheada de simbolismo, significado e questionamentos, Alice In Borderland é uma produção existencialista que utiliza a ação para nos levar numa viagem a um percurso mais profundo sobre o que é a nossa existência. São dois géneros completamente dispares que se juntam aqui e tornam esta numa série ainda mais incrível, que soube terminar em bom e encerrar todas as pontas no lugar certo e na hora certa.