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Tiago R. Santos: «Em "Revolta", a palavra tanto pode ser o caminho para a liberdade ou a corda com que as personagens se enforcam»

Foto: Direitos Reservados

Estreia em televisão esta terça-feira, dia 3 de janeiro, às 22h45, na RTP1, a primeira longa-metragem realizada por Tiago R. Santos. Revolta é o nome do filme que junta Teresa Tavares, Ricardo Pereira, Cristóvão Campos e Margarida Vila-Nova numa história cuja ação se passa no interior de um apartamento. Em junho de 2022, o Fantastic esteve à conversa com o realizador e os atores para ficarmos a conhecer melhor esta película, que conta com banda sonora original de Filipe Melo.

 Por André Pereira e Miguel Frazão 

Rodado em 2020, Revolta passa-se numa realidade na qual o nosso país está à beira da ruptura, devido à crise económica causada pela pandemia. “Cheguei a recear que o contexto que sustenta a premissa do filme se tornasse datado. Felizmente, o absurdo encontra sempre forma de se renovar.”, começa por nos explicar o realizador. Na história, enquanto lá fora acontecem várias manifestações, Paulo (Ricardo Pereira) e Cristina (Teresa Tavares), um casal que recentemente teve um filho, prepara-se para receber  dois amigos para jantar – João (Cristóvão Campos), um rapaz que está a atravessar um mau momento devido à recente separação, e Raquel (Margarida Vila-Nova), uma mulher desinibida e aventureira, amiga de infância que Cristina já não via há muito tempo.

“Durante o jantar, várias questões são levantadas por estes quatro amigos e começamos a perceber que a história destas pessoas está entrelaçada”, avança o ator Ricardo Pereira. É esta interação entre as personagens principais que dá o mote a tudo o que acaba por se desenrolar nesta narrativa. “Há um lado do Revolta que sempre imaginei como sendo intemporal e universal: os dramas humanos e as fragilidades expostas no jantar entre aqueles quatro amigos”, acrescenta Tiago R. Santos, que assina ainda o argumento de Revolta.

Frágil é um dos adjetivos que mais caracteriza João. De momento a passar por uma depressão, a personagem interpretada por Cristóvão Campos é convidada para este jantar de amigos, onde lhe será apresentada uma nova pessoa. “O desafio foi grande não só pelas mudanças dramáticas e cómicas da personagem, mas porque tudo isso acontece num tempo próximo do real, sem avanços ou recuos na narrativa”, revela o ator ao Fantastic. “Em grande medida tudo o que era necessário saber estava no guião do Tiago, muito bem escrito, e o restante foi construído maioritariamente pela imaginação, minha e coletiva, nos ensaios que fomos fazendo”, explica ainda o intérprete de João.

Foto: Direitos Reservados

A instabilidade emocional de João contrasta com a segurança e confiança que marcam o casamento de Cristina e Paulo. “A Cristina é uma mulher bem sucedida, com um casamento aparentemente perfeito com o Paulo, e fazem parte daquela classe média-alta que diz as coisas certas e sabe como se comportar”, conta-nos Teresa Tavares. Foi a personagem da atriz que teve a iniciativa de marcar este jantar que leva os espectadores a conhecer os desejos, anseios e frustrações dos quatro amigos que vão revelando alguns segredos ao longo do convívio. Em declarações ao Fantastic, Teresa Tavares garante ainda que este projeto foi “muito interessante” pelo facto de a sua Cristina ter a capacidade de “arrancar as máscaras a estas pessoas e ser capaz de as expor nas suas fragilidades, sendo que, no caso de Cristina, mesmo quando a situação lhe foge do controlo, há ali um lado de gosto pelo jogo que não a permite parar”. 

Já a atriz Margarida Vila-Nova revela-nos que "Raquel   é  uma  sobrevivente,   uma  personagem  amoral  que  não estabelece nenhum juízo de valor sobre as relações que a rodeiam, e as próprias relações que ela mantém com os seus amores e desamores, amigas e amigos". Margarida explicou ao Fantastic, de forma bem humorada, que esta é "uma personagem um tanto revoltada, mas talvez seja só para ir ao encontro do título do filme". A atriz adianta ainda que Raquel "não  se  conforma  com  as  regras  impostas  e instituídas por  uma  sociedade", sendo  uma  personagem "inconformada com o sistema, mas sobretudo com ela própria".

"A Raquel foi encontrada  a partir  da história  escrita  e  realizada  pelo  Tiago e  dos ensaios que tivemos, das discussões que foram estabelecidas à mesa, das relações que foram sendo criadas com a Teresa, com o Ricardo, com o Cristóvão", avança ainda a atriz, relembrando que "nunca é só e apenas um  processo  individual" de construção da sua personagem. "Houve várias  referências  do  Tiago  que  nos inspiraram na construção desta longa-metragem", revela. "Foi muito prazeroso, é uma personagem distante das várias que tinha feito até ao  momento.  É  uma  personagem  disruptiva  num  momento  muito particular que estávamos a viver de pandemia, no qual estávamos fechados há algum tempo", relembra Margarida Vila-Nova. 

Ricardo Pereira, que interpreta Paulo, define as quatro personagens que tomam conta da história como “não lineares” e “complexas”, sendo que “a troca cénica intensa e intimista vai levar o espectador a entrar naquele apartamento e a viver a ação e a narrativa de uma forma muito próxima”. Para Tiago R. Santos, "o conflito entre as personagens é o coração que bate dentro do filme e tudo o resto é pano de fundo”, quase como “um universo paralelo que criámos,  aproximando-nos da distopia mas sem nunca perder o mundo real e contemporâneo de vista”.  Segundo o realizador, Revolta é um filme que nos leva a “olhar para o futuro com os pés no presente – e esse futuro, como sempre acontece, tanto é previsível como surpreendente”.   

“Posso confessar, sem pudor, que me sinto bastante orgulhoso daquilo que fizemos num período muito específico no tempo”, esclarece Tiago R. Santos, destacando que “profissionalismo, talento, elegância e humor” são algumas das melhores palavras que descrevem a equipa de Revolta. O responsável pelo filme conta ainda ao Fantastic que o mais importante, para si, “foi  encontrar um equilíbrio entre aquilo que era desejável e o que se revelou possível, ainda mais considerando todas as questões práticas com que somos confrontados a partir do momento em que as palavras e personagens começam a ganhar corpo”. 

Foto: Direito Reservado

O tempo que a equipa tem para filmar, os meios que tem para o fazer e ainda “a geografia e limitações do décor”, bem como o equipamento técnico que está à disposição, são alguns dos fatores cruciais para o sucesso da concretização da obra. Já Cristóvão Campos destaca a dificuldade de gravar a longa-metragem logo após o primeiro confinamento. “A expectativa era poder fazer o filme, podermos estar juntos e no final vermos o filme e ficarmos satisfeitos”, revela o ator. 

"Foi um processo muito intenso, muito próximo e muito íntimo. Na altura haviam muitos medos, inseguranças e incertezas que, na minha opinião, acabaram  por  contaminar  esta personagem  e  este  projeto", explica Margarida Vila-Nova. "Não  estou  a  conotar  como  negativo,  é  apenas  uma circunstância da atualidade. Mas as circunstâncias fazem de nós aquilo que nós somos naquele momento e a forma como vemos o mundo, os filmes e as personagens", adianta ainda a intérprete de Raquel. Para a atriz, "este  foi  um  projeto particularmente desafiante", uma vez que foi filmado  "ainda  durante  o  primeiro confinamento, durante o qual vivíamos um  momento  muito  particular  de  inseguranças,  de  medo,  de desconhecimento, do facto de o  inimigo  ser  um  desconhecido".

Para Tiago R. Santos, “a viagem – e as pessoas com que a fazemos - é tão importante como o destino final” e por isso o “processo criativo colaborativo e respeitoso” na criação de Revolta é um dos aspetos que destaca. “Sinto que há, por vezes, e por quem escreve sobre cinema, a fantasia de que tempos e meios são ilimitados e que todas as opções – estéticas, narrativas - são criativas. Não julguem, no entanto, que isto significa que qualquer projeto é a soma das suas limitações – pelo contrário, é nesse conflito, entre o desejável e o possível, que nasce a sinergia criativa entre os vários membros da equipa”, acredita Tiago R. Santos.

“Acho que a premissa de quatro atores num único espaço – aquilo que gosto de chamar Histórias de Apartamento, como a canção dos The National que adoro - é fascinante, porque obstrui todas as saídas de emergência e boicota qualquer plano de fuga. As personagens não conseguem escapar dos outros e de si próprias e a única arma que lhes é oferecida é a capacidade (ou incapacidade) de diálogo”, acredita ainda o realizador.

“Em Revolta, a palavra tanto pode ser o caminho para a liberdade ou a corda com que as personages se enforcam. Como argumentista e dramaturgo, sempre gostei deste exercício quase minimalista que, acredito, permite olhar muito de perto para a natureza humana, ainda mais quando tenho um elenco que superou com talento e profissionalismo o desafio que lhes foi proposto”, revela ainda Tiago R. Santos. 

"Qualquer uma destas quatro personagens é fundamental nesta história, porque todas elas são pontes para que a história avance. Não é de todo possível contá-la sem o Cristóvão, sem o Ricardo ou sem a Teresa. E a história viveu desta empatia que nós temos os quatro. Foi um feliz reencontro e um prazer voltarmos a partilhar um set de filmagens", explica Margarida Vila-Nova. "Um filme sem conflito não existe, e felizmente este filme está carregado de conflitos, de desavenças, de verdades com as quais cada personagem vai sendo confrontada e que vai lançando para um outro nível e para uma outra emoção", remata a atriz.

Foto: Direito Reservado

“O filme é sobre quatro pessoas sem hipótese de fuga, a exporem-se porque isso é inevitável, a lidarem com as suas próprias verdades e com as dos outros, com as suas frustrações, ali na corda bamba o tempo todo, e isso deu-me um imenso gozo como atriz”, explica Teresa Tavares. “No caso deste filme, parece-me que mesmo o cansaço de uma rodagem tão intensa, fechada, circunscrita ao mesmo espaço, filmada sempre em nocturnas, joga a favor da história e põe-nos a todos ali num sítio de vulnerabilidade que é muito humano. E isso a mim é o que mais me interessa”, conta ainda a intérprete de Cristina.

A atriz refere ainda que o facto de a história se passar toda “dentro de uma casa e de não ter elipses” torna-a ainda mais particular. “É como se o espectador se juntasse para jantar connosco. E espero que seja essa a sensação de quem o vê. Há ali um incómodo mas também um humor que acho que vêm de um lado voyeurista do filme”, revela Teresa Tavares. Já Ricardo Pereira acredita que o filme “será muito bem recebido pelo público”, uma vez que “a complexidade destas personagens vai cativar quem for ver, pois são pessoas que escondem os seus desejos, as suas frustrações e as suas ansiedades”.

"É uma história intensa, que vai tendo uma progressão ao longo do filme em que os conflitos, as verdades, as desconfianças e as inquietações vão subindo de tom e vão provocando um mau estar entre todos. É um filme carregado de humor, mas tanto tem de cómico, como por trás destas personagens existe uma profunda tristeza", realça Margarida Vila-Nova.

Podes ver aqui o trailer de Revolta, o filme que se passa todo dentro de uma casa e que, por ter sido filmado por ordem cronológica, leva o espectador a sentir que está também a jantar com as personagens:


 
Por André Pereira e Miguel Frazão