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COMING UP | Smiley

Natal é sinónimo de família, de paz, é, também sinónimo de família, de respeito e de amor ao próximo, mas sobretudo de amor em todos os estados dele. E tendo tudo isto em mente, Smiley é a comédia leve que precisávamos para nos colocar um sorriso no rosto. 

Descontraída, realista, mas engraçada, com os clichês do amor que tornam tudo um pouco mais fofo, mas com um texto que consegue ser acutilante e verídico quando necessário, Smiley é uma comédia romântica que nos faz rir, mas que fala sobre os estereótipos do amor e que encara o amor homossexual com a normalidade necessária para nem fazer disso um tema. 

Não é uma obra-prima do catálogo da Netflix, mas aquece-nos o coração e não precisamos de mais nada nesta época natalícia. Falamos-te deste novo sucesso espanhol na edição desta semana do Coming Up, mergulhando no amor e no espírito natalício em excelente companhia. Fica connosco. 

Que os opostos se atraem já não é uma novidade, muito menos quando esses opostos estão inseridos num argumento de comédia romântica, essa oposição é condição obrigatória para se fazer encaixar neste género. Mas quando a isso agregamos as diferentes visões e estereótipos que temos sobre relacionamentos tudo acaba por se tornar ainda mais interessante. 

E melhora quando sem perder a piada consegue tocar poucos que merecem ser trazidos para debate, que precisam de ser vistos, enquanto entrega uma lição de moral sobre o quão importante é não julgar o livro pela capa. 

A premissa, tal como já dissemos, é básica. Mas em Smiley o ponto fundamental não é o conteúdo, mas a forma, apesar de ambos serem bons. Trabalhar clichês pode parecer fácil, contudo trabalhá-los de forma que se tornem interessantes, que nos prendam a atenção e nos deixem vidrados à história de amor que querem contar é outra coisa. E isso Smiley faz com maestria. 


Àlex e Bruno são frações diferentes daquilo que são os estereótipos do mundo gay, com interesses completamente opostos e preconceitos sobre o outro. E esse é o grande chavão que abre a história de Smiley, é que além de encaixar os personagens em caixinhas de estereótipos mostra o quão pouco abertos eles são a personalidades com interesses diferentes, ou seja, o preconceito é trabalhado de uma forma pouco habitual, de dentro da comunidade LGBTQ para fora. 


Todos os ingredientes desta análise de preconceitos estão lá, mas são contados através de piadas que além de não serem forçadas ainda mantêm o respeito, além de oferecerem veracidade, por parecerem falas orgânicas que qualquer pessoa naquela posição poderia dizer. 


O primeiro encontro dos dois protagonistas é o mais inusitado possível, mas damos alguma licença poética à coincidência porque ela serve para provar o quão opostos os dois são, e carrega ainda mais o botão do preconceito, pois nenhum deles conhecendo à partida o outro aceitaria ou equacionaria marcar sequer um encontro com o outro. 


Esse primeiro momento traça bem o percurso que os dois vão ter daí em diante e apesar de introdutório e previsível, o ritmo do episódio e a química entre todo o elenco (não apenas do casal principal) conseguem garantir a nossa atenção logo ali.


 

No fundo, apesar das diferenças, e de acharem o contrário ambos querem o mesmo, serem felizes. Mas não é sobre descobrirmos isso, é sim, sobre a forma como a série nos mostra isso. A conversa dos dois junto ao elevador na manhã seguinte ao primeiro encontro tem tanto de cómico como de verosímil. Aliás, tal como toda a série. 


A comédia, apesar de servir para amenizar algumas das questões, vem carregada de significados. Ou seja, temos aqui uma excelente utilização desta ferramenta e que além de tornar a série mais leve, de a tornar atrativa para mais pessoas, ainda consegue a proeza de fazer uma história simples tornar-se em algo surpreendente. 


À parte do arco protagonista, o melhor exemplo desta boa é importante utilização do humor é o arco de Javier e a sua Kenna Mandrah que toca questões muito sérias sobre a solidão, sobre o amor e a passagem de tempo, além do preconceito intrínseco sobre o prazo de validade para o amor. 


Aliás, uma das mensagens mais bonitas desta história (passada com bom humor) acontece precisamente numa das performances de Kenna, quando ele decide falar com o seu público sobre como a sociedade acha que a partir de um dado momento deixamos de ter direito ao amor, a viver uma vida ativa neste campo, passamos a ser quase seres de luz, quando na verdade nunca se é velho demais para sonhar. 


Mas os momentos e intervenções pertinentes não ficam por aí. O momento em que Javier faz a sua apresentação fictícia sobre o que procura da App de encontros online é, além de divertido e realista, um dos momentos mais eficazes do texto em mostrar o estado de espírito das personagens deste universo além de oferecer representatividade dentro dos estereótipos da comunidade LGBTQ+.

 

Em Smiley o grande segredo não está apenas assente numa boa história central, os núcleos que orbitam à volta der Álex e Bruno são, também eles, interessantíssimos e fortes nas mensagens, o que eleva a qualidade do argumento. 


O arco de Verô e Patri é outro dos pontos que merecem destaque por retratarem aquilo que é a história de muitos casais que entram no loop da monotonia por força da pressão social em que todos temos de ser iguais, e todos temos um determinado caminho a seguir. 


A forma como a relação se vai deteriorando ao mesmo tempo que nos deixa a certeza de que apesar de estarem em momentos em que estão a fazer mal uma à outra continuam a amar-se é de dar um nó no estômago. E tudo isto acontece porque é fácil relacionarmo-nos com elas, os arcos individuais de cada uma são tão ricos, realistas e cheios de detalhes mundanos que é impossível que em algum momento não toquem em algo pelo que já tenhamos passado em algum momento da nossa vida. 


À medida que a trama das duas avança a nossa empatia com os dramas delas só aumenta. E não falamos apenas das questões LGBTQ+ que acompanham o seu desenvolvimento, falamos sobretudo sobre as suas crises como casal, e como sem se aperceberem começam a desejar coisas diferentes, mas por comodismo e por desleixo deixam-se ficar na zona de conforto. 


O momento do exercício de salvamento da crise é além de muito divertido um bom exemplo sobre o quão difícil se torna, ao final de algum tempo de relação, ver o outro com o mesmo amor dos primeiros tempos. 


É óbvio que o ponto alto da rutura das duas é a bendita ceia de Natal em que ambas passam dos limites e se atacam de forma cruel, mas a mensagem que deixam é tão profunda e importante que não podíamos deixar de a enaltecer.


 

E das amigas de Álex passamos para os amigos de Bruno, com Albert e Núria a tornarem-se representantes de um outro tipo de relacionamento. Núria é a mãe esgotada que está farta de ser dona de casa e que quer demarcar-se no seu trabalho, que quer algo mais do que o papel de mãe para a sua vida. Enquanto Albert é o oposto. 


Albert passa por um momento de burn out interessante enquanto se aventura como se fosse uma criança na vida noturna. O arco deles sai do lugar-comum e no final das contas, por mais que sejam personagens secundários têm um dos melhores “finais” desta história. 


E saltamos para Ibran. Aqui temos outro tipo de estereotipo representado com o homossexual que quer divertir-se sem compromisso e aproveitar a vida sem pensar nas consequências que isso traz para os outros. A dada altura até faz inversão de marcha, mas aí o destino encarrega-se de lhe dar a maior lição de todas. E aqui não há como negar a inteligência do texto em tornar um enredo tão clichê numa moral necessária. 


Seguindo nos pontos positivos, outro detalhe interessante em Smiley é a forma como eles apresentam duas versões diferentes da mesma narrativa para mostrarem ao público que não há caminhos certos nem errados. Ao contrário de Ibran que foi massacrado pelo karma, Ramon apresenta o oposto disso no seu arco. Ele foi aquele que se rebaixou, que rastejou em prol de um homem que não o merecia procurando afeto e atenção, e no final das contas, por mais que saibamos que Bruno estava numa situação frágil, não há como negar o quão tóxico ele foi para Ramon. 


Mas como em Smiley, a moral está acima de tudo o resto, ele acaba promovido e chefe do homem que o colocou em situações constrangedoras. Ele teve algumas red flags mas ainda assim, ninguém merece ter as suas emoções utilizadas como um brinquedo. 


O caso de Ramón é um daqueles que nos deixa com vontade de ver uma nova temporada para percebermos qual será a sua postura, e entendermos como será a sua relação com Bruno, dado que apesar de ele ser uma vítima em toda a situação, ele colocou-se naquela posição frágil por vontade própria.

 

Smiley é uma trama com bastantes clichês, mas o que é o amor sem um bom clichê? Não é o clichê parte de uma relação? Não tentamos todos em algum momento perseguir a ideia do amor ideal? O facto da história ter a consciência plena de que apesar de tudo todos almejamos essa mesma ideia é o que torna o argumento de Smiley tão bom, importante, relacionável e divertido. 


Convenhamos que a escrita inspirada e vívida de Guillem Clua ajuda a que a experiência seja ainda melhor, com as suas tiradas divertidas, mas não como dizer que Smiley é apenas mais uma história de comédia quando é construída em cima de personagens tão ricos e com tanto por dizer e ensinar. 


A moral é, aquilo que nós já antevíamos na maioria dos casos, mas o percurso até chegar lá é tão próximo e gera tanta empatia que não é possível não nos apaixonarmos. A forma leve e descontraída com que passamos a pente fino tantas questões e estereótipos torna a maratona ainda mais fácil e a série acaba por levar um selo de leveza que a torna facilmente numa experiência que queremos repetir, porque apesar do drama de cada personagem a sensação que nos deixa é a de uma felicidade plena. 


Vale a pena elogiar, ainda, o casting e a química perfeita entre Miki Esparbé e Carlos Cuevas. Cuevas já tem outros trabalhos no catálogo da Netflix onde veste personagens que se tocam em alguns pontos com Álex, mas este seu Álex é, possivelmente, o trabalho onde ele se revela com verdadeiro talento e força para assumir um protagonista. 


O final é bonito e este é um daqueles casos raros em que se não for renovada para uma segunda temporada a série conseguiu oferecer um desfecho que nos agrada e nos deixa felizes, apesar de, pela riqueza dos personagens, existir espaço para muito mais e de termos uma curiosidade voyer de entender como, de facto, seria uma relação propriamente dita entre Bruno e Álex. Momentos cómicos não iam faltar com certeza. 


Esperemos pela decisão final da Netflix, mas dado que o material para uma continuação já existe, porque não aproveitarmos esta reunião de talentos e explorarmos ainda mais questões tão essenciais e que alargam a visão coletiva sobre a representatividade?