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COMING UP | Manifest

Renascida das cinzas, Manifest está de volta! A Netflix salvou os fãs de Manifest de mais uma série sem respostas, e promete em apenas uma temporada resolver todas as questões levantadas pela obra. No regresso a sensação que nos deixa a derradeira season é que talvez o mistério tenha ganho demasiadas proporções e que uma resolução num número tão curto de episódios pode beirar o simplista e deixar demasiadas pontas soltas. 

Os novos dez episódios resfriam as nossas expectativas, mas dão-nos uma boa orientação sobre o caminho que vão seguir e sim, o caminho será cem por cento dentro do misticismo e do divino. Esta solução até poderia ser um exemplo de criatividade e uma justificação válida para todos os acontecimentos sobrenaturais de Manifest, não fosse o caso de já ter sido utilizada vezes e vezes sem conta e de estar na corrida para se tornar numa das escolhas mais óbvias quando se têm de resolver uma sequência de ficção científica. 

Preparem os corações porque podemos estar próximos de um encerramento com um nível de desilusão perto do de Lost

Falamos sobre este primeiro passo para o final na edição desta semana do Coming Up, fica connosco, há muitos detalhes perdidos que merecem a nossa atenção. 

Quatro temporadas depois a inspiração de Manifest parece estar a desvanecer-se com os criadores a mostrarem ao público a sensação de que estão a ser empurrados para um desfecho a contragosto, quando eles ainda nem tinham uma ideia definida sobre como queriam, de facto, terminar de contar a sua história.

No início, Manifest foi pé ante pé guiando a vida dos passageiros do voo 828 com mistérios inexplicáveis, mas que ficavam circunscritos àquele núcleo de pessoas. 


Na segunda temporada esses mistérios começaram a expandir-se a outros, e começaram, também, a ficar maiores, com mais e mais dados que abriam possibilidades e explicações. 


A terceira temporada foi aquela em que mais arriscaram e onde deram, realmente, um passo maior que a perna, retirando o pouco de credível que poderia existir num drama de ficção científica com eventos sobrenaturais. 


Ora, por mais que estejamos a falar de uma história com contornos bem diferentes da nossa realidade, se não mantivermos as vivências dos personagens absolutamente distantes da nossa teremos sempre um senso de verdade, de verosímil, levando-nos a ignorar um ou outro dado que saia da equação da normalidade, mas o limite da nossa aceitação foi traçado em Manifest em vários momentos. Seja na descoberta da Arca de Noé seja nas habilidades empáticas de Zeek. Aí já não há volta a dar e já entregamos a narrativa da série à fantasia. 


Há algo de errado nisto? Não, até porque há uma grande parte do público de Manifest que consome produtos deste género e que por isso continuarão agarrados à trama. Mas há um detalhe importante nisto, a partir do momento em que os autores tomam essa opção a nossa conexão com as vidas dos protagonistas perde algum apresso, dado que eles vivem num universo onde facilmente os seus problemas serão resolvidos por um Deus Ex Machina


Ou seja, já não estão próximos de nós, e os seus problemas e dilemas já não têm a mesma sensação de definitivo que as nossas ações do dia-a-dia têm.



Mas vamos à quarta temporada, onde Angelina ganha ainda mais importância, e onde as ações dela colocam em causa todas as vidas dos passageiros. O mistério do rapto de Éden e a loucura de Angelina ocupam uma boa parte dos episódios e estaria tudo bem com isso caso esta fosse apenas um novo capítulo da história que nos estavam a contar até então, mas não é. 


Estamos a caminhar a passos largos para o final e ter este filler neste momento retira-nos a atenção e tempo para tentarmos dar avanço à explicação do mistério central. É quase como se a terceira temporada tivesse deixado uma amarra da qual os autores não se conseguiram desenvencilhar e com a qual têm de correr, daí que depois toda esta parte do mistério se tenha desenvolvido de uma forma corrida e até um pouco oca. 


E falamos em oca, porque a sequência de erros de Angelina foi tão grande que se torna impossível acreditar que tenham demorado anos a descobrir o seu paradeiro. Até porque tudo acaba por se resolver no espaço de semanas sem que antes tivesse existido sequer indícios de que Angelina ou Éden estivessem sequer vivas. 


Ben entra novamente num loop, aliás este é um personagem que não consegue sair da roda do hámster e que em cada nova temporada se fica apenas por um único arco, o que o desgasta e o torna chato. 


De protagonista a figura de apoio, Ben deixou os comandos do mistério e a sua presença nesta nova leva de capítulos foi regada de inutilidades com a exceção de dois ou três momentos em que se mostrou como parte ativa do processo, mas que poderia ter sido ele ou qualquer outro nesse papel, e nos momentos de tensão com Cal, em que ele expõe a sua revolta no processo de luto.

 

É curioso que recentemente temos uma nova abordagem do luto nas produções mainstream, onde se mostra o quão desvairada a nossa mente fica depois de uma perda. Manifest é mais um exemplo disso, e a revolta de Ben com Cal é o momento dramático mais interessante desta temporada corrida onde não parece existir tempo útil para se debruçarem a sério sobre o desenvolvimento de cada personagem. 


Bom, mas já que falámos dele, vamos à história de Cal. Primeiro existe uma nota importante que tem de ser deixada aqui: O trabalho de Toy Doran em aproximar a versão adulta de Cal daquela que Jack Messina carregou ao longo das primeiras temporadas é excelente, com pequenos trejeitos que os conectam e que mostram que, de facto, ele ainda é a mesma criança. 


Apesar do texto de Manifest não ter sido totalmente justo com o desenvolvimento dele, o personagem carregou metade da temporada às costas. O regresso do cancro do personagem, por mais que tenha tido um desfecho bastante pobre, foi um dos grandes twists da temporada e rendeu alguns momentos interessantes apesar de ter deixado a nu o quão corrida a season foi. 


Parece que pelo facto de terem herdado o mistério de Angelina, os detalhes da história que já tinham previamente definidos e que precisavam de ser contados para que o grande final se desenrole foram colocados a martelo. 


Cal foi a grande vítima dessa ausência de tempo, o que é triste porque este era um arco que merecia uma temporada inteira de desenvolvimento, dado que as consequências da possível morte de Cal afetavam tudo aquilo que conhecíamos até então sobre o mistério por detrás dos chamamentos. 



Mas e sobre pontos totalmente positivos? Não há nada a dizer? Há sim. O arco do registo onde o governo deliberadamente controlava todos os passageiros foi uma das novidades positivas desta quarta temporada, criando uma ligação maior entre as duas forças que se opõem neste enredo. Foi um grande passo para colocar um travão no universo fantasioso que a série estava a criar, e chamou para a Terra e para a realidade os eventos da série. 


Seria no mínimo estranho que acontecessem uma série de eventos dramáticos e grandiosos com passageiros e que nenhuma entidade tentasse ter algum controlo sobre isso. Nesse ponto a série conseguiu um equilíbrio saudável. 


Falando em equilibro, esse é um termo que não se aplica a Michaela e Jared. Não é culpa dos atores, mas já deu o que tinha a dar. O relacionamento ou a cumplicidade sentimental dos dois é bonita, mas já passaram tantas vezes pelo mesmo tipo de dilemas que neste momento parecem apenas dois personagens sem propósito. Não há mais nada para contar entre eles, e não há mais nada que possam acrescentar ao seu desenvolvimento pessoal, o que é visto claramente nesta quarta temporada onde chegam ao final dos novos capítulos exatamente no mesmo ponto em que estavam no arranque. 


Jared passa por um “solavanco” na carreira, que se resolve rápido demais, e Michaela só deverá começar a mudar realmente o seu rumo na última parte desta história sem o romance com Zeek como apêndice. 


Ainda sobre Michaela temos de falar do episódio final em que o seu trauma com a morte da melhor amiga é relembrado do nada apenas para justificar e lhe dar um ponto fraco mais à frente, quando esse assunto já parecia estar encerrado há muito tempo. 

 

Esta é a primeira season sobre a chancela da Netflix, mas ao contrário do que acontece habitualmente com a maioria dos títulos que passam por esta transição em Manifest não se sentiu um aumento qualitativo. Aliás, perderam-se até os pontos interessantes com discussões sobre o divino e o livre-arbítrio. Ainda assim, Manifest manteve-se, na sua essência, igual a ela mesma, mas com muito menos tempo para se contar. 


A pressão de existir um deadline é nefasta para um argumento que é recheado de pormenores e que foi construído em cima de alicerces maiores. A ideia com que ficamos é a de que os autores confrontados com a oportunidade única de terminar uma história cancelada tiveram de abrir a porta de emergência da criatividade e agarrar-se aos clichês ou ao material base que assegurou longas temporadas de Supernatural ou Lost


No ar fica a ideia de que o final a que vamos assistir não é, de facto, aquele que nos queriam contar. E dizemos isto com algum fundamento, porque na própria série demonstram-nos isso com a “data de validade” que funciona de forma perfeita para os passageiros do voo 828, mas que não justifica os outros regressos que existiram pelo meio e que morreram pouco tempo depois. Esses são mensageiros do quê? São meras pontas soltas de uma história maior que não tem tempo para ser contada. 


Esperemos que no resumo final Manifest consiga aproveitar a próxima sequência para nos dar um desfecho digno e que dentro do possível consigam um meio termo interessante sobre o que seria a história real que queriam contar e esta que vão apresentar sobre o efeito da “data de validade”. 


Interessante como, ao fim ao cabo, a urgência dos personagens na história é transposta para o mundo real. Nota média para este regresso, apesar de nos baixar as expectativas, já nos apresenta sinais de conclusão, esperemos que não se percam e em 2023 cá estaremos para falar sobre os novos episódios.