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COMING UP | Élite - 6ª Temporada

Complicada e controversa, esta é a melhor definição que podemos atribuir à sexta temporada de Élite. Las Ensinas mergulhou completamente no drama e com ele chegou uma longa lista de temas importantes, mas que precisam de uma exploração muito mais profunda que o texto de Élite não consegue oferecer. 

A sobreviver em cima do estilo novelesco e da fórmula sempre funcional de ter um mistério a servir de isca, a nova season do sucesso espanhol continua a conseguir agarrar-nos apesar das suas falhas. 

Temos de reconhecer que Élite não é, nem tenta ser, uma produção que se leva demasiado a sério, e isso nem sempre funciona quando o argumento traz questões de representatividade que são urgentes e que precisam de um espaço nos ecrãs em que possam ser apresentadas de forma educativa e séria. 

Apesar dos deslizes há abertura para discussões interessantes e importantes e falamos-te de todas elas em mais uma edição do Coming Up. Fica connosco em mais uma viagem ao polémico universo de Élite. 

Parece estar a criar-se um hábito na construção de narrativa das temporadas de Élite, e à semelhança do que aconteceu na season anterior, aqui temos, novamente, uma personagem que carrega o drama às costas e que se torna claramente protagonista. 

Se na quinta sequência esse papel coube a Patrick, desta vez é Isadora que assume a dianteira do drama, elevando a personagem e dando-lhe um peso muito interessante depois de uma quinta season em que ela foi em vários momentos figurante.

O arco de Isadora é pesadíssimo, mas é, também, importantíssimo e é um dos casos raros em que a série soube trabalhar o tema a que se propõe. Isadora é uma vítima de abuso, e não é uma vítima qualquer, é uma mulher sensual, que carrega essa imagem com ela, tal como vimos na temporada anterior, e que por ter essa imagem pública é facilmente acusada de se estar a colocar indevidamente no papel de vítima. 


Esse trabalho que o argumento faz em mostrar como a imagem social que temos torna fácil ao público criar conclusões e juízos de valores rápidos é interessantíssimo porque consegue espelhar ali, de forma perfeita, o quão preconceituosa é a sociedade em que vivemos e a pouca empatia que temos para com o outro. 


Além disso, há um detalhe ali que não passa despercebido: A maioria dos comentários de haters recebidos por Isadora são de mulheres, algo que se analisarmos nas redes sociais das figuras públicas femininas nacionais ou internacionais é frequente e que vai contra os ideais defendidos atualmente sobre sororidade. 


É um detalhe relevante que só eleva o tema, e mostra o quão importante é termos estes assuntos a serem discutidos nestas grandes produções, para tentarmos passo a passo desconstruir mentalidades retrógradas. Mas, de longe, esse não é o aspeto mais importante no drama vivido por Isadora. 


A série apresenta-nos uma ideia muito clara sobre como se sente uma mulher vítima de abuso, passando por episódios de perda de confiança, por momentos em que se vê exposta a uma sociedade machista e como este é um processo solitário, em que ninguém entende realmente a dor que ela sente e que a vai acompanhar para o resto da vida. 


É certo que apesar desse poucos estarem todos ali expostos e bem trabalhados, a narrativa falha um pouco em alguns momentos de coerência quando coloca Isadora em momentos de maior exposição e intimidade com personagens masculinos quando a personagem poucas cenas depois diz não se sentir à vontade para estar com outros homens. 


E aquilo que podia ser só um furo no argumento é algo demasiado frequente em Élite e que acabam por retirar um pouco o impacto aos temas que estão a trabalhar por perderem a oportunidade de criar empatia com quem já passou pelo mesmo.



Já falamos dele, saltemos então para Patrick, que perdeu algum protagonismo, mas ainda assim continua a ser um dos grandes motores que tornam Élite interessante. Este rapaz foi criado para sofrer e a série não lhe dá um minuto de descanso, ao mesmo tempo que trabalha questões muito interessantes como autoaceitação e a depressão adolescente. 


Patrick está a tentar encontrar-se e nem os momentos felizes com Iván o deixam totalmente tranquilo, mantendo o tom que já vimos anteriormente no personagem em que ele acredita que é ele o principal fator que leva a que nada corra bem com ele. 


O “romance” entre Patrick e Iván continua a ser uma das histórias mais bem desenvolvidas neste universo de Élite, e nesta temporada até os pontos baixos são interessantes e relevantes para mostrar ao público o quão fácil é cairmos num relacionamento tóxico. 


A morte de Cruz, que não era assim tão necessária em termos narrativos (mas que acaba por passar uma mensagem interessante sobre o quão atrasados estamos neste mundo inclusivo, mostrando os estereótipos do mundo machista do futebol) leva Iván a um estágio de luto onde Patrick se torna o seu saco de pancada. 


O luto é algo muito pessoal, muito íntimo, e que aqui à semelhança daquilo que recentemente assistimos com Shuri em Black Panther, é trabalhado a partir do lado mais sujo e autodestrutivo. 


Iván vira costas aos seus valores e fica completamente à deriva, e enquanto entra nessa jornada sem limites acaba por arrastar Patrick atrás, sem ter uma consciência clara dos danos que está a causar. Porém, é interessante essa escolha de rumo, por trazer à tona questões sobre o amor próprio e sobre a submissão, sobre o quão longe podemos ir por amor e sobre quão facilmente nos traímos em prol do outro. 


Patrick está tão cego pelo amor que tem por Iván que se rebaixa a uma situação onde ninguém merece estar e depois de sucessivos socos no estômago ainda está de pé a tentar salvar uma imagem irrealista de uma relação que é tudo menos perfeita. Por mais que nos custe, dado que este é um dos casais favoritos dos fãs, o caminho deles merece ser separado. 

 

E já que estamos a falar das figuras que mais se destacaram, depois de Isadora, Patrick e Iván, falta falar sobre Ari. E dá-nos preguiça falar de uma personagem que é a definição da chatice. Se na quinta temporada Ari já era uma figura desprezível na esfera de Las Ensinas aqui piora tudo. 


Ela tem um arco interessante em que se vê colocada numa posição difícil onde tem de escolher entre o seu pai e os irmãos, e onde é levada ao limite tentando disfarçar as suas dores na bebida. Tudo isto enquanto passa por um processo de luto mal resolvido, em que ela é obrigada a ver constantemente o culpado pelo seu sofrimento e ainda se sente compelida a apoiá-lo. 


Mesmo com todo esse background, nada salva a honra de Ari que aqui tem atitudes que nos revoltam as entranhas. É certo que a par do que aconteceu com Iván, o texto escolheu mostrar o lado mais negro do luto com Ari, mas há ali muitos traços de personalidade com os quais é impossível lidar. Ari perdeu totalmente a noção do que é estar em sociedade, rompeu o respeito que tinha pelos seus irmãos e ainda piora tudo na forma como usa Nico como o seu saco de pancada. 


Ari e Iván acabam por ter alguns caminhos semelhantes na sua jornada nesta temporada, depositando a sua raiva em terceiros na expectativa de se sentirem melhores, mas os danos causados por Ari conseguem ser ainda piores, levando Nico, alguém que lutou tanto para se aceitar a questionar-se e a regredir nas suas convicções. 


É doloroso ver o quão incorreta a personagem é, e o quão inconsequente ela se tornou. 


A gravidez dela chega numa altura em que a personagem é finalmente confrontada com as consequências dos seus atos e torna-se a chamada de atenção necessária para que ela volte a entrar nos eixos, ou pelo menos era o que nós acreditávamos que iria acontecer. Mas não, Ari toma uma decisão ainda pior, convencendo Mencía e Patrick a testemunhar a favor do seu pai, numa chantagem asquerosa, que só prova que ela não merece o mínimo da nossa compaixão.


 

E falámos de Nico, uma nova personagem que vem acrescentar valor ao enredo e que traz consigo uma representatividade necessária e pouco falada nestas produções mais mainstream, pelo menos neste nível de detalhe. Nico é um rapaz transgénero que se está a afirmar nessa mudança e que se deixa encantar pela pior pessoa possível em Las Ensinas. 


À parte dos detalhes sobre a vida sexual dele, e da importante discussão sobre as suas alterações físicas e do bullying que ele sofre, porque sim, não podemos retirar esse lado verídico para embelezar a história, Nico é outra personagem que carrega questões de autoaceitação e procura a aprovação do outro, mais ou menos como Patrick, mesmo que em questões distintas. 


Ari era tudo aquilo que ele não precisava na sua vida, mas era o choque necessário para que as questões que Nico carrega consigo para a narrativa fossem abordadas de uma forma tão fidedigna. 


De entre os novos integrantes de Élite, Nico foi o único que teve desenvolvimento, o único que trouxe algo de verdadeiramente interessante, e o único com quem existiu preocupação numa temporada onde se enfiaram personagens a avulso sem conexões maiores e que orbitaram à volta dos antigos apenas para servirem de ponte às suas próprias descobertas. 


Sara e Raúl tinham em mãos um tema importantíssimo, mas foram largados aos leões quase sem contexto, apareceram do nada, envolveram-se com a problemática Mencía, que nesta temporada teve uma jornada de descoberta interessante, mas que a tornaram apenas num elo de ligação e nada mais, e seguiram caminho num drama que poderia ter mais peso caso a sua introdução tivesse sido mais cuidada. 


Díllac serviu de interesse amoroso de Isadora, mas de repente tornou-se tão devoto a ela que lhe faltou personalidade, contexto e desenvolvimento. 


Rocío foi figurante, não sabemos nada sobre ela e ela ainda aparece nesta temporada como alguém que sempre esteve lá, mas de onde veio? E de onde nasceu a amizade com todos os outros? Questões que nunca serão respondidas. 


Salva-se Sónia, a personagem que merece um prémio da UNESCO por se ter tornado a única mente sã nesta série, e que nos deixa com vontade de vermos mais sobre ela.

 

Com menos sexo, menos exposição física e questões ainda mais profundas, Élite regressou um pouco mais madura em relação ao que nos tem habituado, mas ainda carrega muitas lacunas. 


Os temas estão todos certos e são necessários, mas ainda parece que o texto não tem capacidade para os agarrar de forma correta. Todas as questões que a temporada introduz ficam pela rama, por falta de tempo, falta de dedicação, e acabam por perder impacto e espaço para os dramas amorosos dos personagens. 


Não podemos dizer que esta tenha sido uma temporada má, mas faltou uma mão que fizesse uma maior triagem de temas e que dissesse aos autores que não há necessidade de colocar tudo a acontecer em simultâneo. Faltou tempo para respirar entre cada problema, e bastava por exemplo terem guardado o drama de Sara e Raúl para uma sétima temporada que já lhes sobrava espaço para um maior desenvolvimento dos outros arcos. 


Porém, não podemos ignorar o ritmo que é um dos pontos que nos deixa vidrados ao ecrã e torna a maratona de Élite em algo tão fácil. Nisso há que louvar a capacidade dos autores. 


E sobre os próximos caminhos de Élite? Bom, esperemos que Élite continue a manter este olhar mais profundo sobre o desenvolvimento de personagens, esse é o primeiro ponto, depois esperemos que a despedida dos Benjamins não tenha sido um final definitivo, ou pelo menos que não seja um corte final no drama de Patrick, que ainda tem muito para contar e merece pelo menos um encerramento um pouco mais feliz depois de tudo o que o vimos passar. 


Com a sétima temporada já confirmada e com um desfecho da sexta que nos deixa antever várias sequelas e possíveis mortes, Élite ainda continua a merecer a nossa atenção, esperemos apenas que consiga redimir-se e planear-se melhor. 


É só organizar melhor as ideias e tudo fica ainda mais perfeito. Esperamos pela próxima!