COMING UP | Black Panther: Wakanda Forever
Peso. É sobre isso. Black Panther: Wakanda Forever é a nova longa-metragem da Marvel que carrega nas costas um luto real e um luto cinematográfico que se torna muito mais emocionante por se misturar com a realidade. Além de tudo isto ainda tem a responsabilidade de levantar bandeiras de representatividade e cravar de vez no coração dos fãs a ideia de que os heróis não encaixam todos numa fábrica de estereótipos.
Este é, talvez, o trabalho mais maduro do MCU e, também, aquele que tem mais peso dramático. É incomparável com todos os outros filmes e séries deste universo, mas é, acima de tudo, uma das homenagens mais bonitas da sétima arte.
Há muito para comentar nesta nova aposta da Marvel, que chega com emoção e comoção, mas que acaba por tentar colocar demasiados elementos numa história que precisava de respirar mais. Falamos do ótimo e do menos bom nesta edição do Coming Up. Fica connosco!
Quando o mundo real e a ficção colidem é impossível ficarmos indiferentes, e Wakanda Forever é um claro exemplo disso. É tocante e emocionante do primeiro ao último minuto, numa homenagem onde o respeito é a palavra de ordem e onde se consegue entregar sentimentos que casam pouco com o género Marvel nos cinemas sem ceder aquilo que é a raiz das histórias de super-heróis.
Este é, provavelmente, o projeto mais híbrido da Marvel e é a
produção que salta a linha do mainstream sem perder o aspeto de ação que atrai
legiões às salas de cinema.
Logo de início, o filme retira da equação uma das questões principais do argumento, definindo o destino de T’Challa no MCU. Mas mais do que responder a esta questão, a produção utiliza essa resposta para nos mostrar uma bonita homenagem sobre o quão importante foi o personagem dentro deste universo e não falamos apenas em termos de poder, mas muito mais sobre representatividade.
A primeira longa-metragem abriu portas a um novo mundo, com uma representação étnica que nos leva numa viagem cultural que alia a criatividade fantasiosa da Marvel com detalhes do mundo real.
Aqui, no funeral de T’Challa voltamos a ter algo diferente, uma linguagem fora do comum na Marvel, mas que representa os costumes de vários povos ao redor do mundo. Enquanto isso temos alguns dos momentos mais bonitos desta trama, com a apresentação do mural que homenageia T’Challa em Wakanda, num cuidado da direção de arte que não nos deixa indiferentes e que além da beleza que transmite é mais um passo que leva Black Panther: Wakanda Forever no caminho para o Oscar.
Porque sim, a
Marvel vai, quase de certeza, repetir a façanha de colocar um filme de
super-heróis na corrida a prémios importantes da Academia, e com muito mérito,
pois Wakanda Forever não é, de longe, um projeto de fantasia e
pirotecnia, tem sim a carga dramática que faz a crítica se apaixonar. Figurino
e Make-Up são já presenças garantidas, mas há mais!
Antes de mergulharmos na nossa lista de apostas aos Oscars vamos regressar à história e à densidade dramática. Black Panther é um filme difícil, estamos a falar de uma obra que perdeu o seu protagonista e que por isso vai tentando sentir o pulso para encontrar o rumo.
E aqui há um truque usado pela Marvel que funciona de uma forma perfeita: Na ausência de T’Challa, Black Panther: Wakanda Forever trouxe de regresso todas as personagens do primeiro filme, sem exceções, como se todos eles se unissem em prol do legado de Chadwick Boseman e tentassem manter viva a força da mensagem que o ator como Black Panther nos trouxe. Além de bonito, ajuda a que na primeira metade do filme, o choque de termos uma narrativa sobre Black Panther sem termos, de facto, um Black Panther não seja tão notório.
A película supre essa ausência, abre-se, também, espaço para que todos os outros personagens cresçam e aprofundem as suas camadas com mais espaço de ecrã. Ramonda já tinha mostrado ser uma mulher de armas e convicções fortes no primeiro filme, mas aqui essa ideia é, ainda mais, reforçada.
O discurso dela na ONU e o momento em que tem de utilizar a sua posição para enfrentar Okoye são dois momentos marcantes, dois dos momentos melhor interpretados no MCU e que revelam a força de Wakanda perante o mundo.
Tudo isto deixa, ainda, claro de mostrar o talento gigante de Angela Bassett que não é totalmente surpreendente para quem já a acompanhou em projetos como American Horror Story ou 9-1-1, mas que aqui ganha uma passadeira estendida rumo ao Oscar de Melhor Atriz Secundária, na pele de uma mãe que lida com a perda da sua família enquanto se vê obrigada a comandar os destinos do seu reinos num momento de ataque.
É denso, e por mais
que exista uma mensagem fantasiosa intrínseca na sua personagem, o realismo com
que traz sentimentos tão fortes e reais como o luto e como a personagem se move
num jogo de interesses políticos eleva o seu talento e dá-lhe momentos de
destaque fabulosos.
E se Ramonda tem esse impacto, Shuri ganha aqui outras nuances e vemos a personagem passar de menina a mulher à frente dos nossos olhos. Ela passa por uma jornada incrível nesta longa-metragem e traz-nos o luto de uma forma que é fiel à realidade, e que coloca de parte as sucessivas tentativas de romancear o luto que vemos habitualmente representadas no grande ecrã. Aqui puxam-se sentimentos como a raiva, a revolta, o lado sujo do luto, que é real.
O luto é um processo muito intimido, e que dificilmente é vivido de forma igual e é também um processo duradouro, de construção, ou reconstrução, não é algo tão passageiro como os filmes na sua larga maioria fazem parecer.
Em Wakanda Forever conseguem dar espaço para que o luto tenha o seu tempo, sem pressas, sem correrias, e isso além de passar uma mensagem digna que ajuda a criar empatia com quem já passou por este processo. Por mais que não seja um filme carregado no drama puro e duro que tenta fazer psicanálise com os seus personagens, consegue ser uma mão amiga, criar ligações. E é esse o grande ganho que Wakanda Forever traz a Shuri, a empatia.
Contudo, a jornada de Shuri não se esgota na lição que ela tira do luto, porque a trama ainda lhe dá a profundidade de deixar nas suas mãos a discussão entre a tecnologia, que ao longo das várias presenças que já fez no MCU foi a sua característica forte, e o esotérico ou misticismo, numa abordagem que transporta para a fantasia desta história o peso cultural que estes aspetos representam.
E esta
dicotomia é trabalhada de uma forma bonita no sentido em que acaba por
transmitir a mensagem de que esse lado mais sobrenatural pode, em muitos casos,
ser uma ferramenta de consolo. Para Shuri foi e na vida real também o é, muitas
vezes.
Já referimos que Wakanda Forever acertou na forma como encarou e abraçou o luto, mas, onde é que descarrilou? Para uma longa-metragem que já tinha tanto para explorar e para contar, esta nova aposta da Marvel ainda se desafiou a introduzir dois novos personagens que prometem bastante no futuro deste universo, e apesar de ambos terem cativado nesta primeira aparição, o peso da obra acabou por jogar a desfavor deles.
Comecemos por falar de Riri Williams, que teve aqui a sua introdução numa espécie de prelúdio sobre o que será a sua série própria no Disney+. Por mais que a ligação da personagem com Shuri e Okoye seja recheada de bom humor e que se estabeleça logo à partida como uma personagem que é capaz de rivalizar com Thor na boa disposição, a verdade é que acabou por cair em Wakanda Forever de paraquedas.
Ela foi o grande motor para o confronto principal do filme, mas tanto o confronto, quanto a sua apresentação aqui não eram totalmente necessárias. Tanto que, apesar do destaque inicial para fazer a história avançar, a partir do meio da história ela passa de protagonista a quase figurante, porque o que acontece não é sobre ela.
Se por um lado entendemos a estratégia de marketing e carimbamos mais uma viagem nas produções originais do Disney+, por outro poderíamos ter tido esse impacto positivo apenas no primeiro episódio da série e estaríamos bem servidos.
Com Namor temos outras questões. Ele sim assume um papel fundamental neste filme, e tem uma personagem com muito peso e que é estruturada e bem-apresentada aqui. Porém, não podemos fechar os olhos às soluções e sacrifícios que a trama faz para conseguir dar-lhe um contexto digno.
A apresentação de Namor sobre Talokan a Shuri foi tão repentina que é
impossível não acharmos forçado. O mesmo acontece com a conexão entre Shuri e
Namor que de repente criam uma cumplicidade vinda do nada, e que nem sequer é
credível com a personalidade dos dois personagens, que são, tal como os filmes
nos apresentaram, pessoas reservadas e até um pouco arrogantes.
No final das contas, não podemos dizer que Black Panther: Wakanda Forever corte completamente as amarras com aquilo que conhecemos como fórmula Marvel, mas há um ponto em que difere totalmente de todas as outras produções deste universo: Ele é emotivo. É um filme com coração e se colocarmos na balança o coração e ação, há claramente um lado vitorioso.
O luto está presente e é a peça chave do projeto, e não poderia ser de outra forma, mas é retratado de uma forma tão vívida, tão real, que coloca o tom do filme tão próximo e impacto ao ponto de nos soar como real, por mais que estejamos a falar de um mundo utópico e radicalmente diferente daquele em que vivemos.
Ou seja, a Marvel conseguiu com este projeto fazer aquilo que luta há muitos anos, criar o casamento perfeito entre realidade e ficção e provar que histórias de super-heróis são muito mais que lutas espetaculares. Poderia não ter cometido tantos riscos? Completamente, mas aí entra o lado irredutível da Marvel e a guilhotina que os fãs aplicam em todas as películas que não ofereçam alguma conexão com o futuro da Marvel.
Nesse aspeto sente-se o peso do mundo conectado da Marvel, porque excluindo essa necessidade poderíamos ter um projeto ainda maior. E por um lado é até revoltante porque era possível fazê-lo. Thor: Love & Thunder fez isso mesmo e não houve grande alarido da parte do público.
À parte disso é impossível não elogiar a realização de Ryan Coogler que tem uma visão única dentro MCU, imprimindo aspetos de representatividade importantíssimos para educar a sociedade em que vivemos para aceitarmos todos como iguais.
As cenas são majestosas, e não só as das grandes batalhas, mas também aquelas em que os protagonistas se desenvolvem, e essa sinergia entre o lado técnico, o trabalho de guarda-roupa, o talento dos atores e o argumento torna Wakanda Forever numa experiência cinematográfica gigante, tornando-o no filme mais “Oscar” desta Phase 4, com lugar cativo no Top 3 dos fãs nesta nova fase da Marvel.
Ainda vamos ouvir falar dele em época de premiações, e há, possivelmente, surpresas agradáveis por vir e que só vão reforçar a necessidade da Marvel continuar a apostar em argumentos verdadeiramente inspirados e criativos. O futuro de Wakanda promete e nós já queremos ver mais.
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