COMING UP | The School for Good and Evil
Meio Halloween, meio conto de fadas, The School for Good and Evil é aquele tipo de clássico que une toda a família em torno da mesma história. Num espetáculo nostálgico, a nova longa-metragem da Netflix cumpre na empatia e é eficiente na narrativa que quer contar. Ainda soa como um filme do Disney Channel com maior orçamento? Ainda. Mas há detalhes que saltam à vista pelo lado positivo e educativo e que reforçam o quão importante é desfazermos estereótipos.
The School for Good and Evil é um conto dos tempos atuais, com uma voz que utiliza o clichês para falar sobre diferença sem se perder em profundidades que alterassem o tom e que não iriam ser compreendidas pelo público-alvo.
Tem pontos em que podia ser ainda melhor? Claro que tem. Mas é na eficácia da mensagem que está o grande lucro deste filme.
Falamos-te desta nova obra e das suas entrelinhas na edição desta semana do Coming Up onde continuamos sintonizados nos novos lançamentos de Halloween e te contamos o que é que realmente merece a nossa atenção. Fica connosco, há muito para conversar.
A nostalgia é o Às de trunfo de Hollywood, como bem sabemos. Mas quando mal utilizado, este recurso consegue matar uma obra ainda antes da sua estreia. Com The School for Good and Evil, não é isso que acontece, e a forma como a nostalgia é trazida num conto clichê, mas suficientemente maturado ao ponto de nos prender nas suas diferenças é o ingrediente perfeito para juntar toda a família em torno da televisão.
Numa espécie de cruzamento entre Once Upon a Time e Descendants, a aposta da Netflix escrutina os estudos de Jerome Brunner e mostra o quão importantes são as histórias infantis para moldar a nossa personalidade adulta. E essa viagem aos mundos dos contos de fadas acontece dentro e fora da ação da obra, reforçando o quão consolidado é o texto apesar de à primeira vista se tratar de apenas mais um conto de fadas recriado.
Numa primeira impressão, quando entramos no universo deste enredo dá-nos a sensação de que estamos a assistir a uma daquelas produções de animações clássicas da Disney, mas feitas por outros estúdios, que nos contam a mesma moral da história com pequenas nuances, ou seja, é quase como se estivéssemos a ver uma longa-metragem categoria B no género Fantasia.
Porém, quando passamos essa barreira e conseguimos apagar por momentos o habitual estilo Disney e entramos de cabeça neste enredo percebemos que há mais para contar, e que a história de The School for Good and Evil tem, de facto, uma voz e se quer impor com valores que saem da caixa.
Mas onde acontece essa alteração grande que tanto falamos? Primeiro porque o universo da história é, todo ele, alterado dentro do que são os padrões comuns da beleza fantasiosa. A menina caucasiana, com os longos cabelos dourados, com o nome gracioso e que adora prender-se em futilidades que já não são tão apreciadas aos dias de hoje, torna-se na grande vilã, enquanto a personagem com o clássico nome de bruxa, com a aparência diferente que assume a naturalidade e a normalidade, se torna na princesa perfeita.
Mas não é só isso. Não é apenas sobre quebrar os estereótipos visuais.
Por mais que esta seja uma obra que se alicerça na boa e arcaica dicotomia entre o Bom e o Mau, a história brinca com essa criação de conceitos, utilizando a voz de Agatha para reforçar uma e outra vez que no mundo real, fora do universo dos contos de fadas, ninguém encaixa totalmente dentro de uma dessas gavetas.
Todos temos um pouco dos alunos da escola do Bem e dos alunos da escola do Mal, esperamos sempre ter mais semelhanças com o Bem, mas nem mesmo a representação do Bem na longa-metragem conseguiu manter os seus heróis cheios de virtudes.
Aliás, fala-se nas entrelinhas sobre o privilégio que têm ao serem considerados bons e como esse selo lhes dá mais e mais benefícios. É certo que esta mensagem tinha de estar presente pela premissa educativa do filme, mas à parte disso, tem reflete um pouco sobre como nem tudo é preto e branco.
É um arco bem semelhante ao que foi explorado em Descendants, porém continua a carregar o selo da diferença por nos fazer olhar com outros olhos para a definição de bondade e para a nossa visão heroica e infantilmente nostálgica dos contos de fadas.
E é em detalhes como este que a história trabalha de dentro da narrativa para mudar mentalidades cá fora, e como um bom conto nos faz pensar sobre as nossas atitudes. É psicologia em formato de filme infantil, mas que funciona.
Há um detalhe interessante neste ponto da mudança de paradigma que The School for Good and Evil tenta implementar com a troca do amor, que é o sentimento básico da exploração da fantasia, pela empatia.
É uma atualização subtil, mas que não deixa de ser importante e crucial num mundo que nos dias que corre continua a precisar de amor sim, mas que precisa cada vez mais de empatia e de fazer com que as pessoas saiam de dentro do seu mundo próprio e sintam emoções pelos que os rodeiam. Afinal de contas a pandemia tem de ter servida para alguma coisa, certo?
Mas, deixemos os traços gerais e regressemos à história. Apesar do primeiro impacto que temos quando começamos a caminhar os trilhos deste universo, a partir do momento em que abraçamos esta realidade tudo flui de uma forma bem natural com a nostalgia como cicerone. Tudo nos deixa maravilhados (mesmo com efeitos visuais que não eram, de todo, cativantes), até que chegamos ao segundo ato da trama, e o nosso apego emocional se desvanece com uma narrativa que começou bem mas se perde em alto mar.
Falamos do momento em que Sophie abraça a maldade que há nela. É certo que esta é, sobretudo, uma trama sobre amizade, mas a narrativa entregou-se ao simples a partir desse ponto, como se toda a construção feita até então fosse banalizada.
Neste segundo ato tudo se torna mais previsível, com uma sucessão de eventos que acontecem com tão pouco contexto que não chegam a ter o impacto pretendido dentro do filme.
A parte de Sophia abraçar esse seu lado mais vilanesco, e da mudança de visual, até dá um certo gás que justificaria termos mais uma hora de filme pela frente, mas a opção de a colocar como serva de Rafal e o facto de brincarem com as emoções da personagem tornando-a mais humana e mais doentia com segundos de diferença torna-a altamente inconsistente.
Por exemplo, ela estava disposta a destruir todos os elementos do bem quando eles entram para os enfrentar, mas quando no final é fadado o destino da morte certa de todos eles desce sobre ela uma bondade que nem sequer casa com o carácter desenhado até então para a personagem.
Fica no ar a sensação de que não nos souberam, em mais de duas horas de filme, explicar quem era realmente Sophie por medo de se comprometerem a ter de aprofundar um pouco mais as suas características, quando tudo o resto, nessa fase estava o mais linear possível.
A verdade é que o texto tem uma grande parte da culpa, mas não é o único agente do caos a estragar a nossa conexão com Sophie. Sophia Anne Caruso também pouco ou nada ajuda a que a nossa visão das coisas melhore, com uma atuação flácida, que utiliza muito mais o visual da atriz para nos contar algo sobre o personagem ao invés de puxar pelo seu talento. Parece um claro erro de casting.
E não dizemos isto em contraponto com a sua contracena porque convenhamos que Sofia Wylie também se provou sem arcaboiço suficiente para trazer todas as dimensões necessárias de Agatha para o ecrã.
As mesmas personagens, mesmo com linhas de diálogo frágeis como as que têm, com atrizes mais carismáticas elevariam o filme a outro patamar. Faltou isso, e é notório, sobretudo, quando temos um elenco adulto tão competente. Aí o contraste é gigante, e não falamos apenas de experiência e traquejo, falamos de carisma e força.
Assim que Kerry Washington e Charlize Theron aparecem em cena todas as nossas atenções viram-se para os seus looks excêntricos, mas além dessa primeira camada, a dupla ainda nos entrega duas interpretações que não soam a “mais do mesmo”.
Kerry soube conduzir bem a sua Dovey dentro da dicotomia interna sobre o que é ser realmente bom, mantendo na sua atuação as expressões de repulsa necessárias para que todo o público entenda que apesar de ela ser o arquétipo da perfeição daquele lado, na verdade não é, e depois prova-se muitas vezes que ela está errada em várias coisas.
A Lesso de Theron também navega o meio termo, sem perder a pose que a torna ameaçadora, provando, outra vez, que Charlize é um autêntico camaleão. Faltou vermos mais delas, mas com as portas abertas para uma sequência, e pela aparente felicidade e divertimento das duas em vestirem papéis que fogem dos tons mais pesados a que estão habituadas, é bem possível que consigamos ver mais num futuro não muito distante.
The School for Good and Evil é aquela história que é perfeitinha e bem entrosado no papel, mas que perde consistência quando transposta para o grande ecrã. Parece que os alicerces foram demasiado altos para um telhado que não precisa de tanta sustentabilidade.
Claramente houve uma edição que foi castradora, e que não soube dosear bem que porções deveria tirar, deixando o filme com longas duas horas, em que temos um prólogo longo que não é justificado pelo desfecho básico.
Ainda assim, é uma daquelas intrigas que nos deixa com a vontade de ver mais, de explorar mais sobre este universo. É uma sensação semelhante à que nos deixou The Golden Compass quando foi lançado.
O filme em si não nos atrai, mas o contexto à volta tem riqueza e tem recantos interessantes por explorar. Foram lançadas várias iscas sobre conexões com os contos clássicos como The Sword In The Stone, Peter Pan ou Mulan, porque não enveredar por esse caminho? Funcionou com Once Upon a Time e com Descendants, por isso tinha tudo para ganhar mais uma vez.
Há várias semelhanças com as duas obras, mas um ponto crucial em comum com Once Upon a Time, que é importância dada ao papel do Autor, que parece ser um caminho bem convidativo para uma sequência que fuja um pouco dos padrões banais e que cole melhor com o contexto apresentado no início do filme.
Há espaço para crescer, há mais para ver, mas talvez seja preciso um pouco mais de carisma para que as diferenças entre o elenco não sejam tão abismais. A verdade é que esse é um dos maiores pontos fracos do filme e um dos elementos que mais nos desconecta da narrativa, e há tanto talento jovem até mesmo dentro da Netflix que fazer uma escolha um pouco melhor para assumir o protagonismo de uma sequência não será uma tarefa assim tão difícil.
Esperemos que aconteça. Nós, de certeza, estaremos cá para assistir.
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