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Caçar com Gato • Crónica 5 - "A ministra dança?"

"A ministra dança?"
de Luís G. Rodrigues

Uma mulher dançou e o mundo parou para comentar. Talvez o mundo tenha parado porque a mulher em questão era a primeira-ministra da Finlândia, Sanna Marin, em funções desde 2019. Ou talvez o mundo tenha parado porque uma mulher bem-sucedida se estava a divertir, de forma legítima, com amigos. Porventura, é possível que ambas as hipóteses estejam corretas – o certo é que, mais uma vez, os políticos parecem não poder ter vida própria aos olhos de uma boa parte do eleitorado.
 
Esta saga não é nova. Cada vez que um político aparece, em público, de forma intencional ou não, a fazer algo que qualquer outro cidadão faz – como dançar, ir a festas, ou comer bolas de Berlim – o país para. Até quando essa aparição pública é pensada, trabalhada e bem conhecida de todos – sim, falo do sr. Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, dominador exemplar da natação populista e da selfie saca-voto – o foco mediático é imediato. (Pergunto-me o que aconteceria se, Sanna Marin, tal como Marcelo Rebelo de Sousa, fosse à praia dar mergulhos mediáticos sempre que pudesse. Ui, o escândalo. No caso de Marcelo é visto como “aí vai o Presidente divertido, ele é mesmo igual a nós”, no de Marin, infelizmente, seria visto como “olha, olha…e um pouco de seriedade? Não? Que figuras são essas?). Isto para dizer que o problema não está só nas banalidades em que os média incorrem para ter audiências, mas sim na forma como diferentes casos são interpretados, principalmente se a comparação for feita entre homens e mulheres. Algo está claro: é mais fácil suportar o mediatismo se se for homem. Boris Johnson que o diga – mesmo depois de ter sido apanhado (ele sim, foi apanhado, pois estava a cometer uma ilegalidade particularmente preocupante para os tempos que se viviam na altura) a beber num evento que quebrava as regras do lockdown no Reino Unido, ainda houve quem o defendesse. É certo que foi alvo de bastantes críticas e controvérsia – mas por boas razões. As críticas a Marin estão, de forma errada, no mesmo plano em que as de Boris estavam. A primeira-ministra finlandesa não cometeu nenhum crime, já está provado que não tem qualquer tipo de substâncias ilícitas no seu organismo e a competência, tanto quanto sei, não é afetada por uns copos de vez em quando. 
 
Em Portugal, há uns tempos, tivemos um caso semelhante. Há mais ou menos um ano, foi divulgado um vídeo de Paulo Rangel embriagado pelas ruas de Bruxelas. Os comentários negativos, na altura, foram vários: “Que falta de responsabilidade, são isto os nossos representantes…”; “que vergonha...andam os nossos impostos a suportar esta gente…”; “`tá bonito, `tá…”. Depois da explicação pública de Rangel (que aliás não devia a ninguém, mas percebe-se a necessidade), veio-se a saber que o vídeo era antiquíssimo e que aquela divulgação foi intencional da parte dos seus opositores: tinha o objetivo de ferir politicamente a sua credibilidade nas próximas internas do PSD (que perdeu por pouco). Na altura, defendi Rangel. Defenderia Marcelo se, no seu caso, não fosse tudo pensado para ganho político e se houvesse alguma coisa para defender. Defendo Marin porque está no seu direito. O famoso direito conhecido legalmente como “direito a uns copos e umas danças com amigos”. Está na Constituição Portuguesa e tudo.
 
O primeiro-ministro português, António Costa, não reconhece este direito. O próprio já chegou a dizer: “nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do governo”. Como assim? Um ministro bebe café de forma diferente? Existe uma forma ministerial de pegar na chávena? Ou um truque diplomático para pôr o açúcar no café? Talvez haja uma dentada negocial pluripartidária especial para o pastel de nata? É necessário formar uma Comissão para escolher a melhor fatia de brigadeiro? Não sei. O primeiro-ministro lá saberá.  
 
No entanto, aceito a Comissão para escolher bolos. Às vezes sou enganado por empregados de má-fé.

 Texto: Luís G. Rodrigues

Imagem: Kala Barba-Court, 2020