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Caçar com Gato • Crónica 4 - "Tudólogos vs Nova Geração"


 

"Tudólogos vs Nova Geração"
de Luís G. Rodrigues

Em Portugal, como bem sabemos e é aliás noticiado com frequência durante todo o ano, os salários dos jovens com formação superior têm vindo a descer. Esta nova geração terá, garantidamente, condições de vida mais difíceis do que a anterior: seja na compra de casa própria, na transição para a independência financeira, na constituição de família ou até na estabilidade laboral que permite, no fundo, que todas as outras etapas da vida sejam possíveis ou, pelo menos, facilitadas. Tudo, na vida dos “novos jovens”, tem tendência a acontecer mais tarde.

Porém, e apesar das culpas serem, todos os dias, atribuídas às mais variadas causas – más políticas laborais, pouca produtividade, um passado ditatorial que atrasou o nosso país, etc. – a culpa está num grupo e apenas num grupo só: nos próprios jovens.

Quem é que mandou esta nova geração ser a mais bem formada de sempre da nossa História? Quem é que mandou esta nova geração ser a mais atenta e participativa no que toca a causas sociais como as questões LGBTQ+ ou as Alterações Climáticas? Quem é que mandou esta nova geração ser constituída por autênticos e verdadeiros empreendedores – ou seja, os que não começam um negócio uma start-up com os 50 mil euros dos pais – que criam projetos em várias áreas como na Tecnologia, na Comunicação Social, no Direito, na Gestão, sejam estes projetos de âmbito universitário ou civil? No fundo, é quase como perguntar: “como te atreves, Nova Geração, a ser a melhor de sempre?”.

Um exemplo gritante que os jovens, em Portugal, deviam seguir é o dos Tudólogos. Ao invés de perderem tempo a especializarem-se em áreas como a Economia, a Sociologia, a Saúde, a Informação, o Direito, porque é que não se formam em Tudologia? Basta seguir as pisadas daqueles homens privilegiados normalmente residentes em Lisboa que, todas as noites, estão em todos os canais de notícias mais vistos do país. O truque é simples: nada saber, mas a tudo responder. Para além de fácil, é bem pago. Um Tudólogo é muito mais bem pago que um especialista em Economia. Porquê? Então, se sabe de Economia e de tudo o resto… tem que ser recompensado pela sua profunda sageza. A competição nem chega a ser justa. Se é preciso falar, por exemplo, das novas políticas para a saúde, para quê estar a convidar um médico? Ou um gestor de Serviços de Saúde? Convide-se o Tudólogo porque ele, para além de ser muito competente a comentar essa temática, ainda pode dar uma perninha a comentar o segmento seguinte: o crédito político do novo líder da oposição. Com jeitinho, ainda manda uns bitaites sobre a última aquisição do Sporting CP para atacar o primeiro lugar da Primeira Liga Portuguesa. Tudo isto em meia horinha no prime-time de um qualquer telejornal à distância de um rápido zapping.

Nós, jovens, fomos enganados. Em vez de nos dizerem para investirmos na Tudologia, disseram-nos – que parvoíce, honestamente… - que o melhor que fazíamos era escolher áreas de especialização. Um país de Tudólogos é que era! Depois até podiam fazer um documentário estilo BBC Vida Selvagem cada vez que algum destes “especialistas do tudo e do nada” aparecessem na televisão: “cuidado, aproxima-se agora da mesa do telejornal uma espécie muito comum neste tipo de ambientes: o tudologus-geralis-nada sabe, mas pouco importa”. Atenção, atenção, vai começar a falar. Já está: começaram as banalidades. A jornalista perguntou-lhe “o que acha deste novo orçamento de estado?” e a resposta foi “é insuficiente porque faltam verbas para certos pontos estratégicos da sociedade”. Que magnífico, que espécie intrigante. Apesar de nada dizer de novo, tem uma audiência gigante a prestar atenção – e mais, estes canais pagam-lhe bem para isto. Ora aí vem mais uma, vejamos…desta vez perguntaram-lhe “e isto da Inteligência Artificial? É uma ameaça?”. Ainda bem que hoje aqui estamos a filmar porque esta resposta é um exemplo perfeito da incapacidade desta espécie de apenas dizer “não tenho a certeza, tenho que ir ler sobre o assunto”. Ao invés disso, o tudologus-geralis diz “é pois. Uma ameaça muito séria. Vão-nos controlar, é o que é…O ser-humano qualquer dia é exterminado.”. Impressionante. A confiança com que este animal fala é quase divina. Ui, isto hoje vai mesmo render, telespectadores! O tudologus-geralis trouxe um livro! Uma recomendação! É claro que não o leu, mas recomendar um filósofo polaco dá sempre boa impressão! Esta espécie é perita em fazer-se passar por aquilo que não é!”

Enfim.

A Nova Geração há de se safar. E bem. O futuro é nosso.

 

Texto: Luís G. Rodrigues

Imagem: Gull G. "Politicians", 2018