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Contos Bastardos • "A vingança serve-se doce"

A vingança serve-se doce

Ela saíra de casa com o puto pela mão. Deviam ser umas cinco da tarde.
Tinham ido ao lago dar pão aos patos - um desses programas que gostavam de fazer juntos, só os dois.

(Tão frágeis)

Esquecera-se de uma caixa de gomas em cima da bancada. As preferidas do miúdo. Imaginou a cara do fedelho quando voltassem - todo suado, todo contente, a comer as gomas.

Não estavam escondidas. Achado não é roubado.
Decidiu comê-las.
(Quando levou a primeira à boca, os inocentes grãos de açúcar encontraram o travo residente do álcool e espantaram-se - não estavam habituados àquela receção)

Olhou em volta. A casa nem parecia a mesma sem eles.
Julgou-se capaz de sentir alguma falta dessa confusão.
(Capaz de sentir alguma falta.
Capaz de sentir.
Capaz)

A dor de cabeça recordou-lhe que era um julgamento errado.
Desde que o fedelho chegou que tudo ficou impossível. Uma invenção dela - ele só lhe fez o favor. Deixou-a dar-lhe a volta num dia em que estava tocado.
(num dia)

Mas quando ele se tornou uma pessoa e deixou de ser apenas um alto cada vez maior no ventre da mulher,
Quando lhe roubou o nome, a cama, a atenção,
Foi quando percebeu que ela ainda era, afinal, capaz de amar e admirar,
(Só não a ele, nunca a ele)

A bebida acalmava o ciúme corrosivo.
Aquela mulher reles,
(um copo de vinho do bom)
os outros homens para quem ela olhava,
(um copo de vinho, não interessa a qualidade)
os gritos do puto,
(agora da garrafa, que o copo partiu-o contra a parede para não lhe partir a cara)

Sentiu dificuldade em respirar. Pensou em pedir ajuda, mas a quem?
(E o garoto atirava mais um pedaço de pão aos cisnes do lago, todo contente)

Um aperto inédito no peito.
As malditas gomas.
(Puta)

 
Texto: Sónia Costa 
Ilustração: Filipa Contente