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COMING UP | The Time Traveler’s Wife

É difícil inovar-se ou fazer-se diferente quando se fala de uma história de amor nos dias de hoje. Já tudo foi visto e contado. Porém, mesmo com isso em mente é impossível ficarmos indiferentes à sensibilidade de The Time Traveler’s Wife. Num universo que poderia perfeitamente ter nascido da comunhão entre Nicholas Sparks e uma série da Marvel, a nova aposta da HBO Max deixa-nos rendidos pela forma como trabalha o sobrenatural sem com isso se resignar ao facilitismo do uso das capacidades paranormais do seu protagonista e ainda assim conseguir fazer um relato sobre a ausência de linearidade na relação amorosa. 

Porque nem sempre é tudo perfeito como nos filmes, porque há defeitos, porque há discussões, e tudo isso é abordado numa trama responsável que casa muito bem um assunto tão clássico como amor e algo tão atual como as viagens no tempo. É uma das produções que nos rouba o coração e nos deixa a pensar sobre ela, é imersiva sem ser demasiado pesada, e ao fim ao cabo o melhor adjetivo que lhe podemos atribuir é: Bonita. 

Falamos-te disto e de muito mais nesta edição do Coming Up onde prometemos convencer-te a doares o tempo a uma história de amor que não é como todas as outras. Fica connosco. 

Vamos do princípio, numa história onde é preciso algum foco para não nos perdermos nas linhas temporais. Quando trabalhamos com o tempo a tendência é que tudo acabe por ficar uma salganhada cheia de incoerências e soluções fáceis, mas débeis na sua justificação. 

Aqui, o conceito é explicado logo à partida: Henry consegue viajar no tempo devido a uma malformação genética que o coloca fora de controlo. Sem nunca dominar os seus poderes, Henry vai indo e vindo a vários momentos da sua existência no plano terrestre, vivendo uma vida que é espartilhada entre presente, passado e futuro com eventos que não seguem a cronologia habitual da vida pacata de cada um de nós.

E este é um ponto fundamental para entendermos a série como algo distinto e diferente. Henry não tem controlo sobre os seus “poderes”. A bênção que tantos desejam quando assistem a filme de super-heróis pode trazer consequências bem mais graves do que podemos imaginar. 


Henry é um homem singular, não só pela sua condição, mas porque à medida que a série avança vamos percebendo que toda a passagem dele pela vida é feita com peças de puzzle que colam momentos entre si em diferentes. 


Por exemplo, no plano “presente”, Henry prepara-se para casar com Clare, mas na verdade o primeiro encontro dos dois aconteceu durante a infância da rapariga. E todo esse crescendo de momentos desconexos vai-nos aproximando dos protagonistas, conseguimos ter um entendimento da personalidade imatura de Henry, ao mesmo tempo que lhe gabamos o intelecto para no meio da completa confusão que é a sua existência ele conseguir ter discernimento suficiente para agir como um ser humano normal. 


Mas não é apenas isso, conseguimos sentir a raiva de Clare enquanto ficamos fascinados com a forma como ela o vai aceitando aos poucos, como ela o odeia, como ele a revolta, e como ele se vai moldando junto com ela numa história de amor que une estas duas almas de uma forma absurdamente filosófica e apaixonante. 


É como se o texto chegasse a um ponto de consenso entre os conceitos de sonho e realidade e nos apresentasse um resultado final que agradasse às duas partes do conflito. 



E sobre o amor propriamente dito? Ora, esse é a ligação mais bonita da série. Além da química inegável dos dois atores, a história vai-se cosendo com pontos existencialistas. Passamos por todas as fases típicas de um relacionamento, sem deixar que a condição de Henry contamine a naturalidade com que tudo se constrói. 


É obvio que as viagens temporais vão influenciar sempre a perspetiva das duas personagens, mas em última análise temos um romance com tudo aquilo a que temos direito num argumento que dá espaço para nos envolvamos na intimidade do casal e vejamos como dentro de quatro paredes se vão descobrindo um ao outro, como começam a perceber os defeitos um do outro, como a paixão se transforma em amor, como se tudo entre eles cresce para se tornarem de facto um casal com algum senso de realidade e não apenas dois bonecos que protagonizam um romance de cordel. 


Clare apaixonou-se pela imagem perfeita de Henry tal como acontece com a maioria das pessoas nos primeiros encontros. Mas essa é só a primeira camada do personagem, e quando avançamos para lá do que são aparências, o homem idílico pelo qual ela se apaixonou desde pequena também tem falhas, também tem personalidade. 


É tão bonito ver a forma como o texto sai do lugar-comum e explora esse lado mais realista do que está por trás de uma relação. É como se estivéssemos perante uma versão um pouco mais leve do que vimos em Scenes From a Marriage, mas na essência a construção do que é uma relação une os dois dramas e conecta-as com a vida de cada um de nós com uma sensibilidade de se lhes tirar o chapéu.


Theo James tem aqui o papel mais desafiante da sua carreira, onde salta da linha dos blockbusters para se entregar de corpo de alma a um Henry cheio de nuances, e onde se vê obrigado a amadurecer. É incrível como ele cria barreiras fictícias entre os seus vários estados ao longo da narrativa. Como ele consegue ser suficientemente específico para nos fazer entender quem é o Henry que temos em cada momento e como ele cresce à medida que as várias experiências o vão afetando. 


Isso sem deixarmos de parte, a forma apaixonada com que ele se entrega aos dilemas da sua personagem que vive amedrontado com ideia de que um dia algo vai correr mal, de que um dia a sua viagem no tempo será o fim. 


E além de tudo isso, o texto ainda acrescenta às viagens no tempo a ansiedade e o stress como fatores essenciais para acelerar a condição do protagonista, criando um paralelo com a forma voraz como lidamos com o nosso tempo. 


Vivemos sempre sem tempo para nada, assoberbados de tarefas, de responsabilidades, na iminência de que algo vai acontecer. E é esse paralelo com a nossa realidade que é transposto para esta história, tornando-se impossível não nos identificarmos minimamente com o personagem, mesmo que estejamos a falar de uma história que no seu núcleo tem algo de sobrenatural. 


E porquê? Porque os autores vão além disso, além do básico “poder” de super-herói, e utilizam essa ferramenta extra para explorarem e apresentarem uma análise que agrada ao mainstream sobre o quanto vivemos presos no conceito de tempo. 


É tudo trabalhado com a subtileza necessária para conquistar as massas, mas com a criatividade aguçada para que não se perca a grande mensagem que está assinalada nas entrelinhas dos diálogos.



Rose Leslie assume o outro lado da moeda. E depois de a termos visto desenvolver uma química cativante com Kit Harington em Game of Thrones, que inclusive passou a barreira da ficção, ela calou as vozes críticas que achavam que tinha sido um golpe de sorte. Não foi caso único e em The Time Traveler’s Wife ela comprova que é perfeita para contar histórias de amor. A conexão entre ela e Theo James eleva a história e ajuda a que percebamos e nos apaixonemos ainda mais por este relacionamento peculiar. 


Clare é uma personagem difícil, porque ela não é o protótipo de heroína romântica, donzela indefesa. Não, ela tem personalidade e parte ativa naquele relacionamento. Por mais que ela se sinta quase predestinada a ficar o resto da vida com Henry, é um facto, que ela própria coloca isso em causa várias vezes. 


Ela está enredada na condição de Henry tanto ou mais que ele, mas ao passo que Henry acaba por ter mais vislumbres do que é futuro (ou pelo menos algum flash de esperança), para Clare tudo aquilo se resume a dados contactos por Henry, ela tem nenhum dado que comprove o que é o futuro, sem ser o seu amor exacerbado pela versão de Henry que ela conheceu quando era bem criança. 


E essa conexão afetiva é tão grande e tão inquebrável, apesar dela, muitas vezes, reagir como se tivesse livre-arbítrio, que ela não chega nunca a colocar em causa que Henry pode, ao fim ao cabo, ser um manipulador que fez as ligações necessárias para que eles chegassem naquele ponto. 


É um dado que a série deveria ter explorado mais? Até pode ser, mas estamos tão mergulhados no amor dos dois, que esse questionamento acaba por ser algo secundário, que só nos salta à memória depois de pensarmos mais sobre a série em si, mas a essa altura já o objetivo principal da série está cumprido: Entreter-nos e envolver-nos.


Destino e livre-arbítrio, The Time Traveler’s Wife é uma obra que faz convergir o romantismo e a filosofia, recheada de contexto e com um universo que se estabelece de uma forma bem coesa e percetível, e diga-se que não é, de todo, tarefa fácil. 


Chegamos a ter versões de Henry de quatro ou mais idades diferentes no ecrã, e tudo isso acontece sem perdermos o fio à meada, sem uma confusão de linhas temporais que rivalizasse com a primeira temporada de The Witcher


É uma forma diferente de contar uma história de amor, utilizando os clichês básicos que já sabemos que funcionam, mas que são necessários porque afinal estamos a falar de romance, e sabemos que o romantismo é todo ele feito de clichês ridículos mas que mesmo sendo clichês são absurdamente verídicos e fofos. 


Há margem para que esta história se estenda, e por mais que o final seja bastante digno e ofereça um encerramento que realmente coloca os personagens com algo mais do que tinham no arranque da série. 


Deixou-nos com vontade de vermos mais, de sabermos se o sonho de Clare se concretiza e de percebermos como seria a vida de alguém que herdasse a condição de Henry, teria alguma mutação que o ajudasse a que tudo fosse mais tranquilo? Ou nem tão pouco é uma condição hereditária? Ficaram questões secundárias para responder numa possível segunda temporada, mas caso tudo se encerre por aqui, The Time Traveler’s Wife continua a ser o nosso maior conselho para se ver numa sessão de séries com o vosso par romântico, porque garantimos que consegue agradar a vários públicos sem perder a beleza.