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COMING UP | Stranger Things 4

A quarta temporada de Stranger Things é absurda! E dizemos isto no melhor sentido da palavra. O nível de detalhe desta quarta parte é insano e fez destes três anos o tempo de espera melhor empregue de sempre para a construção de uma narrativa. Ao longo destes sete episódios do primeiro volume o que encontramos é um abraço gigante aos fãs com episódios que são uma bonita homenagem à mitologia da série enquanto temos em simultâneo uma aula de gigantes sobre como se pode construir uma franquia de sucesso sem perder a consistência, a essência e sem desvirtuar conceitos e personagens. 

Esta é uma das histórias mais bem conseguidas da atualidade, e uma das poucas sagas que realmente mostra pelos seus detalhes que os seus criadores sabem exatamente o ponto a que querem chegar. A direção e o argumento são arte em estado puro e a estes elementos alia-se um elenco que transpira carisma e que entende os seus personagens de uma forma orgânica e real. 

Encharcada no terror, a quarta season agiganta-se a cada novo desenvolvimento dos seus arcos e consegue gerir quatro grupos de ação sem que nenhum fique completamente à deriva, enquanto se mantém fiel à premissa de que este é, realmente, o início do fim. 

A excelência das temporadas anteriores manteve-se intacta, numa saga que só se tem superado a cada novo capítulo e que é já um consumo obrigatório para o público. Stranger Things é um produto de culto e é inevitável que fique cravada na história atual como uma das melhores séries que se fizeram na última era. Contamos-te porquê nesta edição do Coming Up, fica connosco nesta viagem ao Upside Down.

Antes de entrarmos na história em si, é importante referirmos que se há algo que os criadores de Stranger Things sabem fazem como ninguém é introduzir personagens. A cada nova temporada temos mais elementos a juntarem-se a este grupo de heróis adolescentes, e essas junções são mais do que um chamariz para captar a atenção e criar diferença numa nova temporada, como acontece em tantas outras séries. 

Primeiro porque a introdução dos novos personagens é feita com uma naturalidade orgânica, com uma subtileza delicada, que nos enamora sem darmos conta. É muito disto que acontece com Eddie, que parece saído diretamente das comédias de domingo à tarde para o centro da ação de Stranger Things e que quando nos apercebemos já tem uma importância gigante dentro desta história e é já um elemento importante dentro daquele grupo de heróis. 

É o mesmo que aconteceu na temporada anterior com o aumento de destaque de Érica e a apresentação de Robin. Isto acontece porque há uma construção de background que não é forçada e que é diretamente ligada com detalhes que já conhecemos sobre a personalidade dos personagens que com eles se ligam, e constrói-se com a verdade com que as ligações no mundo real acontecem: De forma comum, sem grandes explicações, são frutos do dia-a-dia. 

Mas são estes detalhes que agigantam ainda mais a trama de Stranger Things, onde tudo é conectado e onde existe uma forma acrobática de conectar todas as possíveis pontas soltas sem parecer que nos estão a oferecer uma solução apenas para nos “calar”. Mas não é só com Eddie que sentimos essa introdução natural. 

O novo vilão, o temível Vecna que chega à série e acarreta consigo uma série de referências aos clássicos do terror, chega a esta história não como um simples antagonista que vai servir para justificar um aumento de temporadas, mas como uma ameaça que vai responder a várias questões que a série ainda precisa de esclarecer. 

Vecna é um elemento fundamental para este universo, e pode estar nas suas mãos o entendimento da verdadeira origem da conexão entre o Upside Down e Hawkins, assim como uma explicação ainda mais aprofundada sobre as origens de Eleven.

Tudo se conecta com um detalhe perfeito que oferece aos fãs tudo aquilo que querem ver sem parecer que estão a entregar fan services descarados. As homenagens à trajetória feita até então são colocadas para dar suporte ao avanço da narrativa, para dar uma real consciência aos novos personagens sobre todos os traumas pelos quais aquelas crianças e jovens adultos passaram, e os diálogos conseguem a proeza de fazer isso sem parecer que estão a fazer um resumo alargado para que o público se situe. 


Não, fazem isso, acrescentando mais e mais camadas aos seus personagens, que além do carisma que já conhecemos deles ganham agora uma densidade e substância ainda maior com a exploração dos seus traumas individuais. 


E sobre traumas é importantíssimo louvar que a série não se esqueceu que está a retratar adolescentes e além de apresentar todas as consequências afetas à ligação deles com o Upside Down, nesta temporada reforça o seu desenvolvimento enquanto adolescentes, mostrando a evolução das suas personalidades em jornadas de autoconhecimento típicas desta fase da vida e com as quais qualquer um de nós se pode identificar. 


Neste género de projetos que exploram muito a fantasia, há uma tendência generalizada para deixar que isso contamine os seus personagens deixando os problemas comuns de qualquer mortal parecerem insignificantes. Porém, Stranger Things não só não segue esse caminho como ainda consegue ser o equilíbrio perfeito entre explorar as consequências da exposição que cada um deles teve a esse lado mais fantasioso enquanto vai avançando e contando uma história sobre adolescentes com a verdade e leitura necessária para não desvirtuar a idade dos seus personagens. 


É exímio, e uma aula sobre como respeitar os seus personagens é importante. Mas tudo isto acontece porque Stranger Things tem na sua espinha dorsal um realismo constante, nunca se deixando vergar inteiramente ao sobrenatural, mas trazendo esse aspeto para uma realidade normal. 


Ou seja, fantasia e realidade convivem na narrativa de Stranger Things numa comunhão realista (tanto quanto possível) que tenta traduzir a verdade sobre o que seria a vida de cada um de nós se de um momento para o outro fossemos confrontados com alguma demonstração de outro mundo. 


Mas feita esta apresentação mais generalizada sobre os traços gerais da série, vamos agora ao particular numa narrativa sumarenta que se divide em quatro e cuja ação consegue manter-se coerente e consistente dentro do frenesim que a história tem. 


Comecemos, tal como esta temporada, pelo núcleo da Califórnia, onde encontramos uma Eleven a tentar integrar-se num ambiente escolar que a rejeita, reforçando os medos da personagem e fazendo-a até regredir àquilo que vimos na primeira temporada, em que ela própria se sentia como um ser diferente, um monstro perigoso. 


bullying aqui tem uma função importante para definir que esta é uma temporada que vai mergulhar nos traumas dos seus personagens e logo à partida essa definição do que será o enredo desta nova fase deixa-nos logo com as expectativas em alta. 


Além de Eleven encontramos um Will introvertido, que mais uma vez se debate com a ausência dos seus amigos e que aqui começa a ter desenvolvida a sua sexualidade, mostrando o crescimento da personagem, que se bem nos recordarmos era o elemento mais infantil do grupo que se recusava a aceitar que os seus amigos já começavam a ganhar outros interesses enquanto ele ainda estava agarrado aos jogos. 


Ainda que velado, entendemos que Will está a aceitar-se como homossexual, num jogo do argumento que não nos conta nada explicitamente, mas que deixa essa interpretação em aberto não só nos diálogos mas também nos detalhes de Will ter escolhido para o projeto escolar Alan Turing como o seu herói. 


Uma adenda para dizer que vale muito a pena perceber e saber mais sobre este homem, The Imitation Game é uma obra que vale a pena visitar e que revela mais um excelente trabalho de construção de personagem de Benedict Cumberbatch. 


Além dos dois adolescentes, temos ainda Jonathan que talvez tenha sido o personagem com menos foco neste volume, mas que apresenta aqui discussões importantes e consistentes com o que vimos do personagem até então com a sua vontade em não deixar a mãe e o irmão, sacrificando os seus objetivos pessoais e com isso deixando a sua relação com Nancy num ponto inesperado. 


À parte disso, Jonathan puxa Argyle para esta história, um novo personagem que é no fundo a visão de qualquer um de nós caso caísse de paraquedas no meio deste novelo gigantesco. 


Mike junta-se a eles pouco depois, para ajudar a construir o arco de Will e ainda tem um momento importante com Eleven que reflete muito bem o crescimento dos personagens, e como eles estão, de facto, a abraçar uma nova fase nas suas vidas.



Mas saindo da Califórnia e seguindo para o Alasca. Joyce e Murray partem numa cruzada em busca de Hopper, num arco que tem algumas (para não dizer bastantes) conveniências e que muitas vezes brinca um pouco com a perspicácia dos seus personagens, mas apesar disso rende-nos bons momentos de humor, e acaba por se justificar com a cegueira do amor entre Joyce e Hopper. 


Hopper e a sua cruzada na prisão está cheia de altos e baixos, e talvez tenha sido o arco mais arrastado da temporada, mas apesar disso valeu a pena pela sua conexão com Antov, outra das grandes adições ao elenco desta nova temporada, e valeu a pena pelo momento do seu reencontro com Joyce que é simplesmente lindo de ver. 


Claro que as conveniências que vão colocando os personagens no sitio certo à hora certa são pouco fáceis de ignorar, mas se tentarmos esquecer isso, percebemos que este arco é uma chave para entendermos um pouco mais da ligação do Upside Down ao mundo exterior e ao exército russo, que tem sido constantemente mencionado na trama de Stranger Things sem nunca nos ser entregue uma explicação sobre o porquê da sua relevância. 


Enquanto isto Eleven tenta a todo o custo recuperar os seus poderes e ficar em forma para a batalha contra Vecna sem saber de nada sobre o que os seus companheiros de guerra estão a passar. O arco de Eleven é, obviamente, relevante até para sabermos a origem de Vecna, mas é sobretudo no visual das cenas que percebemos a grandiosidade do orçamente de Stranger Things e a inteligência com que essa facilidade de acesso a efeitos visuais é utilizada pelos argumentistas. 


São cenas muito compostas, mas sobretudo bonitas. Enquanto todo esse arco nos deixa com uma questão por responder: Como é que Brenner está vivo? Esperamos pela resposta. 


Partindo para o último grupo, Hawkins é mais uma vez dona e senhora da história, assegurando a parte mais interessante da temporada, com Dustin e Steve a reforçarem ainda mais a nossa afeição pelos personagens. É inegável a química dos dois, e é impossível não adorarmos estes dois personagens. 


Mas não são só eles, Nancy e Robin criam uma ligação inusitada que só fortalece o background das duas personagens e ajuda a entendermos novas nuances na personalidade Nancy enquanto Robin se esforça para voltar a juntá-la com Steve, numa inversão de marcha do argumento que é altamente inesperada, mas que transmite muito sobre o realismo que os criadores colocam nesta história. 


Por fim, mas não menos importante, Lucas e Max tem um novo salto qualitativo nesta season. Os dois personagens têm, por razões diferentes, momentos em que são obrigados a confrontar-se com as mudanças do mundo ao seu redor. 


Lucas começa a temporada a tentar fugir da sua vida de miúdo que sobre de bullying mas acaba por perceber que mais importante do que a fama, ou a aceitação, está a amizade e aqueles que realmente gostam dele pelo que ele é. Enquanto Max lida com o trauma da perda de Billy e se vê obrigada a recentrar depois de ser apanhada por Vecna. 


Num trabalho excelente de Sadie Sink, Max é protagonista do melhor episódio deste volume, o quatro, que é simultaneamente um dos melhores de toda a série. O final desse episódio é uma explosão de emoções que nos deixa agarrados aqueles personagens como se de um amigo nosso se tratasse.


Não há como negarmos, Stranger Things é uma série de culto, daquelas que vão perdurar durante anos na boca do mundo e pela qual a maioria das pessoas vão passar em algum momento. Tornou-se num consumo obrigatório pela sua construção narrativa, pelo seu visual, pela inteligência com que trabalha uma atmosfera de época, pelo seu lado fantasioso que é construído com realismo e pelo talento dos atores que à medida que crescem só se tornam ainda mais carismáticos. 


Tudo isto sem perder o fio à meada, sem sucumbir a facilitismos. O nível de detalhe absurdo que há em cada cena é uma transparência sobre o quão seguro é o argumento e sobre o conhecimento que os autores têm da sua história e dos seus personagens. 


Os irmãos Duffer sabem exatamente onde querem chegar, eles não estão ali para se deixarem levar pelo público, estão ali para contar a história tal qual como ela é, e essa visão funciona de uma forma abismal que só se engrandece e que nos deixa com mil teorias e expectativas para o próximo volume e para o final, que seguindo o raciocínio de que a cada temporada a série só se supera será certamente um evento inesquecível. 


Stranger Things regressou no ponto certo. A espera valeu a pena e quando achávamos que não podíamos gostar mais da série, temos aqui o murro no estômago que precisávamos. Do início ao fim o adjetivo que melhor a define é brilhante. Que continue assim!