COMING UP | The Boys

Nova temporada e a proposta continua a cumprir-se com The Boys a continuar a ser recheada de violência e sexo. Sem limite, The Boys é o fruto de todas as teorias loucas que já passaram pela cabeça de um fã de Bandas Desenhada de heróis. E entre a sua ousadia, os diálogos afiados e cenas que roçam o exagero, esta quarta temporada de The Boys chega com menos fôlego que as anteriores, muito mais concentrada na narrativa e em explicá-la de uma forma bem explícita que deixa um pouco de lado a forma orgânica com que os eventos neste universo aconteceram até agora. 

Esta é a season em que mais vemos as conveniências do argumento a saltarem para fora de forma a forçar que os personagens se cruzem e que a história avance. Mas esse esforço acaba por ser em vários momentos bem preguiçoso deixando que o público se aperceba que foram introduzidos em cima do joelho para não deixar transparecer que esta nova leva de episódios foi pensada a partir de memes e de piadas e que ao contrário da última não existiu um trabalho de coesão narrativa que trace o caminho para chegarem ao objetivo final que os autores definiram. 

Porque sim, nota-se claramente (até por essas interações metidas a martelo) que existe uma ideia clara sobre o que será o grande evento final da temporada, mas parece que neste caso a casa se construiu pelo telhado e tudo o resto ficou ensanduichado entre piadas, sexo e violência. 

Todos estes elementos já existiam antes, mas desta vez não foi um casamento feliz. É de tudo isto que te vamos falar na edição desta semana do Coming Up dedicada à montanha-russa que tem sido acompanhar os novos capítulos dos nossos Supers favoritos. Fica connosco porque há muito a dizer!

Comecemos pelo positivo. Para além de toda a releitura sobre o mundo idílico dos Super-Heróis que já conhecemos, The Boys desta vez preocupa-se em trazer aprofundamentos maiores para os seus personagens. 

Nesta temporada, o ponto fundamental de discussão é a coerência do discurso numa narrativa interessante que mostra que neste leque de personagens todos eles são bastante hipócritas, estejamos nós a falar dos vilões já instituídos (que acabam por ter algumas desculpas por já serem hipócritas por natureza e que até ganham a batalha de coerência que a série inicia neste terceiro ano) ou dos supostos heróis, que convenhamos que são pouco merecedores deste título. 

The Boys sempre foi muito crua, no melhor sentido da palavra, a exploração as dualidades da personalidade humana, explorando os seus personagens de vários ângulos e dando-lhes credibilidade por vender as suas virtudes e defeitos. Por isso não é uma inteira novidade termos nestes novos capítulos Butcher a render-se ao V-24, o composto que lhe dá poderes de Super por tempo limitado. 

O personagem que mais hasteou a bandeira da campanha anti-Supers, faz marcha atrás para se tornar um deles. É obvio que ele nos dá a sua própria interpretação das suas ações usando a desculpa de que o faz para proteger Ryan, mas convenhamos que sobretudo no quarto episódio já vemos um Butcher orgulhoso das suas capacidades sobrenaturais e pronto para usar as suas novas armas para a porrada, algo que ele tanto gosta. 

Ou seja, por mais que ele tente a todo o custo vender-nos a ideia de que há razões nobres para o “sacrifício” que ele está a fazer e que ele está apenas a usar as armas dos Supers contra eles mesmos, há que ter em conta que nos mais recentes eventos essas desculpas caem por terra, e só ele próprio não se apercebeu disso. 

Vamos ter Butcher em fase de negação? Provavelmente. Mas para já a única certeza que temos é de que Butcher ainda vai recorrer a esta droga muito mais vezes e para proveito próprio.

Esta é uma season que espelha bem as personalidades dos seus personagens. E Homeland está aí, com todo o seu esplendor, a provar isso mesmo. Antony Starr é a alma da série e o seu discurso de revelação ao grande público é um dos pontos mais altos desta terceira season, não só pela cena em si e pela interpretação irrepreensível do ator, mas pelo paralelo que ele traz com o que acontece no mundo real. 

Mais uma vez, The Boys acerta no compasso dos paralelismos com o que se passa pelo mundo e vemos neste discurso uma versão exacerbado e aplicada ao contexto da série que poderia vir diretamente de um Donald Trump desta vida. E é interessante como esse paralelismo não fica apenas subentendido nas entrelinhas mas o argumento ainda mostra como um discurso tão hediondo como aquele consegue captar a atenção de uma grande parte da população. Mostrando como, estranhamente, há uma enorme disponibilidade da população para discursos de incentivo ao ódio e à supremacia e isto numa era fortemente dominada pelas linhas do politicamente correto, que inclusive, na série, levam a que Starlight e os seus valores a tornem na figura mais acarinhada pelo público. 

São duas franjas altamente distantes da população mundial que são trazidas para enriquecer ainda mais a visão de The Boys e que revelam que não há limites para a criatividade dos autores, além de mostrar o quão importante e próxima é a esta narrativa. 

Apesar de grande parte do texto ser fantasiosa, pela natureza dos seus personagens, The Boys é uma série vivida e crua no que trata a retratar o mundo real, fazendo isso de uma forma bem mais consciente do que a maioria das séries realistas que andam por aí no streaming.

Dados os elogios, vamos para o lado B desta terceira season. The Boys sempre primou pela sua proposta de não ter limites, mesmo em relação à violência ou às cenas que envolvam a atividade sexual dos seus personagens. Essa é a essência que fez da fórmula de The Boys um fenómeno, mas nesta temporada há momentos em que a linha ténue entre o que é parte da proposta e o exagero é cruzada. 

Se a violência é usada sem limites é importante que apesar desses limites não existirem seja usada em momentos em que faça sentido essa abordagem mais pesada. Aqui, em vários momentos a sensação que dá é que os autores quando escreveram as cenas pensaram: “Eles gostam de violência e ação? Então vamos dar-lhes todas as tripas a que têm direito!”. 

Esse apego a um elemento que gera buzz e que resulta junto do público gerou várias sequências desnecessárias que são pré-anunciadas logo no primeiro episódio e que se estendem ao longo dos quatro capítulos já libertados para o público. 

A cena que recria o famoso meme de Thanos com o Ant-Man tem graça por encaixar na proposta divertida da série em brincar com os grandes blockbusters da Marvel e da DC, ou seja, essa acaba por passar apesar do seu exagero, mas há outras como as cenas de flashbacks dos tempos áureos dos Pay Back que são demasiado visuais, que passam a barreira. 

E não dizemos isto por serem cenas chocantes ou por termos um olho mais sensível, mas sim porque em termos narrativos estas cenas escancaradas não acrescentam nada, são só uma montra do alto orçamento da série. 

Mesmo a forma gráfica com que os personagens descrevem alguns atos sexuais também são demasiado rebuscados desta vez. Nada contra o uso, mas pelo menos tem de existir um suporte que não faça parecer que é gratuito. Até agora grande porte foi apenas para encher expectativas dos fãs hard-core.

Numa narrativa onde as coisas demoram a acontecer (contrastando bastante com aquilo que vimos no segundo ano), há personagens que no quarto episódio estão altamente estagnados por ainda não terem tido espaço ou tempo para se mostrarem mais. 

Há uma dicotomia gigante, porque apesar de sentirmos que a história está a andar demasiado devagar, em pés de lã para nos explicarem tudo, parece que nesse slow motion não arranjaram tempo para dar mais consistência a figuras importantes como Maeve, Mother’s Milk e até mesmo Franchie e Kimiko, que entraram num loop onde em cada episódio dizem que querem abandonar aquela vida. 

É um facto que o sacrifício de tempo de ecrã destes personagens tem dado espaço para o arco do A-Train se desenvolver e fazê-lo crescer como figuro importante nesta história, assim como The Deep, Starlight e Hughie, mas convenhamos que a série passou quatro episódios a introduzir-nos um personagem como o Super-Sonic para que sem que nada o fizesse prever o mata-se a sangue frio sem dar sequer espaço para que ele tivesse um momento grandioso que merecesse a introdução que lhe fizeram. 

Tempo perdido? Parece que sim. Tempo perdido esse que poderia ser aplicado em Maeve que parece ficar sempre relegado a personagem secundária, quando ela carrega algumas das maiores discussões da série nas costas. 

Neste ponto do desenvolvimento de personagens, a terceira temporada traz alguns desenvolvimentos excelentes dignos de aplausos e de prémios e outros bem fraquinhos que fazem parecer que há pessoas a mais nesta história. 

Temos extremos, mas ainda assim, temos de dar a mão à palmatória e dizer que o que estão a fazer com os arcos de Homeland, A-Train, The Deep e Starlight é um trabalho tão perfeito que acaba por compensar o resto e prender a nossa atenção.

Sem conquistar totalmente, mas ao mesmo tempo sem envergonhar, The Boys entra insosso na terceira leva de capítulos, apesar de até agora o deu percurso ter sido ascendente e o quatro episódio ter sido o melhor da temporada. 

O contraste de ritmo com aquilo a que estávamos habituados e o hiperbolizar dos diálogos sexualidades e da violência gratuita estão a fazer o percurso inverso do esperado, levando a série para um caminho muito mais banal, e que pode a longo prazo fazê-la cair nas listas dos fãs. 

Apesar disso, a forma como trabalham os problemas do mundo real e os encaixam neste mundo fantasiado continua a ser um dos grandes pontos altos e que só merece elogios, porque é de uma criatividade e inteligência fascinantes. Isto sem ignorarmos a forma como a série aborda o fascínio pelos super-heróis e desconstrói as ideias pré-concebidas que temos sobre eles. 

Quantos de nós não se imaginaram com este ou aquele superpoder? Pois bem, meus amigos, nem tudo é tão bonito como parece e The Boys é a prova viva sobre o porquê de num mundo real a hipótese remota de ter pessoas com capacidades especiais ser simplesmente inconcebível. 

Mesmo com falhas, The Boys ainda vale a penas ser visto, pela sua audácia criativa. O futuro da série está envolto em nevoeiro, sem nos deixar com a segurança de que vai continuar a ser uma das melhores séries do catálogo da Amazon Prime. 

À parte dos pontos negativos, o facto da trajetória dos episódios estar a ser ascendente deixa bons indícios de que ainda poderemos ter de morder a língua e engolir algumas críticas. É esperar para ver até onde chegamos depois desta enxurrada de contexto que nos estão a dar.  Nós já temos o nosso lugar marcado na próxima sexta-feira!