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COMING UP | Bienvenidos a Edén

No verão antecipado de maio, a Netflix apresenta-nos Bienvenidos a Edén, uma série com cores vibrantes que segue a tendência young adult dos grandes sucessos espanhóis enquanto discute temas como a privacidade, a liberdade e os traumas. Mesmo que seja uma história algo rasa e com muitas questões narrativas que a tornam longe da perfeição de Nine Perfect Strangers, as duas produções têm vários pontos em comum, com esta aposta da Netflix a chegar como uma versão não oficial para adolescentes da trama protagonizada por Nicole Kidman na Hulu. 

Bienvenidos a Edén é uma forma criativa de realçar os perigos da internet, de nos mostrar o quão frágeis somos à maldade alheia e como sem darmos conta toda a nossa história está exposta à vista de todos. O argumento trabalha todas estas questões sob o ponto de vista de personagens que carregam vários traumas e que são forçados a enquadrar-se numa ideia de civilização arcaica que constrói quase um paralelo com o mundo perfeito pensado pelas organizações secretas como os Iluminati. 

Há muito para discutir sobre este projeto muito pouco consensual, mas que ainda assim consegue cativar-nos. Vamos mergulhar no mundo adolescente nesta edição do Coming Up. Fica connosco!

O conceito de Bienvenidos a Edén não é propriamente inovador. Porém é o tipo de história que consegue prender do início ao fim aqueles que não conseguem resistir a um bom mistério. A questão principal que marca o arranque a narrativa é algo transversal a todos nós, mas algo que ganha uma importância desmedida na adolescência: És feliz? 


Na adolescência a insatisfação característica e a vontade de quererem engolir o mundo de uma só vez pode trazer respostas muito complexas para esta questão e se juntar-nos a isso uma série de traumas familiares que tornam esse processo de autodescoberta em algo ainda mais complicado, encontramos o cocktail perfeito para deixar qualquer um frágil ao ponto de cair no conto do vigário. 


Com a promessa de uma festa onde vão viver a experiência de uma vida, um grupo de jovens pré-selecionados através da sua pegada digital acabam por cair nas mãos de Astrid e Erik, os líderes da civilização Edén, onde cada morador tem uma função e vivem à mercê do que ali cultivam, transparecendo uma ideia de sustentabilidade e de futuro que parecia de facto idílica mas que tal como acontece com as várias ideias de organizações perfeitas tem um rasto de lixo bem maior por detrás. 


Num esquema de pirâmide bem estabelecido, a produção da Netflix oferece-nos como contexto um grupo que olha para os seus líderes como se fossem Deuses na Terra, interpretando as suas ordens como se fossem comandos diretos de uma divindade superior. 


É o mesmo esquema que assistimos com Masha em Nine Perfect Strangers, contudo, ao contrário da série de Nicole Kidman que se debruçava sobre traumas de pessoas mais maduras (também colocadas estrategicamente num cenário aparentemente perfeito) esta apresenta discussões mais clássicas das séries teenager, com um especial foco nas relações pessoais entre os seus personagens relegando os dramas e traumas psicológicos para segundo plano. 



Mas essa inversão da narrativa em comparação com Nine Perfect Strangers torna a série menos boa? Bem, isso é discutível, porque mesmo enveredando pelo facilitismo da aposta no romance, a série justifica de uma forma bem natural essa via. 


Cada novo integrante da organização é envolto numa espécie de teia que o prende àquela civilização e que a pouco e pouco vai minando a sua mente ao ponto de sentirem cada vez menos vontade de sair. Os elos, pré-estipulados, são uma artimanha para dar uma justificação do porquê de não existir uma rebelião que destrua por completo aquele esquema de pirâmide ao mesmo tempo que revelam a fragilidade dos jovens e a importância da escolha de pessoas que estejam numa fase emocional instável. 


A pouco e pouco, esses elos fabricados dão-lhe um verdadeiro sentido de família, fazem-nos sentirem-se importantes, fazem-nos sentir parte de algo, uma sensação completamente contrária à que têm no mundo real. Ou seja, por mais que a trama nos esteja a apresentar um recurso fácil para facilitar o processo de escrita, acaba por nos ajudar a criar empatia com os personagens e levar-nos a calçar os sapatos de Ibón, África, Zoa e Charly. 


Se o mundo lá fora os trata de uma maneira tão cruel como vemos aqui, que razões têm eles para voltar quando ali num curto espaço de tempo já foram tão felizes? E é aqui, no ponto em que nos leva a questionar sobre como seria a nossa reação se fossemos nós a estar naquele lugar que a série acaba por nos cativar. 


Muito mais do que o mistério por detrás de tudo, a abordagem psicológica sobre os dramas destes personagens é o que enriquece o texto e o torna verdadeiramente diferente. Sobretudo porque estamos a falar da avidez da adolescência onde as coisas não têm de ser maturadas ajudando a equipa de autores a não ter de justificar cada interação com uma profundidade maior e mesmo sem essa profundidade consegue passar-nos a ideia de que tudo se sustenta com alguma credibilidade.


A mescla entre as discussões reais e a utopia da civilização não é, de todo, harmónica. Há vários momentos em que se não tivéssemos a riqueza da construção dos personagens por detrás de tudo, a série acabaria por nos perder com reviravoltas pouco justificadas. 


O que é relativo ao organograma do Edén e às funções de cada um é muitas das vezes debitado no texto em diálogos, sem existir um background que sustente os arcos de forma a tornar esse lado mais misterioso interessante. Há demasiadas perguntas para a capacidade de resposta que os autores têm e, também, para o tempo que os episódios dispõem. 


Como a riqueza dos dramas dos personagens exige muita atenção, parece em muitos momentos que as questões da gestão do Edén ficam constantemente adiadas para cenas dos próximos episódios até que chegamos ao último capitulo sem termos nem de perto nem de longe uma noção clara do que se passa ali. 


E não, não é um recurso da série para estender o mistério do Edén por mais temporadas vindouras. É sim falta de sentido de orientação e de conseguirem explorar tudo aquilo a que se propõem. Há demasiadas figuras importantes nesta história tendo em conta que falamos de episódios com menos de quarenta minutos e que não deixam, de todo, espaço para todos. Pelo meio parece que os autores se aperceberam disso e começariam a eliminar personagens, mas mesmo assim ainda sobraram demasiados e com histórias relevantes. 


Para além da imensidão de personagens que povoam a ilha, a série ainda é audaciosa ao ponto de fazer a ação decorrer em paralelo entre o que se passa lá e as consequências dos desaparecimentos no mundo cá fora. 


É interessante percebermos a consequências que existem, até para não deixarem esse ponto em aberto e não nos darem a sensação de que estão a fazer uma recriação de Lost, contudo perdeu-se demasiado tempo a mostrar o que se passa cá fora, tempo de holofotes que os roubado a percebermos a mecânica da organização e a criarmos uma imagem real dos objetivos de Erik e Astrid, que por enquanto se apresentaram apenas como vilões rasos que estão ali apenas para prejudicar outros.



Do ponto de vista técnico, Bienvenidos a Éden é mais uma produção de baixo orçamento com efeitos que lembram em muitos momentos a tramas da CW e que em muitos momentos não ajudam à coerência do texto que apresenta aquela organização como o fruto de um pensamento multimilionário. 


Talvez tenha existido algum arrojo em demasia na hora de criar o produto e pouco budget que conseguisse transportar essa visão para o ecrã, contudo, mesmo com as imperfeições dos efeitos visuais a essência está lá e tem credibilidade quanto baste para nos conseguir dar uma sensação imersiva. O mesmo não se pode dizer do elenco. 


É certo que as grandes produções do género young adult apostam muito em caras novas precisamente para aproveitarem essa jovialidade como ferramenta de criar uma aproximação maior entre o público e a série, longe de estereótipos criados a partir de projetos anteriores, mas aqui há claros erros de casting que não ajudam em nada a fluidez da história. 


Comecemos por Zoa, a protagonista declarada deste drama, que não tem, de todo, garra suficiente para nos agarrar aos seus dilemas. Além das reações despropositadas da atriz em muitas cenas, a sua inexperiência torna-se gritante nos momentos em que a personagem tem os holofotes sobre si com cenas escritas claramente para ela brilhar, mas que resultam em momentos constrangedores. Isto além da pouca química que ela tem com os seus pares românticos. Nesse aspeto, Gaby consegue ter muito mais carisma e prender-nos muito mais ao seu arco. 


Belinda Peregrín caminha muitas vezes no limbo entre momentos fortes e outros que revelam falta da construção de uma relação com a sua personagem, mas com uma culpa maior que aqui tem de ser dada ao texto que parece ter deixado a personagem de lado várias vezes. 


Do núcleo jovem Berta Vázquez e Tomás Aguilera são os destaques positivos, prejudicados pelo pouco tempo de tela que têm, mas que mesmo assim conseguem fazer-se valer dos dramas dos seus personagens para mostrarem que podem no futuro carregar a série nas costas se for necessário.


Bienvenidos a Éden é uma experiência mista. Se por um lado tem uma história com nuances que cativam por outro peca por não saber focar-se nos seus arcos. É cativante pela construção de uma narrativa que explora uma realidade distópica sob o ponto de vista da falta de privacidade online que deixa a nu as fragilidades de quem está a passar por alguma espécie de trauma mal resolvido e por usar a psicologia como instrumento para contar a história. Acaba por ganhar alguma relevância com esta abordagem e tornar-se numa discussão interessante no futuro caso a série consiga reestruturar as suas falhas numa segunda temporada. 


E falando em segunda temporada, a já confirmada segunda leva de episódios pode muito bem salvar um pouco a reputação da obra. Com Gaby inserida no universo da ilha deixamos de ter um foco tão grande e desconexo com o exterior. A partir de agora há mais tempo de ecrã que tem, obrigatoriamente, de ser passado e dedicado aquele universo. 


Por mais que o final da temporada nos deixe pistas de que o desenrolar dos eventos possa caminhar para algo ainda mais distópico, deixa-nos, ao mesmo tempo, com fé de que agora sim vamos entender todas as mensagens que os autores querem passar sobre a experiência de ter uma civilização com padrões comuns aos Iluminati na terra. 


Caso se consiga fazer entender por completo, a série pode tornar-se num projeto memorável por expandir ainda mais aquilo que vimos em tempo limitado em Nine Perfect Strangers e tornar-se numa leve sucessora de The 100


É algo que seja transversal e agrade a vários tipos de público? Talvez não. Aliás, dificilmente levará pessoas fora do circuito young adult para a sua narrativa, mas não deixa de ser uma aposta louvável e diferente no catálogo da Netflix. É esperar para ver, mas até agora as expectativas são altas. Não desiludam.