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COMING UP | The Power of the Dog

Temos vencedor. The Power of The Dog é como um grande livro em que vamos pé ante pé conhecendo os personagens e nos maravilhamos com uma história que mistura o clássico com os temas atuais numa fórmula que já foi vista anteriormente mas que continua a encher o olho do público. Mas esta não é uma história fácil de se entrar. O início dividido por capítulos pode até ser denso demais para nos tocar e demasiado vago para conseguirmos dar uma chance, contudo, depois de passarmos esta longa introdução de The Power of The Dog e entendermos do que realmente se trata a narrativa desvenda-se como um drama cheio de mensagens sobre o amor, sobre perda e sobre aceitação. 

Com esta longa-metragem a Netflix chega ao Oscar blindada e pronta para erguer a maioria das estatuetas às quais está indicada facilmente, pelo menos se a Academia for justa. Explicamos-te porquê em mais uma edição do Coming Up dedicada aos Oscars. Fica connosco! 

No arranque do filme, The Power of The Dog é o tipo de produção que mantém a distância do espectador com grandes planos de cenários que apresentam a grandiosidade do projeto mas que não criam intimidade com a trama. 

O enredo arranca com os personagens já no centro da ação, sem uma apresentação sobre quem são e no meio de situações episódicas que parecem não nos transmitir nada. É quase como se estivéssemos a ver um episódio de uma série que já acompanhamos e que sentíssemos que falta-se algo para nos enquadrar, como se tivéssemos saltado o capítulo anterior. 

Até entrarmos no terceiro ato a ideia que temos é de que a história a que assistimos não nos está a levar a lugar nenhum, tem ideias interessantes mas falta-lhe um fio condutor.

Porém, aquilo que não tínhamos percebido até então é que o que se estava a desenhar à nossa frente era um paralelo entre a construção do filme e a maneira como o protagonista se comporta dentro da ação. The Power of The Dog inicia-se distante, indefinido e quase banal, mas com um aspeto forte que o faz grandioso, tudo características que Phil, o protagonista da história, carrega. 


Ou seja o filme apresenta-se da mesma maneira que Phil se apresenta perante a sociedade. Este homem é alguém que sofreu uma perda gigante, que esconde uma fragilidade debaixo de uma capa de força e de uma postura firme e masculina construindo uma ideia sobre si que não reflete em nada o que lhe vai na alma. 


No fundo, quando pensamos um pouco sobre ele, entendemos que este é um homem que se despiu da sua alma em prol do trabalho depois de um processo de luto nunca ultrapassado e com receio do julgamento do outro. 


Esse estado de espírito de quase o deixar sem alma, de esconder a sua personalidade, constrói essa ligação direta com a construção da narrativa, que à medida que Phil se vai autodescobrindo e ganhando outros contornos começa a ficar mais empática com o público passando mesmo de um extremo distante para algo tão intimo que nos faz entender o que vai na cabeça de Phil sem precisarmos que o ator nos diga. 


Essa relação de afeto que se elabora com o personagem é pessoal e próxima porque a dada altura sentimos que ninguém conhece Phil da forma como nós, mero espectadores que estamos de fora, o entendemos. É um segredo só nosso, quase como um elo de confiança. 


Temos duas versões do mesmo personagem, aquele que ele quer o seu núcleo veja e aquele que ele dá a conhecer para fora num processo bonito e que apresenta algumas semelhanças, até pelo tema da longa-metragem, com Brokeback Mountain mas com um truque diferente que é deixar os elementos livres para a nossa interpretação.



À primeira vista temos a história de um criador de gado que se dedicou a vida toda ao trabalho no campo e com uma devoção pelo irmão que é maior do que aquilo que o seu núcleo vê. 


Percebemos depois que este é um homem educado com valores muito tradicionais típicos da época que carrega uma ideia de masculinidade que é tóxica nos dias que correm mas que faz total sentido com o tempo em que tudo acontece. 


A conta-gotas vamos sabendo que ele passa por um processo de luto depois de ter perdido aquele que foi um dos seus maiores amigos, ou seja o filme vai-nos dando detalhes que acrescentam nuances à personagem mas sem nos dizer diretamente quem é Phil, até porque o próprio ainda está à procura de respostas. 


O enredo avança e só no momento em que George decide casar com Rose entendemos, mesmo que de uma forma suave e sem explicações explícitas que destruam o processo de autoconhecimento de Phil, o que toda a introdução nos tentou dizer. A partir desse ponto temos um outro filme, com um ritmo mais apelativo, já estamos por dentro do que se passa e já conseguimos encontrar um lugar na história. 


A densidade dramática aumenta com Kristen Dunst a apresentar-nos aquele que será o papel mais poderoso da sua carreira até ao momento, com um sentido maternal e protetor com Peter que não nos deixa indiferentes e numa guerra silenciosa com Phil. 


Ela tenta encontrar o seu lugar num sítio desconhecido, num momento em que para a personagem a vida parece recomeçar e a felicidade parece voltar a ter sentido, mas sem saber acaba por destruir o mundo de Phil. 


A luta por atenção dos dois personagens é forte o suficiente para nos envolver, com argumentos que não nos deixam pender completamente para nenhum dos lados e com falhas de parte a parte que humanizam tanto um como o outro. Todo o processo criativo da construção de Rose, com a cadência da personagem numa espiral de sofrimento e preocupação é tragicamente próxima de relatos verídicos e isso só reforça o talento da atriz.


E se sobre Kristen Dunst já podemos dizer tudo isto, sobre Benedict Cumberbatch aquilo que melhor pode definir a sua prestação em The Power of The Dog é referirmos que é praticamente uma garantia que será ele a levantar a estatueta de Melhor Ator na cerimónia. 


Phil é, entre outros, um dos grandes highlights da carreira multifacetada do ator num trabalho de entrega que se não lhe render a estatueta será profundamente revoltante. Começando pela caracterização, Benedict Cumberbatch despe-se dos seus personagens polidos para nos apresentar uma figura que lida com a sujidade sem pudores mas como um fruto do seu trabalho, numa relação que não é só para o público ver no ecrã mas que é quase palpável e consegue ser até mais visível do que os sacrifícios de Leonardo DiCaprio em The Revenant


Mas além do visual, a densidade dramática que atribui ao personagem que é tudo menos plano, e a forma como consegue interpretar várias facetas sem o desvirtuar tornam o seu trabalho ainda mais notável. 


Mesmo nos momentos em que a sua postura é mais pesada fruto do núcleo em que se insere conseguimos ver a fragilidade que está por trás sem que isso seja totalmente percetível para os outros personagens intervenientes. 


Há uma conexão tão grande entre o ator e o personagem que torna a raiva dele para com Rose quase visceral, que torna o gozo e depois o afeto com Peter em algo muito cru. O argumento sustenta-o muito bem, mas torna-se quase impossível conseguirmos encaixar naquele papel alguém que conseguisse entregar tantas nuances quanto aquelas que o texto lhe pede sem perder a credibilidade. 


Há mil e uma razões pelas quais Benedict Cumberbatch merece o Oscar mas a cena final em que ele desespera por saber que não se pode despedir de Peter é uma tradução perfeita do porquê.



Mas por mais que na sua construção seja um narrativa diferente, esta é uma história que bebe muito da influência clássica sobretudo no que diz respeito à abordagem da homossexualidade. 


Num largo número de produções de Hollywood quando temos no centro da ação um casal homossexual há uma tendência para optar única e exclusivamente um de dois caminhos: Temos por um lado o retrato de um rapaz com trejeitos femininos que é alvo de gozo pela diferença e por outro um homem que luta contra a definição de masculinidade que lhe foi incutida e que até ao último segundo vive em negação. 


Este é o plot mais repetido em filmes e séries que abordam a Homossexualidade, e em The Power of The Dog não fugiram a esta regra clássica e um pouco ultrapassada. É algo que prejudique a nossa ligação com o projeto? Não totalmente, porque temos personagens que se sustentam muito bem e não deixam de ser dois relatos com paralelos reais, mas talvez faça alguma confusão essa repetição e abordagem por sentirmos a dada altura que a história carrega valores morais importantes mas que acaba a dada altura por ficarem perdidos por alguma falta de criatividade. 


Até podemos estar a correr o risco de sermos injustos quando fazemos esta análise porque os autores acabam por não ter culpa sobre a quantidade de vezes que este assunto foi explorado, mas não deixa de ser um ponto baixo do argumento quando entramos na comparação com outros filmes que relatam relações mais ou menos proibidas e que se conseguem expressar como diferentes, como Call Me By Your Name, por exemplo. 


Ainda nesta base da comparação com essa fórmula gasta de Hollywood, é importante mencionar que num passado não muito distante Benedict Cumberbatch viveu um homossexual reprimido em The Imitation Game, em que vestiu o outro lado da moeda com um personagem com características delicadas e já nesse papel chamou a atenção por conseguir contar a história de vida de Alan Turing sem cair na atuação estereotipada. 


É só uma pequena referência que eleva a interpretação de Cumberbatch com Phil ainda mais alto.


The Power of The Dog é, legitimamente, o grande candidato desta edição e será um justo vencedor por conseguir trazer diferença num ano em que temos produções menos ambiciosas do que aquilo que temos visto recentemente nos Academy Awards


Com doze indicações, parte com grande favoritismo em muitas das categorias e promete levar a glória à Netflix fazendo um percurso ainda mais importante do que Roma e podendo tornar-se no grande game changer na relação entre a Academia e o streaming. Os laços têm-se estreitado mas talvez seja esta longa-metragem o ponto de viragem definitivo, ou pelo menos há potencial para que isso aconteça. 


Além das estatuetas de Melhor Filme e Melhor Ator que são um dado adquirido quando comparado com os outros competidores, o filme ainda poderá sorrir de Cinematografia, que é uma vitória quase pré-anunciada, em Melhor Realização, na qual Jane Campion tem competidores fortes mas é também ela uma ameaça para eles numa categoria que está muito em aberto, e Melhor Atriz Secundária que pode, seriamente, consagrar Kristen Dunst. 


Kristen Dunst já tem uma carreira longa mas nenhum papel com a densidade e carga de Rose, e dificilmente terá outro desafio tão grande entre mãos, o que torna a sua subida ao palco mais que justa, isto excluindo a sua atuação que é, de facto, um dos brilhos deste projeto. 


Jesse Plemons e Kodi Smit-McPhee dividem indicações na categoria de Melhor Ator Secundário mas dificilmente lhes cairá um troféu nas mãos. Plemons entrega boas contracenas num papel também ele desafiante mas que não tem muito de memorável quando comparado com os colegas de elenco. 


Já Kodi Smit-McPhee consegue construir uma ligação com Cumberbatch que é notável tendo em conta que se trata de um personagem altamente reservado e bastante tímido mas que pode não ser suficiente para chegar ao galardão, até porque nesta categoria Troy Kotsur seria um vencedor com muito mais mérito. 


Em Argumento Adaptado, The Power of The Dog também é frontrunner mas esta é uma categoria que ficaria muito melhor entregue a Dune ou CODA. Em geral, The Power of The Dog tem todos os elementos para ser o grande eleito, quer pela técnica com pelo facto de conseguir chegar até nós e se tornar memorável. 


Veremos o que dizem os votantes, mas por enquanto já ganhamos com uma produção que entra diretamente para a nossa lista de filmes a recomendar.