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Fantastic Entrevista - João Estima: "Cada ensaio, cada récita, cada take, são oportunidades para tentar de novo, para fazer diferente, fazer melhor"

Foto: Mariana Rocha

Licenciado em Teatro, estreou-se nessa mesma vertente em 2011 com a peça A Place For Love, dirigida por André Guedes. No entanto, a sua relação com o amor não terminou aí e no último ano esteve em cena com um espetáculo da sua autoria e de Rita Delgado, onde os atores em palco procuravam um par romântico entre a plateia. Na edição desta semana do Fantastic Entrevista estamos à conversa com o ator João Estima, que vem partilhar algumas memórias do seu percurso, com destaque para a série Glória, a primeira produção portuguesa para a Netflix.  

Terminaste a tua licenciatura em Teatro, na Escola Superior de Teatro e Cinema, em 2017. Antes disso, tinhas terminado em 2011 o curso de interpretação na Academia Contemporânea do Espetáculo, no Porto. O que é que te levou a decidir voltar a estudar apenas alguns anos depois?

Não foi premeditado. Quando acabei o curso no Porto, com 18 anos, queria trabalhar, a vontade de voltar a estudar só surgiu três anos mais tarde. Mas foi importante ter acontecido assim. Os três anos que estive no Porto depois de terminar o curso serviram para conhecer a realidade profissional e ganhar maturidade. Trabalhei em teatro, em performance, mas também fiz muitos eventos como mascote, palhaço, etc. Tudo pode ser útil se nos mantivermos curiosos. Quando entrei na Escola Superior de Teatro e Cinema, com 21 anos, a bagagem já era alguma e trazia renovada a vontade de estudar.

Que impacto a tua formação profissional tem na tua carreira enquanto ator?

Tive a sorte de frequentar duas boas escolas, tive ótimos professores, aprendi muito. É impossível separar o ator que sou da formação que tive. Somos aquilo que experienciamos.

O teatro acaba por ser a vertente onde tens tido mais oportunidades de trabalho. Quando sobes ao palco para entrar em cena e vês os olhares do público fixados em ti, há ali um certo medo de falhar ou encaras isso como uma nova forma de melhorar e mostrar quem é o ator João Estima?

Cada ensaio, récita ou take, são oportunidades para tentar de novo, para fazer diferente, fazer melhor. Esse é o foco. O medo de falhar faz parte e até pode, em determinadas situações, ser benéfico. Em relação ao público, um amigo uma vez disse-me: "ninguém quer saber". É um conselho meio inusitado, mas creio que faz sentido: o essencial é sermos curiosos e entregarmo-nos ao trabalho; umas vezes descobres coisas brutais, outras nem por isso e, no limite, "ninguém quer saber". Depois da festa vai cada um para sua casa. Imprescindível é dares de ti.

Foto: Alípio Padilha

Ainda que tenhas tido mais experiências no Teatro, na sétima arte chegaste a integrar o elenco da longa-metragem de sucesso de Tiago Guedes - A Herdade. Qual foi o teu maior desafio neste projeto?

Nesse filme só tinha uma uma cena e o desafio era fazê-la acontecer! É sempre esse o desafio. Um professor que tive falava-nos de quando "a sala aquecia". Era a maneira de ele explicar a coisa.

Até há bem pouco tempo estiveste em cena com uma peça da tua autoria e de Rita Delgado, intitulada Fim. Que mensagem procuraram passar com este espetáculo e como surgiu toda esta ideia?

A ideia surgiu numa altura em que eu, a Rita e uns amigos próximos falávamos bastante sobre relações amorosas. Notámos que as observações que fazíamos sobre o tema se baseavam, maioritariamente, no conhecimento empírico que tínhamos do mesmo. Sabíamos pouco sobre o que acontece em termos hormonais, sobre o que foi o amor ao longo dos tempos, o que mudou, etc, então fomos pesquisar e criámos o Fim. O espetáculo focou-se na maneira como vivenciamos o amor nos dias de hoje, os medos, crenças e ambições próprias do nosso tempo.

Nesta peça, o público acaba também por fazer parte do elenco. É nesta interação com a plateia que a vossa criação artística faz a diferença? Em que sentido?

Foi a forma que encontrámos para melhor passar aquelas ideias e sensações. Partimos da premissa "três atores procuram um par romântico de entre os elementos do público, construíram um espetáculo para o efeito", este é o fio condutor de toda a peça e é a partir dele que se desenrola também a interação com o público. Este formato permitiu-nos presentificar alguns dos conceitos chave que orbitam em torno do amor, tais como o risco, a vivacidade e a expectativa inerentes ao encontro com o Outro.

Foto: Filipe Ferreira

Para além de teres sido um dos criadores do espetáculo, assumes também o papel de ator. Ao estares presente nas duas posições fica mais fácil de representar a peça à imagem daquilo que estava pensado no guião? De que maneira?

Sim, fica, porque já sabes o que pretendes com determinada cena, tens um conhecimento vasto sobre o que está escrito, visto que foste tu que escreveste. Ainda assim, com o trabalho de ator vais sempre descobrindo novas significações no texto.

Um dos teus mais recentes projetos foi a série Glória, na qual interpretas o papel de Bernardino. Qual é a sensação de fazer parte de um projeto que irá ter para sempre o rótulo de "primeira série 100% portuguesa da Netflix"?

O rótulo é impactante e motivo de orgulho, mas mais do que isso, o que me dá uma grande satisfação é ter vivido aquela experiência. Aprendi muito, trabalhei com pessoas incríveis.

Com a aldeia da Glória do Ribatejo como pano de fundo, a série da Netflix remete para o ano de 1968, altura em que decorria a Guerra Fria. Embora se trate de uma série de ficção, há ali alguma verdade. Consideras que ao interpretar a tua personagem ficaste a conhecer e "viveste" um bocadinho este período histórico?

Sim, foi fascinante descobrir o que ali aconteceu, na remota Glória do Ribatejo. A RARET foi dos maiores emissores de rádio do mundo, um complexo gigante com moradias para os funcionários, escola para os filhos dos mesmos, campos de jogos, piscina, maternidade, etc. Filmar em alguns dos locais onde as coisas, de facto, aconteceram, foi especial.

Foto: Netflix / Direitos Reservados

Que características tinha o Bernardino que te levaram a aceitar a proposta para interpretar este papel?

Aceitei pelo projeto que era, não havia por que recusar. Quanto ao Bernardino, vi-o como uma personagem com graça, bom moço, creio que representa os que faziam o seu trabalho, alheios às consequências políticas do mesmo.

Ainda em 2021 estiveste também em cena no Teatro D. Maria II com a comédia O Inesquecível Professor, de Pedro Gil. O espetáculo abordava a história de um professor de teatro prestes a entrar na reforma e que procurava que os alunos se envolvessem e se apaixonassem por esta arte. Tu também tiveste algum professor que teve e ainda tem impacto no ator que és hoje?

Todos tiveram impacto no ator que sou. Uns por ótimos motivos e outros nem por isso. Ensinar é uma coisa fascinante, a transmissão de conhecimentos é a base da nossa evolução enquanto Humanidade. Sem ela estaríamos ainda a combater predadores com pedras e paus. Ser professor é uma grande responsabilidade.

Se te voltássemos a entrevistar daqui a 10 anos, o que gostarias de estar a fazer nessa altura?

Um espetáculo, um filme ou um jogo de voleibol em Carcavelos!


Fantastic Entrevista - João Estima

Por Miguel Frazão

Fevereiro de 2022

Fotos: Direitos Reservados