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Entrevista DOP - Flávia Reis


Flávia Reis foi pioneira na introdução da Dança Oriental na ilha da Madeira. Bailarina, coreógrafa e professora com uma carreira com cerca de 20 anos, por si já passaram várias artistas que hoje são profissionais no arquipélago. Na quarta edição desta iniciativa entre o 
Fantastic - Mais do que Televisão e o projecto Dança Oriental Portugal, falamos com ela para descobrir mais sobre o seu percurso e influências artísticas, opiniões sobre o desenvolvimento da dança no mercado nacional, dicas para organizar espectáculos, entre outros.

1. Como surgiu a tua paixão pela Dança e, em particular, pela Dança Oriental?
Lembro-me de que aos 5 anos, a minha mãe e minhas tias já me chamavam para ensinar a sambar e dançar música popular brasileira em casa, de uma forma informal. A par do meu crescimento, a paixão pela dança foi igualmente crescendo, tanto que não podia estar numa festa e ver uma criança quieta que logo a desafiava para dançar lambada. O que sofriam comigo!
Na escola, diversas vezes minha mãe foi chamada para reuniões, pois os professores queixavam-se, e em especial a minha professora Marlene, de que eu só queria dançar. Nos recreios com a ajuda dos meus colegas, recordo-me de juntar mesas retangulares e compridas no centro do pátio, para improvisarmos um palco onde fazíamos os nossos espetáculos. Pedia às senhoras da escola para colocar os discos de vinil da cantora brasileira Xuxa a tocar, e dançávamos até ao último minuto do tempo de cada intervalo das aulas.
O bichinho da dança esteve sempre lá! Certa vez recordo, de ter recebido uma cartinha de uma amiguinha da escola, que dizia “essa menina tão pequenina um dia, quer ser bailarina” – no fundo ela conseguiu antever o futuro que nem eu imaginava…
Durante os primeiros anos, a minha vida esteve sempre ligada à dança de uma forma livre e espontânea, e seria impossível ter aulas de dança. Pois apesar de ser pequena, tinha consciência que a minha mãe trabalhava muito para me sustentar, uma vez que havia perdido o meu pai cedo (quando ainda tinha 7 anos). Pois a minha mãe, fazia o papel de mãe e pai em simultâneo e não tinha condições para pagar aulas de dança. Mesmo assim, continuei a dançar, a criar grupos de dança na escola, em festas, etc…
Até um dia, em que mudámos de casa para um bairro onde moravam alguns ciganos. Lembro-me de ficar fascinada pelas suas danças, apesar de sentir algum medo devido à forma como a nossa sociedade falava, e ainda fala dos ciganos. Ainda assim, o meu medo era superado pela minha vontade de estar lá no meio daquele povo dançando, onde sentia uma energia muito forte. A certa altura, foi apresentada na televisão uma novela chamada “Explode Coração”, que retratava um pouco da “vida” dos ciganos, inclusive a dança, o que me provocou ainda mais interesse em aprendê-la. 
Com a chegada da adolescência, a minha atenção virou-se em parte para o teatro. Nessa altura, pedi apoio ao meu querido Tio Mauro (irmão do meu pai), que considero como um pai, que me ajudasse a pagar um curso profissional de teatro, porque queria fazer faculdade de artes cénicas e mudar para o Rio de Janeiro aos 18 anos. Coitada! Mal sabia que a minha vida estava prestes a mudar…pois iria ser novamente orientada para a dança.
Foi numa festa, em que estava a trabalhar como animadora (vestida de Emília do Picapau Amarelo), que vi quatro rapazes ESPETACULARES a dançar Dança Oriental no palco. Nunca tinha visto algo parecido, e disse a mim mesma: “Eu vou aprender esta dança! Daí em diante, comecei a insistir com um dos rapazes, o Luiz, para que me ensinasse Dança Oriental (DO). Lembro-me de juntar todas as moedinhas possíveis para pagar as aulas. Não satisfeita, pedi ao meu patrão um adiantamento do salário (mínimo), para comprar um fato de DO. E, após algum tempo, o Luiz criou um grupo dessa dança, e claro, eu queria participar! Estava tão entusiasmada, que queria aprender cada vez mais e introduzi-la na minha vida para sempre!
Foi tudo muito rápido, aprendizagem, experiência e atuações. E assim foi o início da minha introdução na DO em 2001… (Os meus anjos da guarda pareciam estar a trabalhar a 220% a meu favor para me apoiar). Afinal, o meu tempo no Brasil estava com os “dias” contados... eu é que não sabia. E assim….em Julho de 2002 estava no aeroporto da Pampulha em Minas Gerais com destino à ilha da Madeira em Portugal, me despedindo do Luiz, que me disse: “Leva o nome do nosso grupo 'AISHA' para você se apresentar em Portugal!".

2. Quando e como é que decidiste tornar-te bailarina e, posteriormente, professora de dança?
Eu diria que a dança é que me escolheu para ser bailarina, e posteriormente professora.
Quando iniciei a prática da Dança Oriental, nunca imaginava que iria ser bailarina ou ensiná-la no futuro. Sempre pensei "Quero aprender essa dança para praticar a vida toda até ficar velhinha…” – este pensamento é como uma de meditação para mim. Tudo foi acontecendo naturalmente…e ainda bem que foi assim!
Quando cheguei à Ilha da Madeira em 2002, continuei a treinar sozinha, fui autodidata durante muito tempo, porque na ilha não havia ninguém que soubesse ou desse aulas de Dança Oriental. E para ter acesso a aulas e workshops em 2002 era difícil. Era através de DVDs e cassetes VHS do grupo de bailarinas Bellydance Superstars, e de outros, e consumia e absorvia toda a informação e técnica possível.


 
Com o tempo fui apresentada a um grupo de dança que atuava em hotéis, e fui convidada a integrá-lo. Daí em diante, a bailarina começou a crescer. Durante muitos anos me apresentei com o nome AISHA (e ainda hoje, muitos me conhecem por este nome).
Desde então, participei em vários espetáculos pela ilha em hotéis, casamentos, batizados, eventos comemorativos, eventos para empresas, festivais e em bares orientais árabes (Qasbah e o Tuareg). Todos os eventos foram uma escola para mim, aprendi muito, mas em particular o Tuareg, pois nele actuei durante 3 anos. Foi muito desafiante, pois todas as semanas eu sentia que era preciso dar algo novo; era a minha responsabilidade para com o público que adorava estar naquele ambiente. Em 2008, foi inaugurado o Tuareg nos Açores, e tive a oportunidade de dançar na inauguração deste espaço e lecionar um workshop de nível básico, também.
Nessa altura, já tinha feito algumas formações fora da Ilha da Madeira e no Brasil devido à necessidade que eu sentia de aprender cada vez mais e com outros profissionais, de dar o meu melhor em palco, assim como para as minhas alunas. Em simultâneo ao crescimento da bailarina Aisha, surgiu a oportunidade de dar aulas, algo que nunca imaginava. Quando alguém me falava que não tinha jeito para dançar, eu pensava: o que não tem jeito (remédio), é voltar depois de morrer. E isso foi me motivando cada vez mais para ajudar as pessoas com o meu trabalho, porque a dança transforma vidas e eu gosto de ensinar.
Um dos hotéis em que comecei a dar aulas, foi o antigo Hotel Vila Ramos (atual Hotel Savoy Gardens). Comecei com poucas alunas, passando a informação de boca em boca, e pouco tempo depois, comecei a lecionar no Ginásio Physical na Rua 5 de Outubro no Funchal (bastante conhecido aqui).
Como em qualquer lugar, tudo que é novo provoca a curiosidade em experimentar. E assim, muitas mulheres já tiveram aulas comigo, e algumas delas, hoje em dia também são professoras e bailarinas de Dança Oriental. Posso dizer com orgulho que fui a pioneira da Dança Oriental na ilha da Madeira. Nesse tempo, lecionava várias aulas por semana uma vez que a procura era muita.. Houve um dia que cheguei a parar na aula, olhar para todas aquelas mulheres, mais de 40, e pensar: "Meu Deus, que responsabilidade! Até hoje penso assim, até mesmo com grupos mais pequenos!"

Mas nem tudo são flores. Apesar de fazer atuações e dar aulas, se manter num país estrangeiro não é fácil. Durante o dia, eu fui a gata borralheira, trabalhei em limpeza de obras, repositora de supermercado, empregada de limpeza, empregada de balcão, e à noite transformava-me em Cinderela quando me arrumava para dançar nos palcos dos hotéis. No entanto, nunca desisti de dançar. Pelo contrário, em 2008/2009 resolvi voltar a estudar porque não tinha o secundário, e dei início aos estudos no Conservatório Escola das Artes da Madeira, no Curso Profissional de Interprete de Dança Contemporânea. Isto aos 24 anos, sem nunca ter feito uma aula de ballet na vida, olhava à volta e via colegas de 16 anos a competir comigo, e pensava: "Eu consigo, e não preciso ter vergonha, pois vergonha, é matar roubar ou violar – já dizia a minha mãe. Força, vamos em frente com força e coragem!" Algumas pessoas me apoiaram, e outras não.
Esses três anos de Conservatório foram uma loucura porque, tive que coordenar as aulas do Conservatório, com os espetáculos, com as aulas, e ainda, com um 2º grupo de dança oriental (Khadija), que eu tinha criado e do qual, era a responsável e coreógrafa. Lembro-me certa vez, de nas aulas práticas (das 9h as 13h), quase ter desmaiado de tanto cansaço. Mas valeu a pena!
Em 2011, estava a terminar o curso de Intérprete de Dança Contemporânea, sentia-me felicíssima - ali nascia a bailarina Flávia Reis. Tinha planos para ir para Lisboa fazer a faculdade de dança com meu grande amigo Nuno. Mas a vida, deu-me outra volta.

Conheci o Duarte meu marido, que mudou completamente os meus planos. No dia final de curso, eu tive que apresentar a minha prova final de curso (a PAP – Prova de Aptidão Profissional)… passei muito mal o dia todo... mas concluí. Dias depois, fui parar ao hospital, pois pensava eu, que era uma intoxicação alimentar… mas afinal, estava grávida. E de gémeos (soube mais tarde, quando havia perdido um dos bebés). Mas Deus sabe o que faz!
Comecei novos planos, mas sempre com a dança. Continuei a fazer espetáculos até aos sete meses, e a dar aulas até o último dia, numa quinta-feira. Recordo-me que depois da aula, a bolsa das águas rompeu mas sentia-me tranquila, pois não tinha contrações e passei a uma noite calma. No dia seguinte, sexta feira, dei entrada no hospital ás 12.30h e ás 23.45h, estava a dar à luz a minha flor Yasmin. Aos poucos, fui fazendo a gestão entre ser mãe, esposa, dona de casa, bailarina, professora de dança oriental, professora de dança contemporânea na Escola das Artes do Funchal, e mais uma novidade… entrei para a faculdade de Educação Física e Desporto na Universidade da Madeira. Esta fase foi uma loucura, mas sobrevivi!
Terminei o curso de Educação Física em 2018 com muito sacrifício, porque confesso, foi cansativo gerir tudo isso. Mas precisava fazer algo que me sentisse bem e pudesse ajudar outras pessoas. Foi quando resolvi me dedicar mais às aulas e à criação do Espaço Oriental Flávia Reis (EOFR). Um espaço em que as pessoas interessadas pudessem aprender a dançar e a fazer atividade física num ambiente acolhedor e espairecer. Mas em 2019, tudo muda com o COVID19, e não tinha outra alternativa, se não a de me adaptar a esta nova realidade. Iniciei as aulas online, foi uma experiência nova e desafiadora. Por essas razões, sou muito grata às minhas alunas, que acreditaram no meu trabalho, sou grata pela dedicação de cada uma e pela sua paciência. Eu tinha consciência das dificuldades que elas podiam sentir com este processo, uma vez que também eu, fazia formações online era preciso muita força de vontade, para não desistir e continuar a manter o foco.
Mesmo com todo o caos vivido nessa altura, sempre tentei manter o pensamento positivo, e que tudo iria correr bem! No mesmo ano, tomei uma decisão, resolvi sair do grupo Khadija. Foram 11 anos de dedicação, desafios, aprendizagem e companheirismo mas, o ciclo chegou ao fim. Ainda assim, continuei a dar aulas online, a me dedicar ao EOFR, com novas aulas, a ter novas ideias como “As Perolas de Portugal” (uma iniciativa de apresentar para o publico madeirense, profissionais da dança oriental em Portugal). Em 2021, até o momento, voltamos às aulas presenciais, e tive a oportunidade de apresentar a segunda edição do espetáculo Oriental Sahar 2021, que permitiu apresentar um pouco da cultura, e trabalho das alunas de dança oriental do EOFR ao publico madeirense.

3. Enquanto vivias no Brasil, tiveste aulas de Teatro. Esta experiência tem algum impacto no teu percurso de dança e experiência enquanto artista profissional da área das artes performativa?
Totalmente! Mas antes, tenho que dizer que o meu encontro com o teatro foi anterior ao curso. Após a morte do meu pai, fui morar com a minha tia Marlene, irmã do meu pai que eu considerava como mãe, e com quem fiquei até minha mãe me vir buscar. A minha tia tinha uma empresa (um café) no Palácio das Artes, um teatro moderno lindo, um projeto do arquiteto Oscar Niemeyer. Enquanto a minha tia trabalhava no seu café eu entretinha-me percorrendo a sala de espetáculo admirando tudo. Ficava deslumbrada com aquele espaço... Entre um intervalo e outro das peças de teatro, corria para dentro da sala do teatro e ficava admirando o palco, até minha tia me encontrar. Que saudades da tia Marlene!... Faleceu poucos meses depois do meu pai, e me deixou um grande presente: me apresentou o teatro!
Foi mais tarde, na adolescência que tive a minha formação em teatro. Mesmo, que só frequentando metade do curso (um ano e meio), foi essencial para saber me posicionar em palco, enfrentar o público, dar atenção tanto à primeira pessoa da plateia, como à última pessoa lá no fundo do teatro. Ser eu mesma, com defeitos e qualidades, aprender estratégias de palco, como improvisar, trabalhar em grupo com diferentes personalidades, aprendi a respeitar o silêncio dos bastidores, e as palmas do público... Recordo-me de ter colegas de várias áreas, não só atores como comerciantes, comissários de bordo, vendedores, etc, que estudavam teatro com o objetivo de os ajudar nas suas profissões. E isso é verdade, todos nós deveríamos estudar teatro em algum momento da vida, assim como ir mais ao teatro, porque temos muito que aprender com essa arte.
Aprendi que a nossa responsabilidade como artistas é trazer alegria, emoção para o público no momento da atuação, fazer com que esqueçam os problemas lá fora. Sobre isso, lembro-me de um professor de teatro dizer que o público no momento que estava sentado não queria saber como estavam os artistas emocionalmente (a quem até podia ter morrido um parente, etc…), que se estávamos em palco, era para nos entregarmos de corpo e alma. É uma responsabilidade, estar em palco porque você pode mudar a vida de quem está a te assistir!
Eu considero que a minha forma de ser energética ao dançar, tem muito do que eu aprendi no teatro, a intensidade e a forma de captar a atenção das pessoas. E tudo aquilo que aprendi, tento aplicar até hoje, tendo em conta o contexto e público que encontro em cada atuação. Assim como tento passar todas essas aprendizagens às minhas alunas, principalmente àquelas que se interessam por uma vertente profissional.

Fotografia: Direitos Reservados

4. Ingressaste no curso profissional de Intérprete em Dança Contemporânea (Conservatório – Escola das Artes) e na licenciatura em Educação Física e Desporto (Universidade da Madeira). Quais os conhecimentos e ferramentas que estas formações te forneceram para a tua actividade enquanto bailarina e professora de Dança Oriental?
Bem, posso dizer que estas formações foram muito importantes para o meu crescimento, tanto a nível pessoal, como a nível profissional. Também foram intensas, pelo que era impossível captar e reter tudo a 100%, por isso tive desde então a consciência que após a sua conclusão, teria de cimentar e desenvolver esses conhecimentos de forma contínua no trabalho e através do estudo.
Mas posso referir que uso muito nas minhas aulas a aprendizagem que obtive no conservatório. Foi lá que aos 24 anos tive a minha primeira experiência e formação no ballet (agradeço todo o meu conhecimento à professora Vanessa Fernandes). Tendo em conta que o ballet tem muitos contributos para diversas danças, sempre que possível, aplico algumas das técnicas de forma doseada à dança oriental, tal como a postura, as noções básicas de braços, pernas, saber utilizar os pés, transferência de peso, plié, relevé, o alinhamento corporal, o trabalho de flexibilidade, entre outras, que contribuem e muito, para a aprendizagem da Dança Oriental.
Também pude aprender com a minha outra mestra Vanessa Amaral, a técnica de Dança Moderna, que em muito me fazia lembrar a Dança Oriental, pelo contato com o solo utilizando os pés descalços, e contrações pélvicas. Nessas aulas tive o privilégio de poder aprender a ouvir melhor os ritmos e a fazer a sua contagem pois as aulas eram realizadas com música ao vivo, com o professor Sérgio que tocava bateria. Isto ajudou-me também a ensinar os ritmos de uma forma mais cuidada. Por exemplo: se colocarmos várias pessoas, cada uma a organizar a sua prateleira, e utilizando objetos iguais,.. vamos reparar que cada pessoa organiza de forma diferente. Da mesma forma, quando ouvimos um ritmo, devemos respeitá-lo (pausas, duração, batimentos, frequência), mas podemos dançar de forma diferente. É isso que tento transmitir nas minhas aulas, respeitar o ritmo e ser livre para expressar.

Também tive outras disciplinas como a dança criativa e as danças de carácter, que contribuíram para estimular a minha criação coreográfica, motivar o estudo sobre o folclore e sobre a caracterização.
A finalização do curso do Conservatório, me proporcionou a possibilidade de aprender a criar um espetáculo, desde questões burocráticas como licenças, até questões técnicas como luzes, entre outros, e que foram extremamente importantes para a realização do espetáculo Oriental Sahar, que tem por objetivo apresentar o trabalho final das alunas do EOFR e divulgar a DO na ilha da Madeira.
Quanto à licenciatura de Educação Física e Desporto, aproveito o conhecimento de algumas disciplinas como: anatomia (pois, conhecer o corpo humano é fundamental para a prática), metodologia do treino (utilizo alguns conceitos de forma adaptada para a dança), psicofisiologia (ajuda a compreender como o nosso cérebro comanda o corpo, o quanto é importante respeitar o tempo de aprendizagem de cada pessoa), e outras disciplinas como gestão, marketing…
Como bailarina, aproveito todo o conhecimento de treino e nutrição para a minha condição física, apesar de me considerar uma pessoa normal que comete os seus deslizes, mas que não fica sem comer.
Apesar de ter frequentado este curso, a única coisa que não consegui aprender, é a competir. Confesso que nunca fui competitiva, eu sou do tipo de pessoa que se entro em um jogo, ou em um trabalho, procuro saber todas as regras, para melhor me “movimentar”. No entanto, aquilo que eu gosto, é do processo em si, não o resultado - se vencer ótimo, se não, sigo em frente. Por isso, como bailarina, só competi uma vez até hoje. Posso até vir a competir mais vezes, mas para mim existem outras formas de mostrar o meu trabalho, e que me farão sentir mais realizada, em uma sala de aula ensinando, por exemplo. Atenção, não sou contra as competições, até porque, como tudo, tem coisas positivas e tem coisas negativas, e respeito e admiro o esforço e a provações que as pessoas passam para chegar ao nível que desejam, e isso tem valor. Lembro um dia de falar com uma amiga de curso, que estava a se preparar para um concurso de fisioculturismo… ela tinha muito cuidado com alimentação, basicamente vivia com tapperwares de arroz e frango na bolsa para os seus snaks de 2 em 2 horas… e eu disse-lhe que a admirava muito, porque se fosse preciso fazer aquilo para uma competição de dança, eu nunca o faria.

Mas aquilo que eu mais aprendi e desenvolvi na licenciatura, foi como ser resiliente. Lembro de uma situação que passei… um professor no primeiro dia de aula me perguntou quem eu era, o que fazia, eu disse que era estudante, trabalhadora e mãe. Ele olhou para mim e disse:
- “Você acha de vai conseguir completar esse curso com tudo que faz, não acha que está a perder tempo?” - Nossa! A minha vontade era de falar poucas e boas, mas controlei-me, fiquei calada e não descansei até acabar o curso. Aproveitei aquela situação e apliquei nas minhas aulas, eu jamais vou dizer isso a uma aluna, porque subestimar uma pessoa, é um grande erro! Contudo, à medida que vão surgindo os desafios e dependendo do contexto, vou aplicando o conhecimento adquirido, tanto a teoria como a prática. E continuo estudando em busca por mais conhecimento…

5. Vives no Funchal há quase 20 anos. Como analisas o desenvolvimento da Dança Oriental no arquipélago da Madeira ao longo destes anos?
Como disse no início da entrevista, quando cheguei à Ilha da Madeira, não tinha ninguém que se dedicasse a aulas ou espetáculos de DO. Me recordo de ouvir falar de uma bailarina que dançava DO em hotéis, mas tinha-se mudado para Londres. Então sem pretensão, ao acaso as oportunidades foram surgindo, e devido ao interesse e à procura, comecei a dar aulas.
Apesar de toda a evolução existente na ilha, o contato com a cultura árabe é escassa. Confesso que ainda hoje procuro resposta para isso. Pensei talvez, que isso se devesse ao facto da ilha ter uma proximidade com a cultura inglesa desde a colonização, cultura esta sem interesse ou proximidade pela cultura árabe. Não quer dizer que são todos, mas ao longo destes anos, vejo que o meu trabalho foi de aproximação do público madeirense à cultura árabe.
Lógico que a moda também tem o seu contributo pois as pessoas depressa aderem às modas e depressa as substituem por outras. Quando cheguei, estavam a viver a febre da novela o “Clone” (retratava um pouco da cultura árabe, as tradições, crenças, danças, etc.), o que me ajudou na divulgação do meu trabalho e aproximando este povo da cultura árabe. Mesmo assim, tive muito trabalho, porque o preconceito e o olhar de desconfiança era muito. Tive que mostrar quais eram as minhas intenções, que podiam confiar em mim emigrante, mulher, brasileira, querendo ensinar outra cultura. Aos poucos, fui adquirindo a confiança, podendo ensinar aquilo que tinha aprendido com todo respeito, pois sabia que ainda tinha muito para aprender…
Quando dei por mim, já muita gente conhecia o meu trabalho, quer através das aulas, quer através dos espetáculos, e foram surgindo mais eventos, e mais possibilidades de promover a dança. Aos poucos, os olhares desconfiados, mudaram para admiração.
Em 2007 mais ou menos, foram abertos dois bares tipicamente árabes o Tuareg, e o Qasbah, cada um com um estilo e público diferenciado. O que proporcionou maior divulgação da DO aqui na ilha. Nessa altura, já tinha algumas alunas que eu considerava capacitadas para dançar e me acompanhavam em algumas atuações.
Cada vez mais a DO crescia na Ilha, as minhas primeiras alunas começaram a dar aulas e a investir na vertente profissional, isso fez com que o mercado se expandisse, o que geraria mais procura, mais ofertas, mas também teve perda de qualidade. Sabemos que, em qualquer que seja a área, quando decidimos caminhar com as próprias pernas, temos que ser responsáveis e buscar mais e melhor conhecimento para poder oferecer um serviço cada vez melhor a um público também mais exigente. Se isso não acontecer, o mercado fica desequilibrado e estagnado, deixando de ter um interesse crescente. Por isso, eu sempre digo às minhas alunas "Eu posso ser uma base, mas vocês podem e devem estudar com outros profissionais, principalmente se o objetivo é ser profissional no futuro.” Fico com a consciência tranquila, porque sei que uma maioria das ex-alunas e alunas seguem essa dica.
Após o fecho ou mudança de conceito desses bares onde fazia atuações, o publico madeirense teve pouco acesso aos espetáculos de DO. Mas apesar disso, vejo que as pessoas procuram por eventos particulares, assim como o mercado hoteleiro e os ginásios abriram portas a este tipo de dança e aulas, entre outros eventos. Hoje em dia vejo, as antigas alunas procurarem mais conhecimento (teórico, pratico) pois estão mais exigentes consigo próprias, pois querem lecionar, e crescer como bailarinas. O que me deixa extremamente feliz por ter partilhado consigo o bichinho da DO.
Também vejo mulheres de todas as idades, à procura de aulas de DO com diferentes objetivos, mas sem desconfiança, com a mente e o coração aberto para aprender e, acima de tudo, sem preconceitos.


A criação do Espaço Oriental Flávia Reis, tem um papel importante para esse crescimento. O objetivo é ensinar a DO para todas essas pessoas, com idades a partir dos 7 anos, respeitando os seus objetivos, e ajudando-as a concretizá-los. Em parceria com o EOFR, o espetáculo Oriental Sahar, tem por objetivo promover a DO aqui na ilha ao público madeirense, e quem sabe no futuro, ter a possibilidade de convidar e promover o trabalho de outras bailarinas portuguesas, assim como estrangeiras.
Eu vejo um futuro grandioso para a DO na Ilha da Madeira: um grande festival, apresentando a cultura árabe tanto na dança, como na culinária, no vestuário… e ficaria muito feliz de viver para poder assistir a essa evolução! Acredito estar a contribuir para isso!

6. Dás aulas no teu espaço próprio, o Espaço Oriental Flávia Reis. Quais são as maiores vantagens e desafios de teres um espaço dedicado ao ensino e prática desta dança?
Ter o próprio espaço tem vantagens e desvantagens, como tudo na vida, mas gosto da forma como perguntou; não são desvantagens, são desafios que transformam em aprendizagem, sabedoria, logo vantagens.
As vantagens…tenho mais flexibilidade de horário, posso organizar os horários de acordo com a minha disponibilidade, e das minhas alunas, apesar de não conseguir agradar a todas, mas tento ao máximo. A organização do horário facilita, porque se fosse num ginásio a gestão seria mais complexa. 
Tenho privacidade, não existem ruídos de outas aulas a acontecer em simultâneo como num ginásio, onde é difícil controlar esta situação, e já tive essa experiência.
Eu trabalho para mim, por isso tanto posso fazer 8 horas por dia como posso fazer 18h, trabalhar sábados, domingos ou feriados pois, não sou de fugir de trabalho. Posso criar e aplicar a criação sem pedir permissão a ninguém, mas tenho que arcar com as consequências.
Quanto aos desafios, eu faço de tudo, desde a limpeza do espaço, a organização de documentos, publicidade, contatos com as alunas, contato com parceiros, preparação das aulas, coreografias e gerir tudo isto com a minha vida pessoal e familiar. Tenho de ir à procura do que falta, sempre com a ideia de melhorar o espaço; não tenho orientação empresarial nem formação nessa área e ao mesmo tempo, procuro informações complementares para cada vez fazer melhor.
Se eu adoecer ou tirar férias dificilmente tenho alguém para me substituir. Isso é algo que tenho estado a pensar, inclusive preparar um plano B para estas eventualidades. Normalmente tento organizar com as alunas reposições antes, ou depois das datas previstas. O ganho é só meu, não tenho que dividir com ninguém, mas as contas para pagar também são só minhas.
Contudo, ainda estou aprendendo. E as vantagens e desafios vão surgindo conforme a experiência do quotidiano. Mas uma coisa posso dizer, aprendi que é preciso delegar funções para outros profissionais, como por exemplo na publicidade e marketing. Tento fazer algumas tarefas nessas áreas sempre que posso, uma vez que facilita na organização ou coordenação de outras tarefas.

7. Podes falar-nos um pouco sobre o teu método de ensino?
Ao longo desses anos fui construindo o meu método de ensino conforme as experiências vivenciadas na prática, nas aulas e em formações.  Cada pessoa é de uma forma, por isso sempre respeitei o tempo de aprendizagem de cada aluna assim como as limitações corporais que possa ou não ter. Isso implica também, criar formas diferentes de explicar o mesmo conteúdo, respeitando as diferentes personalidades.
Tenho as turmas divididas por níveis diferentes de aprendizagem, mas conforme vou ensinando e dependendo do grupo, vejo se posso avançar mais ou menos. Gosto de criar um ambiente de união, em que o grupo vai se ajudando e apoiando aos poucos, criando um vínculo de amizade e respeito entre elas. Para além de ensinar a técnica e um pouco sobre a cultura, tento no decorrer das aulas motivá-las a sair da sua zona de conforto, se desafiando e acreditando de que são capazes de muito mais, trabalhando assim, a autoestima da aluna de dentro, para fora.
Quem é minha aluna já sabe… é sagrado ter três fases na aula: aquecimento, técnica/coreografia e alongamento. Utilizo o conhecimento adquirido ao longo dos anos e das diferentes áreas da dança, para que as aulas sejam mais dinâmicas e enriquecedoras, evitando a monotonia, o desinteresse e um possível abandono. Também costumo criar jogos para conferir mais dinamismo às aulas. Recentemente, sugeri a todas que criassem uma caixinha, ou copo, com vários papéis dentro, com nomes de movimentos técnicos (sinuosos, acentuados, deslocamentos, tremidos, elemento surpresa), para as motivar a praticar e a improvisar também sozinhas em casa. 
Costumo fazer uma brincadeira a que eu chamo de “Provão do Flavão” – (prova da Flávia), cujo objetivo é trabalhar a memorização coreográfica e verificar se fizeram o trabalho de casa, através da demonstração da parte da coreografia até onde aprenderam. Aí irei verificar a sua capacidade de memorização, qualidade dos skills específicos, fluidez de movimento, coordenação, etc. Ao longo de cada período vou ensinando a técnica, mas crio coreografias para elas treinarem a aprendizagem. Então no meio da aula faço a surpresa, hoje tem “Provão do Flavão”.
Também incentivo a improvisação, visto ser muito importante para o descobrir da sua personalidade, já que cada pessoa tem uma forma diferente de executar e expressar o mesmo movimento. Trabalho também a vertente palco (ou seja, como se devem comportar num espetáculo), noções de espaço, como devem ser os figurinos, maquilhagem, até como colocar o famoso alfinete no fato de DO.

Fotografia: Direitos Reservados
8. Quais são as tuas maiores influências artísticas?
São vários artistas, mas escolho citar aqueles que de alguma forma contribuíram ou ainda contribuem para o meu crescimento profissional. Em primeiro lugar, o Henry Netto, que infelizmente já faleceu, mas admiro pela sua técnica, pela sua personalidade única, por ter enfrentado barreiras, preconceitos por ser um homem a dançar DO.
Acho incrível como a Jilina Carlano contribuiu para a evolução da DO no mundo todo, admiro muito a sua criatividade, metodologia, e visão de mercado. A Saida Helou, pela presença em palco, técnica, empresária, e mãe, porque não é nada fácil a gestão de tudo. Sinto isso na pele.
Adoro a Esmeralda Colabone, pela sua personalidade, criatividade, por ter a capacidade de unir a elegância com intensidade.
Também não posso deixar de referir, Faell Rabelo, Mahaila El Helwa, Munique Neith, Alex DeLora, Diva Darina, Oxana Bazaeva, Karim Nagi, Mohamed Kazafy, Hayal, Cris Aysel, Catarina Branco, Diana Costa, Nanda Zompero, Khaled Emam, Marcia Dib, Thais Baptista.
E saindo do universo da DO, gosto do trabalho do artista Daniel Cardoso, professor de dança contemporânea e coreógrafo da companhia Quorum Ballet.

9. Actuas em vários espaços turísticos como hotéis, restaurantes e bares na ilha da Madeira. Alguma vez sentiste algum tipo de desvalorização para com a Dança Oriental nalgum desses espaços?
Diretamente nunca fui desrespeitada, mas já soube por amigos e até familiares de alguns comentários machistas que ouviram durante as minhas atuações. Infelizmente, ainda muitas pessoas, quer pelo preconceito, quer pelo desconhecimento da cultura associada a esta dança, não conseguem diferenciar o que é sensualidade de sexualidade. E acredito que todas nós que nos dedicamos a esta área, algum dia já passaram por situações destas e sabem do que estamos a falar. 
Apesar de pontuais situações como esta, sempre fui respeitada em todos os espaços. Acredito que a forma como normalmente me apresento e adequada a cada ambiente onde vou atuar e sendo o mais profissional possível, acaba contribuindo para impor o respeito. Pois faço questão de entrar e sair dos respetivos espaços de forma muito discreta. Tanto em palco como fora dele, tento sempre impor respeito através da minha postura, olhar, movimentos e, se necessário, até verbalmente.
É isso que transmito às minhas alunas. É difícil, mas temos que “educar” este tipo de pessoas de forma que compreendam e respeitem esta dança e a cultura a que está associada, e que percebam como se comportar em um ambiente de espetáculo e cultura, seja ele num lugar fechado ou num espaço aberto.
Quanto à valorização profissional e financeira nesta área de atuação. Infelizmente muitos espaços e entidades que contratam este tipo de evento, não estão dispostos a investir num produto ou artista de qualidade. E verdade se diga, também lhes dá jeito. E na negociação pressionam sempre para obter preços baixos, referindo que têm outras soluções ou artistas do género que fazem mais barato. Isto se deve, ao facto de não existir união nem entendimento, ou até mesmo uma associação ou ordem que regule esta atividade profissional. Deste modo surgem “profissionais” que se apresentam em espetáculos sem qualidade, sem a formação e o conhecimento devido, cobrando valores baixos, para ganhar maior quantidade de trabalho. E assim, nem estes “profissionais” são respeitados e devidamente valorizados e são colocados no mesmo “cesto” juntamente com os verdadeiros profissionais que investiram e investem constantemente na sua formação, indumentária, artefactos, maquilhagens, etc. Ora isto, reflete-se negativamente no mercado e infelizmente, também para piorar as condições de trabalho em que são acordados os espetáculos, a maioria dos estabelecimentos não possui pessoas devidamente qualificadas para a função de relações publicas ou diretores de animação, que se preocupam em fazer uma análise cuidada do mercado, e que saibam separar o “bom” do “mau”.
Resumindo, o impacto negativo no mercado é tal que, na maioria das vezes optam pelo orçamento baixo e não pela qualidade.


10. Ao longo da tua carreira, já organizaste vários espectáculos de Dança Oriental, dos quais se destaca o Oriental Sahar. Tendo em conta a tua experiência, podes partilhar algumas dicas para quem também pretende organizar os seus próprios espectáculos e falar um pouco dos desafios que os mesmos comportam?
Tudo o que é grande, começa pequeno! Se você tem um sonho, não desista! Coloque o seu sonho no papel, e vá construindo aos poucos! Como frequentei o curso de teatro e o conservatório, estes me ofereceram ferramentas básicas para a construção de espetáculos. Por isso, a minha primeira dica para quem nunca organizou um evento, ou espetáculo é: façam um curso básico de organização de espetáculos. Isso fará com que se sintam mais seguros e preparados para tal.
São muitos pormenores que devemos ter em conta, como por exemplo: o local onde realizar o espaço, as licenças para a realização do evento, esquemas de luz em palco, organização de um programa, marketing, publicidade, ensaios, gestão financeira, entre outros.
Outra dica é, contactar empresas e entidades públicas ou particulares, propondo parcerias e ou patrocínios para a realização dos espetáculos. Pois realizar um espetáculo implica custos, e sem apoios, considero um grande desafio.
Como disse no início, se você tem um sonho… vá construindo aos poucos. Eu sempre tive o sonho te levar a DO para os palcos de teatro, seria a combinação perfeita para mim, mas sabia que seria difícil, mas não impossível.
Em 2017, fiz a primeira tentativa de apresentar o trabalho das alunas do EOFR no quintal da minha casa. Lembro-me de colocar a família toda na organização, na decoração do espaço…convidei os parentes das alunas e apresentamos. Foi um evento bem simples, mas que funcionou bem e todos deram um feedback positivo.
No segundo ano 2018, organizei um projeto, tomei coragem e fui pedir apoio. Consegui realizar com muito trabalho, dedicação e apoio da família. Posso dizer que a construção do projeto e organização do evento, foi desde fevereiro até julho, e até após o evento… sim ainda tem trabalho após o evento.
Em 2019 e 2020 tive esse meu objetivo suspenso e adiado por causa do Covid-19 até 2021. Assim, em 2021 realizámos o evento novamente, ainda com um certo receio devido à pandemia, mas com todos os cuidados possíveis, no entanto, a vontade de o realizar era superior ao medo. A cada ano vão surgindo novos desafios, mas também aquisições, por exemplo neste ano tivemos um fotógrafo e um cameraman para registar o espetáculo.
Concluindo, é preciso dar o primeiro passo, acreditar que é possível, e realizar tudo com amor!

11. Que características achas indispensáveis numa professora de Dança Oriental?
Respondo a essa questão tendo em conta a minha experiência de vida, tanto na sala de aula como fora dela. 
Para mim uma professora em primeiro lugar deve ter paciência, ter calma, porque cada indivíduo responde de forma única, e nem sempre vai responder da forma e no tempo que nós esperamos. Saber motivar o aluno/a independentemente das suas limitações, acalmá-lo, e mostrar que é possível no seu tempo com dedicação chegar ao seu objetivo final, mesmo que não fique perfeito. Por mais que tenhamos um plano anual, trimestral, mensal ou mesmo semanal, temos que ter em conta que nem sempre é possível seguir à risca esse plano. Pois é preciso ter respeito pelo nível e tempo de aprendizagem de cada aluno/a.
Considero também características importantes a organização e deve estar sempre presente. A comunicação também é importante, pois não adianta saber tudo, e não conseguir comunicar, transmitir o conhecimento. Improvisação, conseguir arranjar estratégias para solucionar um problema. Por exemplo, arranjar maneiras diferentes para ensinar determinada técnica.
A vida esta em constante atualização, assim como o conhecimento. Ser um professor com os mesmos métodos e pensamentos de 10 anos atrás não vai ajudar. Por isso a necessidade de estar em constante formação/atualização, conhecer mais sobre determinado assunto da área, e não só, vai agregar mais ferramentas para que o professor possa diversificar sua forma de lecionar. Estar em constante atualização, vai ajudar até na criatividade, porque quanto mais sei, mais posso explorar.
E por fim, deixo algo que na minha opinião é muito importante, humildade! Saber reconhecer que não sabe de tudo, ser humilde para dizer ao aluno, “não sei, mas vou procurar saber!”



12. Qual a tua visão sobre o nível de dança das bailarinas nacionais que se dedicam à Dança Oriental?
Ainda não conheço o trabalho de todas as bailarinas profissionais, mas as que conheço, admiro-as muito pelo seu talento, conhecimento e profissionalismo. Temos muitas bailarinas experientes, inteligentes, que buscam constante atualização na área, e isso é de valor.
Posso dizer que o nível é alto, as bailarinas portuguesas na minha opinião, são muito exigentes quanto à formação e sua qualidade que escolhem seguir. Mas, ao mesmo tempo, pecam por serem demasiado competitivas entre colegas.
Saber elogiar e reconhecer o trabalho de outras colegas de forma sincera, e criticar de forma construtiva, é crescer também profissionalmente. Quanto mais qualidade houver no ambiente e união entre colegas, mais o nosso mercado irá crescer, não só em qualidade, mas também em quantidade. E isso é muito bom para todas, mais eventos, mais espetáculos, mais alunas, mais DO nacional.
Como estou aqui na ilha, o contato com outras colegas torna-se mais complicado. No entanto, o que sinto quando vou ao continente para formações, é o ambiente “pesado” entre as colegas (devido á tal competitividade e individualismo já referido), o que não é nada enriquecedor e agradável para ninguém.
Eu sei que é difícil equilibrar todos os aspetos, pois trabalhamos numa área que mexe muito com o ego, mas precisamos estar atentos e tentar controlá-lo. Eu creio que, se soubermos olhar à nossa volta, sabendo admirar de forma sincera o trabalho do outro, nos torna mais seguras, fortes, unidas e criativas.
Ser bailarina de DO não é nada fácil, e principalmente no mercado atual. Apesar disso, vejo que as profissionais continuam a trabalhar de forma resiliente mantendo esta arte viva, e por isso estão de parabéns!

13. O que achas que se pode fazer para a Dança Oriental se desenvolver mais em Portugal?
De acordo com a minha experiência até o momento e além do já referido, considero que o desenvolvimento da DO começa na sala de aula, na forma como educamos a nossas alunas para o futuro, orientando e respeitando os seus objetivos. Devemos mostrar a realidade, conversando com sinceridade sobre todos os aspetos que esta arte inclui.
Trabalhar mais o coletivo e menos o individualismo; quanto mais respeitarmos o trabalho dos colegas, e procurarmos parcerias, mais fortes estaremos para expandir a DO a nível nacional. Por exemplo, poderíamos promover eventos em diferentes regiões do país, com apoios claro, para angariar mais expectadores, praticantes e consumidores desta arte.
Incentivar a dança como uma atividade física assim como essencial para um bem-estar físico e psicológico. Ao explorarmos mais estas vertentes, estaremos a cativar mais pessoas para a prática da DO. Pois existem muitas pessoas que não se identificam com os ginásios e procuram na dança os benefícios físicos para a saúde.



14. Podes dar algumas dicas às bailarinas que querem seguir a área da Dança Oriental de forma profissional?
Apresentem-se dignamente, respeitando a própria dança, a sua cultura e o publico com humildade perante as suas próprias limitações. Valorizando o seu próprio trabalho tendo em conta o preço e as condições das atuações, o investimento na formação, no vestuário, nos acessórios, maquilhagem e lutando com as demais bailarinas para obtenção de valores médios, reais ou justos, respeitando a si própria e à comunidade de bailarinas profissionais.
Esteja sempre atualizada, em constante formação e estudo sobre esta arte, e se possível, adicionem outras que também a complementam. Por exemplo, outras áreas de dança, ou de atividade física, marketing, publicidade, cuidados com a imagem, entre outros. Mas não precisa de saber de tudo o que está relacionado com as outas áreas. Por isso, muitas vezes, temos de delegar funções, investir em profissionais que possam ajudar nos aspetos acima referidos.

15. Podes nomear uma atuação de Dança Oriental/Fusão que te marcou? Quais as razões que te levaram a sugerir esta performance?
Se pudesse, mostrava a primeira vez que vi a DO ao vivo, pelos rapazes que referi no início da entrevista, do qual mudou totalmente a minha vida. Foi a partir daquele momento que me apaixonei pela DO. Mas como não é possível, refiro aqui uma segunda atuação que me marcou, e também é uma forma de homenagear, embora gostava que fosse em vida. Refiro-me ao bailarino Henry Netto, que tive a oportunidade de conhecer, de ser sua aluna, embora pouco tempo.
A primeira vez que vi o Henry (pode parecer cliché), foi na novela O Clone. Fiquei admirada por ver tanto talento, e a sua técnica era admirável. E ainda por cima, tratava-se de um homem dançando DO.
Nem imaginava que no futuro estaria ao seu lado, aprendendo a sua técnica, a famosa “serpente no chão”, que tanto admirava, e até hoje, sempre que a ensino às minhas alunas, me lembro dele.
Eu não sei se foi bom ou não, mas o fato de aprender a dançar com homens, sinto que me fez olhar para a dança de outra forma. Não sei se consigo transmitir, mas é como se uníssemos o universo feminino, ao masculino. Então deixo aqui o nome, e alguns vídeos para quem não conhece, possa ver este mestre que lutou contar um cancro e, até ao fim, sempre amando, e se dedicando à dança. Henry Netto não deve ser esquecido!


16. Quais são os teus próximos projectos e objectivos profissionais?
No momento que vivemos, o objetivo principal é ter saúde, e é o que peço todos os dias. O restante virá por acréscimo. Os planos são, continuar a trabalhar para que o Espaço Oriental Flávia Reis se torne cada vez mais um espaço acolhedor e dinâmico, para todos que buscam os serviços que este tem para oferecer. Outro objetivo é realizar a 3ª edição do Oriental Sahar, se Deus quiser, e quem sabe convidar um colega ou colegas a nível nacional para vir participar. Que eu consiga contribuir com o meu trabalho para o enriquecimento da cultura da população, e continuar a levar a arte da DO, emocionando, entretendo o publico local e até fora da Ilha.
Em fevereiro o EOFR e a bailarina Flávia Reis, terá uma nova cara, um novo meio de informação, de comunicação, para quem busca os serviços. É só acompanhar as redes sociais no Instagram, Facebook e YouTube, e ficarem atentos as novidades. Aproveito para gradecer a oportunidade de ser entrevistada pela DOP, a Rita Pereira pelo profissionalismo, e a todos que conseguiram chegar ao fim desta entrevista sem adormecer.

Entrevista DOP - Flávia Reis
Por Rita Pereira
Janeiro de 2022