COMING UP | Spiderman: No Way Home
Coração é a melhor palavra para descrever a epopeia de No Way Home. Não só porque brinca com as nossas emoções com fan services que quase nos fazem saltar da cadeira da sala de cinema para aplaudir de pé, mas também porque faz muito pelo personagem de Tom Holland. Do riso às lágrimas, a nova longa-metragem do herói é um trabalho magistral da arte de fazer cinema mainstream sem medo de criar expectativas e com a noção perfeita de que vai conseguir entregar tudo e nos deixar rendidos. É lindo, numa relação apaixonante de fã com a história que supera até os clássicos da primeira trilogia de Tobey Maguire. É espetáculo a cada frame com a maestria de nos conseguir surpreender mesmo depois de grande parte do grosso do filme ter saído antes de tempo. Sabe tudo o que temos para dizer sobre No Way Home em mais uma edição do Coming Up.
Parece que o Natal chegou mais cedo para quem é fã da Marvel e depois de duas longas-metragens com Tom Holland em que o seu Peter Parker tinha cravado a personalidade de um típico herói da Disney chegou a hora de crescer e entregar o verdadeiro valor do talento do ator num projeto que traz muitos fan services mas traz emoção sem fim com uma carga dramática que rompe as barreiras da conceção do herói da vizinhança e o leva para outro lugar, com uma força que nem sabíamos que ele tinha.
Tom Holland destrói e desconstrói paradigmas, arrasando na comédia, como é habitual nele, mas elevando a fasquia nas cenas em que o personagem mergulha nos seus sentimentos de vingança e ódio numa interpretação que vai beber muito dos recentes projetos do ator no cinema.
Para quem viu Cherry já se sabia que Tom Holland é muito mais que uma carinha laroca. Aqui ele traz para Peter Parker toda essa capacidade de mudar as suas personagens sem as tornar incoerentes. Por mais que o vejamos em situações limite e que ele entregue nos ecrãs raiva e ódio não deixamos de ver o mesmo personagem que tínhamos antes ali.
É um círculo que se fecha para abrir espaço para que ele cresça e deixe de ser encarado como uma criança. No fundo, se há algo que este No Way Home vem acrescentar ao MCU é o peso da responsabilidade de termos agora um Peter Parker adulto, um Peter Parker que está pronto para fazer o caminho que Tobey Maguire faz em Spiderman 3, porém com o background suficiente para não se deixar inebriar com o poder e a fama.
Sem que pudéssemos antecipar isto, o Peter de Holland tornou-se no Spiderman mais capaz de toda a história do herói tanto no ecrã quanto na Banda Desenhada, com um detalhe especial, a distorção da morte do Tio Ben trocando-a por May e numa fase em que ele já se provou como herói carrega um peso diferente para essa perda.
Já não é apenas uma questão de responsabilidade e de lhe dar uma real noção do peso dos seus atos e funções, é mais que isso, é provar-lhe que ser herói é estar, muitas das vezes, no papel da vítima, e dar-lhe uma real consciência de que ele é um alvo constante.
O filme faz esta construção de narrativa muito bem e sem desvirtuar o lado engraçado e amigável do personagem, que tantas criticas gerou aquando do lançamento de Spiderman 3. Conseguiram o pleno: Fazer o personagem crescer sem o perderem e ainda deram palco para Holland brilhar num projeto mainstream que lhe vai abrir ainda mais portas.
Foram meses e meses de promessas de participações que encheram os olhos dos fãs numa jogada de marketing subvertida que deixou que os leaks fizessem o trabalho todo mesmo mantendo o mistério até ao final. E no final das contas funcionou de forma perfeita.
Para quem conseguiu evitar os spoilers estar sentado naquela sala de cinema tornou-se num autentico trabalho de detetive tentando encontrar pistas em cada cena para possíveis aparições especiais. Assim que Matt Murdock surge em cena soubemos que tudo era real e que era uma questão de minutos até termos Andrew Garfield e Tobey Maguire.
Mas melhor que isso é ver que numa única cena conseguimos ter a introdução perfeita de Matt Murdock sem necessitarmos de monólogos autoexplicativos para o público. Chegou, fez o seu já habitual discurso cativante de advogado que já deixava saudades, e ainda mostrou a sua destreza apresentando o personagem da forma que todos queríamos sem que o filme precisasse de se debruçar sobre ele e conseguisse avançar para o ponto seguinte.
Por mais elementos que No Way Home tenha, conseguiram gerir o tempo de uma forma magistral e dar sentido a cada detalhe num trabalho de argumento que exige arcaboiço e que acaba por funcionar ainda melhor que Endgame.
No fundo, o último filme dos Avengers tornou-se num experimento que fez escola e que agora tem frutos em No Way Home, numa projeção que promete não ser a ultima do género dentro do MCU e que pode ser a chave para juntar os universos da Disney e da FOX numa única linha narrativa.
Andrew e Tobey surgem de uma forma bem natural, com bastante conveniência à mistura, mas uma conveniência que é perdoada pela beleza e homenagem que fazem às suas histórias. Mais do que entregar as duas versões cinematográficas anteriores do herói, o filme dá ainda seguimento a tudo o que ficou no ar por contar em possíveis sequências nunca realizadas dos dois personagens.
Isto além, claro, de manter bem próxima a realidade de cada Peter e mostrando como o personagem foi passando por mutações ao longo do tempo. Por mais que a base seja a mesma, os três Peters são diferentes, e muito, o evento absoluto (trabalhando o conceito apresentado em What If?) é o mesmo, mas o destino foi diferente com pontos que confluem nas narrativas dos três mas que têm resultados diferentes e os levam a ter ramificações bem peculiaridades nas suas timelines.
O filme além de nos entregar este contexto ainda brinca com as alterações que o tempo fez ao personagem para o tornar mais credível, como a questão da teia. Mas não se ficam por pequenas aparições, é dado um seguimento que apresenta um felizes para sempre para Peter e Mary Jane, enquanto mostra que o Peter do Amazing Spiderman nunca se refez do seu luto.
Um conteúdo que é interessante sobretudo para a cena final, em que Andrew salva MJ e consegue naquele momento fazer as pazes consigo mesmo. Tudo isto sempre com bom humor, piadas divertidas sem serem forçadas e mantendo personalidades fieis às histórias individuais de cada um.
Nenhum deles ficou drasticamente diferente com o passar do tempo, Tobey talvez venha com mais experiência, fruto da idade, mas Andrew continua a ser um Spiderman que precisa de atenção e que em alguns momentos demonstra uma carência bonita de afetos que poderia ser ainda mais explorada no futuro. Até porque convenhamos, há ali brechas que deixam espaço para mais Andrew no futuro, esperemos que a Sony e a Disney tenham noção disso.
E os vilões? Tal como os heróis, também eles trouxeram coerência para o enredo. Faltou espaço para vermos um pouco mais de alguns deles. Por mais que já sejam figuras instituídas pelas suas produções originais, trazê-los de volta para participações lineares e em alguns casos particulares até rasas torna esse esforço pouco merecedor. Faltou vermos mais de cada um deles. O filme pedia esse tempo.
Talvez tenha sido o mais próximo de uma falha neste projeto, mesmo que não seja algo que estrague por completo a experiência. Alfred Molina brilha com a mesma entrega que teve antes, Jamie Foxx mostra que tal como Andrew está mais que disponível para continuar no ativo, e William Dafoe foi tão bom quanto o que podemos esperar apesar de tanto ele quanto Tobey nos deixarem com uma sensação de que eles já estavam a fazer aquilo como algo de divertimento puro, como um intervalo na sua reforma de bockbusters.
Parece que nem um nem outro estavam interessados em sobressair mais do que aquilo que fizeram, e está tudo certo com isso, mas deixa a nu uma disparidade que retira algum impacto nas cenas, sobretudo por serem as duas figuras que lançaram o Spiderman como personagem que conhecemos hoje nos cinemas.
Por outro lado, em matéria de elenco, Zendaya está absolutamente destrutiva neste filme. Com o seu traquejo em backbusters, ela dá nuances e roupagens tão diferentes às suas personagens que só nos deixa com vontade da aplaudir mais e mais a cada cena. Não sabemos se é mérito da atriz ou do texto, mas esta MJ está a anos luz de qualquer uma das parelhas anteriores de Peter Parker no cinema, é muito mais ativa e obstinada, tem mais vida e menos estereótipos com força para ela própria se tornar uma heroína em breve, mais ou menos na mesma linha do que aconteceu com Katy em Shang Chi and The Legend of the Ten Rings.
Já Ned, a magia não lhe caiu no colo por acaso e mais cedo ou mais tarde ele pode assumir uma identidade que pode colocá-lo frente a frente com os maiores magos do MCU.
Spiderman: No Way Home não se limita a cumprir, não se limita ao fan service. É mais que isso, dá força, contexto, tem ritmo, cor e os efeitos necessários para o tornar no melhor filme de ação deste ano.
É um recomeço e um final no mesmo projeto, entregando uma das melhores produções da Marvel Studios ao mesmo tempo que derruba o primeiro e clássico Spiderman do título de melhor adaptação cinematográfica do personagem. A beleza de ponta a ponta com personagens que destroem em cada cena é louvável num produto que é feito para os fãs e claramente foi desenhado, também, por fãs, chegando em alguns momentos a ser mais impactante do que Avengers: Endgame, sobretudo pelo marketing.
Enquanto uma grande percentagem das surpresas de Avengers: Endgame já eram previsíveis pelo calendário antecipado da Marvel, aqui as surpresas chegam pela confirmação, porque por mais que já desconfiássemos que os rumores fossem reais nunca esperamos que conseguisse trazer tantas menções num único filme e que no final conseguissem fazer tudo ter sentido.
Em resumo, No Way Home deixa a fasquia ainda mais elevada para a próxima trilogia de Peter Parker no cinema e faz-nos desejar por ver mais de Andrew Garfield e Jamie Foxx, sobretudo agora que eles mostraram vigor para continuar e que há uma espaço como o Disney+ que deixa abertura para que as histórias se desenvolvam mais e a um ritmo que o cinema torna incomportável.
É tudo tão bonito e bem feito que os elogios se tornam poucos. Regressa depressa Holland, já deixas saudades.
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