COMING UP | The Wheel of Time
Vivemos numa era em que as séries mais badaladas seguem (na sua maioria) o molde dos épicos com grandes e densas narrativas literárias recheadas de camadas e contextos. Contudo, o molde não é a prova de um sucesso instantâneo e The Wheel of Time é o mais recente exemplo disso. Com todos os elementos para se tornar em algo que nos agarrasse logo à primeira vista, a nova aposta da Amazon Prime chega sem substância, com uma história que parece ser interessante mas que tem um ritmo pouco cativante e que em alguns momentos chega a ser cansativa. Um desperdício do talento de Rosamund Pike que vamos analisar esta semana na nova edição do Coming Up. Fica connosco!
O streaming tem-nos habituado a que tudo seja grande, aliás, gigantesco, com grandes orçamentos, grandes atores, histórias com um arcaboiço colossal que vêm dos cantos mais recônditos e carregados de fantasia que na maioria das vezes acaba por funcionar, contudo, essa lógica ou tentativa de replicar uma e outra vez essa fórmula acaba por aumentar a exigência construindo uma mente de crítica coletiva, com muita base de comparação, que nos leva a encontrar defeitos rápidos nas novas produções.
Correndo o risco de não deixarmos a The Wheel of Time tempo suficiente para se construir, podemos dizer já que esses novos standarts são um carrasco para esta nova trama e tudo porque quando comparada com os dramas que comungam do mesmo público como Game of Thrones, The Witcher ou His Dark Materials, The Wheel of Time falha em trazer a magia para o ecrã.
Comecemos pela proposta que se baseia na tese mais que replicada de ter um eleito como centro da ação. Aqui até há uma nuance e em vez de termos um escolhido como em Lord of The Rings ou Harry Potter, trabalhamos com um grupo de protagonistas que estão destinados a grandes feitos que prometem mudar o destino do mundo. Logo ali o enredo tem uma prova de esforço para tentar reverter as tendências e clichês que este plot oferece, e com distinção essa prova é falhada e entramos num ciclo de revolta, de não aceitação de responsabilidade, de dúvidas. Enfim, uma sequência de estados de espírito pela qual uma grande maioria dos protagonistas de séries e filmes de fantasia passam no início de cada saga.
Falta-lhe um fator diferencial, o que nos faz entrar neste universo com um pé esquerdo, como se já pudéssemos antever todos os caminhos que os personagens vão seguir. Quando o quinteto é apresentado até nos parece ter sumo para mais, com personalidades vincadas e sem a típica ilusão de que são humanos perfeitos. Porém o caminho seguinte é humaniza-los e explorar os sentimentos habituais, entramos num loop sobre relações amorosas entre eles, sobre a amizade e confiança e a partir daí o interesse que nos tinha despertado perde-se sem que o ritmo da série seja suficiente para sustentar essa abordagem mais básica sobre os protagonistas.
Na maioria do tempo temos diálogos que não nos revelam nada que não saibamos já, com dilemas que são estendidos e repetidos em todas as conversas ao longos dos primeiros três episódios num rodopiar que acaba sempre no mesmo ponto.
Perrin, pelo seu pico dramático do primeiro episódio, é aquele que tem mais sumo porque terá, em algum momento, que contar a verdade dos factos e assumir e lidar com a culpa do seu acidente. Mas apesar de esse ponto de interesse é estranho que o argumento esteja a conduzir a personagem da mesma forma que segue os outros quase que ignorando as emoções daquele rapaz.
No fundo sente-se que há muito sumo, muito material, mas que não foi feita uma matemática de espaço. Os episódios são longos, até demasiado para alguns momentos em que andamos às voltas nos mesmos dilemas, mas parece que a história não aproveita esse tempo para oferecer soluções aos problemas.
Perdemos tempo com essas conversas entre os protagonistas por várias vezes ao longos dos três episódios mas não arranjam espaço para explorar as consequências dos eventos anteriores. Para um completo leigo sobre os livros que dão origem à série, a sensação que estes três primeiros capítulos nos deixam é que a produção tenta a todo o custo introduzir todos os detalhes de uma obra que nas páginas dos livros funcionam mas que aqui são tão passados ao de leve que acabam por se tornar confusos e vazios.
Há alguns conceitos que são bem estabelecidos, mas há uma série de conceitos que ficaram perdidos nas entrelinhas que não são percetíveis única e simplesmente porque a série prefere encher-se de pequenos fillers no grosso dos episódios como prelúdio para os momentos de grande luta que acontecem sempre no final do episódio e que até parecem descoordenados porque parece que estamos a ver um enredo muito denso e com carga para de um momento para o outro passarmos para sequências de ação incríveis apenas para deixarmos ganchos para o episódio seguinte.
E vamos às lutas. Nestes primeiros episódios de apresentação a mecânica de ter uma batalha com toques épicos é mantida, mesmo que esse seja um dos principais pontos fracos da obra. Não que lembre momentos de luta pouco elaborados como os de Luke Cage, mas sim porque os efeitos visuais estão vários furos a baixo quando comparados com outros títulos de orçamento semelhante ao de The Wheel of Time.
As origens deste enredo estão entrelaçados com criaturas místicas, que são um dos grandes motores do desenvolvimento, contudo, apesar da sua importância para que a história avance, parecem ter ficado em segundo plano na linha de cuidado da série. São figuras de CGI, que se notam que são de CGI, e que desvirtuam em muitas situações por se reconhecer à partida as falhas técnicas. Estaria tudo bem não fosse o público ter uma base de comparação gigantesca que mostra que aquelas mesmas cenas poderiam ter sido feitas de forma muito mais cuidada e transmitir uma veracidade que aqui não existe.
No primeiro episódio chegamos mesmo ao ponto do desinteresse quando nos apercebemos de detalhes que não não passam essa mensagem de verdade e logo ali parece que nos deixa com uma vontade de desistir.
Mas no meio desta criação de figuras peculiares, chamemos-lhe assim, há que dar ponto positivo para quem fez a adaptação dos Sem Olhos, que têm no seu aspeto um visual que bebe muito do terror e que pode ser uma pista para uma reviravolta que realmente nos faça conectar com a série.
Essa falta de conexão e de afeição estende-se, também, à protagonista Moraine que num primeiro olhar, pela sua postura enigmática, nos absorve para dentro da história e nos deixa com vontade de saber mais mas depois acaba por embarcar no sentimento de vazio que acompanha todos os outros protagonistas da história.
Para quem já viu Rosamund Pike brilhar uma e outra vez, esta sua personagem parece um frete, uma obrigação, com a qual ela não tem a mínima envolvência. Não compramos a paixão dela pelo papel, e isso é notório à medida que os episódios vão avançando. Parece que lhe falta chama, que lhe falta vontade de nos surpreender.
O texto pouco ou nada ajuda, dando-lhe um arranque poderoso para depois a fragilizar logo de seguida sem que tenhamos tempo para nos encaixarmos na extensão do seu poder. É quase como se a série tentasse apresentar-nos uma abordagem feminista com figuras marcantes mas depois abandonasse a ideia para se dedicar muito mais às figuras masculinas, que parecem carregar segredos e dilemas muito mais interessantes.
Então fica um limbo que não faz sentido e que se compromete a ser uma coisa que depois não é continuada. Parece quase que está a servir única e exclusivamente para satisfazer uma causa, mas que na verdade a sua orientação é muito mais tradicional, despida de ousadia.
A cena em que vemos Moraine utilizar os poderes a primeira vez perde ainda mais impacto pela falta de um cuidado no visual do seu ataque. É tudo tão trabalhado em computador que a própria imagem parece uma dança desconexa que empobrece um momento de empoderamento da figura.
Com vontade de explorar e criar fundações de um novo universo de sucesso, The Wheel of Time encaixa no ditado que diz “muita parra e pouca uva”. Chega com trailers vistosos, um plot que iria entregar uma linguagem diferente concentrando o poder nas mulheres com diálogos feministas que poderiam ser um marco, mas falha em quase todos os pontos num embrenhado de conceitos trazidos às três pancadas dos livros para a série sem que exista a minúcia de fazer as coisas com calma.
É quase como se os produtores antevissem o sucesso e se desleixassem porque esta encaixa na fórmula que está a dar frutos em todo o lado. Este tipo de histórias que constroem civilizações cheias de detalhe e pormenor são bonitos bordados nos livros mas quando transpostos para o ecrã têm, obrigatoriamente, que vir com ideias claras e definidas sob pena de se tornarem numa salganhada em que cada explicação se resume a uma fala ou algo extremamente explicativo que coloca em cheque a nossa inteligência. Aqui a comparação é um ponto decisivo para embarcarmos nesta aventura, e, sinceramente, queremos o nosso bilhete de volta.
Há inúmeros exemplos de épicos nos dias atuais, quase todos os estúdios têm o seu, mas a Amazon talvez tenha querido ir mais depresso do que devia entregando um produto que não foi suficientemente trabalhado e que para o grande orçamento que tem fica a desejar. Talvez esse valor tenha ido diretamente para o elenco, que esse sim, é um dos grandes aspetos positivos da série, mas não chega e nem nos desperta interesse para ver mais.
É tudo triste, pois esta era uma das histórias com potencial para tornar a Amazon Prime ainda mais relevante, mas acaba por provar que ainda não é competição para a Netflix, Warner ou Disney, pelo menos na fantasia. Um percurso que poderia ter bebido muito mais da originalidade de The Boys, sobretudo na produção visual, mas que fica a meio caminho. Salvem a Rosamund e dêem-lhe papéis que lhe façam justiça.
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