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Entrevista DOP - Raquel Correia



Raquel Correia é uma reconhecida bailarina e professora nacional de Fusão. Na terceira edição desta iniciativa entre Fantastic - Mais do que Televisão e o projecto Dança Oriental Portugal, a artista falou-nos do seu início na dança, da paixão pela Fusão e sua nomenclatura, da importância do vídeo para a divulgação do trabalho das bailarinas, da sua experiência a dançar na rua e participação em videoclips de artistas consagrados, entre outros temas.

1. Como surgiu a tua paixão pela Dança e, em particular, pela Dança Oriental e Fusão?
Desde pequena que sempre vibrei com as artes performativas. Adorava musicais e tudo o que tivesse movimento e cor. Sempre foi algo que senti que faria parte da minha vida de alguma forma. Aos 11 anos, a minha mãe inscreveu-me numa modalidade que na altura se chamava Street Dance e desde então a dança faz parte do meu quotidiano. A Dança Oriental surgiu num feliz acaso. Quando fui estudar Cinema na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, tive de abandonar o grupo de representação de Danças Urbanas do qual fazia parte, em Almada onde sempre vivi. Na altura experimentei a única aula para adultos disponível: Dança Oriental. Apesar de ter permanecido muito pouco tempo nesse espaço ficou o bichinho :) Mais tarde fui descobrindo os vídeos de Fusão Tribal (a primeira bailarina que me hipnotizou foi Sharon Kihara) e fiquei logo apaixonada. Como era uma modalidade com muito pouca expressão em Portugal só quando fiz Erasmus em Madrid é que encontrei uma aula de fusão que pudesse frequentar na escola Nieblas De Avalon da Morgana. Só mais tarde no final de ano lectivo de 2011 é que descobri o estúdio Mahtab - Danças Étnicas e ai encontrei professoras fantásticas de Dança Oriental e várias fusões.

2. Quais são as tuas maiores influências artísticas?
Esta é uma pergunta difícil no entanto posso dizer que a primeira mulher que me marcou na área da Dança foi curiosamente na área do vídeodance: Maya Deren. Além do seu trabalho fascinante (se tiverem oportunidade de ver aconselho vivamente) fez-me perceber que a Dança, independentemente do caminho que escolha para a minha vida estará sempre presente e acima de tudo que é um veículo de expressão e de arte extraordinário. Além disso o Cinema, as estórias e a mitologia influenciam mesmo muito o meu trabalho como bailarina e coreógrafa, é algo que surgiu naturalmente desde dos meus primeiros solos. No entanto falando de bailarinos, além da minha mestre Cris Aysel que é uma excelente bailarina e professora e penso que a maioria dos leitores desta entrevista já a conheça logo creio que dispensa grandes apresentações, na área da Dança Oriental. Outra bailarina que sempre me encantou pela sua criatividade, qualidade de movimento, escolhas artísticas e respeito pela Dança Oriental é a April Rose. Também aprecio muito o trabalho e musicalidade incrível do Illan Rivière. Vale a pena também mencionar o trabalho da Olga Meos pela sua criatividade e as suas excelentes formações. A Dança Contemporânea também me inspira muito e destaco o trabalho da companhia de dança portuguesa Quorum Ballet.



3. Apesar de seres profissional das duas artes, a Fusão é a que mais te arrebata o coração. Consegues explicar algumas das razões?
Na Dança Oriental de Fusão é onde encontro a minha verdadeira essência, onde me sinto mais eu. A Dança Oriental é fantástica, as suas movimentações são fascinantes e tem um “groove” que nunca encontrei na Fusão Tribal. Eu adoro dançar Dança Oriental dita “clássica”, mas foi na fusão que encontrei uma liberdade viciante de contar estórias e desenvolver o meu eu criativo de uma forma que nunca tinha feito, houve uma identificação imediata. Também algo que me me cativou na Fusão Tribal foi o trabalho de body control que obviamente vem do do isolamento da Dança Oriental mas ainda o leva mais a um “extremo”. A Fusão tem uma possibilidade enorme de influências e desde que se mantenha fortemente enraizada no trabalho de Dança Oriental, é algo que poderemos desenvolver infinitamente. Para mim a Fusão e a Dança Oriental estão intimamente ligadas e não as vejo como duas danças totalmente diferentes. Vejo a Fusão Tribal como um braço da Dança Oriental que esteticamente difere muito na forma como desenvolve o movimento, recebe influências e trabalha as performances mas vejo o trabalho de Fusão profundamente enraizado no bellydance.

4. Quando e como é que decidiste tornar-te professora de dança?
Comecei a leccionar em 2014 no estúdio All For Dance a convite da minha professora Cris Aysel, que foi a primeira a acreditar em mim e por isso serei eternamente grata. Descobri que adorava ensinar e ver as minhas alunas crescer. Como sou naturalmente muito metódica sempre gostei de preparar aulas. Tentei sempre planear de maneira a que as minhas alunas usufruíssem da melhor forma das minha aulas. A oportunidade de estudar com muitos professores de várias modalidades ao longo meu percurso deu-me acesso a várias metodologias e aprendizagens o que permitiu reconhecer rapidamente que processos faziam sentido para mim e para as minhas alunas.. A partir daí foram surgindo outros convites para ensinar e abracei-os sempre com entusiasmo.

Fotografia: Direitos Reservados

5. Ensinas em vários espaços em Lisboa (Antigo Espaço Dançattitude, All for Dance & Movimento Presente). Podes falar-nos um pouco sobre o teu método de ensino?
O meu método de ensino está em constante evolução e procuro sempre desenvolver novas metodologias com as minhas alunas. Gosto de desafiá-las a crescerem cada vez mais. As minhas aulas têm um forte componente de técnica e também um grande foco no trabalho da qualidade e dinâmica do movimento. Incentivo sempre uma participação ativa, gosto de garantir que percebem como se descobre o movimento no corpo, o porquê das escolhas coreográficas etc. Acredito que o processo de criação é realmente transformador e por isso todas as alunas são altamente incentivadas a fazerem-no, obviamente respeitando o tempo de cada uma, seja através de desafios coreográficos ou de improvisação. A Fusão Oriental é uma modalidade ainda com pouca procura em Portugal, no entanto no ano passado finalmente consegui criar aulas com vários níveis de modo a poder trabalhar a fusão de forma muito mais completa e aprofundada. Este ano inclusive pretendo abrir em Outubro uma nova aula Nível 0 para alunas que gostam de fusão que não tenham tido oportunidade de entrar em contacto com Dança Oriental, o que me permitirá ainda mais especializar o ensino de cada aluna.

6. O nome Fusão Tribal ou ‘Tribal Fusion Bellydance’ parece ser, para muitas artistas da área, um nome pouco adequado para designar o trabalho com a fusão. Qual é a tua opinião relativamente à nomenclatura da dança?
Na verdade o nome “Tribal” nunca foi uma escolha particularmente feliz pois não ilustra de forma alguma a dança em questão e induz em erro pessoas que não estão familiarizadas com a Dança Oriental e as suas fusões. A polémica da mudança do nome começou nos Estados Unidos onde a conotação da palavra “tribal” não é mesma que temos aqui em Portugal ou na Europa, logo não vejo esta terminologia como algo nocivo mas sim pouco adequado. No entanto temos de admitir enquanto comunidade que a escolha da palavra “tribal” não foi reflectida nem fundamentada num estudo profundo das influências a que ia buscar a sua inspiração, então realmente faz sentido uma mudança de nome mais reflectida e sustentada. Neste momento muitas bailarinas da comunidade internacional e nacional abandonaram esta nomenclatura. Pessoalmente continuo a usar a terminologia “Tribal” de forma intercambiável com “Fusion Bellydance/Fusão Oriental” (apesar de achar este segundo termo demasiado genérico, e na verdade existem muitas “fusões orientais” que diferem muito da Fusão Tribal). Não quer dizer que não abandone o termo “Tribal” num futuro próximo. Ainda assim, tenho em conta que a comunidade de Fusão é pequena, principalmente em Portugal (e quando falo em comunidade não falo só de bailarinos e professores mas também de alunos e curiosos). Continuarei por enquanto a usar os dois termos. Estas questões são muito mais urgentes para nós bailarinos e professores de dança, mas para muitos alunos e interessados muitas vezes estas discussões passam totalmente ao lado. E apesar de acreditar que é nosso papel informar os nossos alunos, acredito que uma mudança de nome mais gradual possa beneficiar a procura de aulas e criar menos confusão em futuros alunos. De qualquer forma, mais importante que mudança de nome é necessário estudo, reflexão e amor pela Dança Oriental e respeitar todas as influências com que premiamos a nossa dança.


7. Já dançaste várias vezes nas ruas de Lisboa com a tua amiga Sabrina Ferreira (com quem tens o grupo Aliqua Bellydance). Podes falar-nos um pouco de como surgiu esta ideia e que ensinamentos tiraste desta experiência?
Juntamente com a minha amiga e colega Sabina fizemos performance de rua, de forma regular durante todo o ano em Lisboa e Algarve, durante 6 anos. A ideia surgiu da Sabina e no início achei que ela era maluca (risos) mas algo em mim sabia que iria ser uma boa oportunidade. Foi uma experiência profundamente enriquecedora, permitiu-me crescer muito enquanto bailarina (fazíamos cerca de 3/4 actuações diárias, 5 dias por semana), desenvolver o meu lado artístico e criativo mas também permitiu conhecer-me muito enquanto pessoa e aprendi muito sobre o ser humano. Conheci pessoas maravilhosas e vi muito shows inspiradores. Quando fazemos performance de rua o público não é garantido, ninguém nos “pediu” para actuar ali, não temos cachet assegurado, logo temos de ter uma capacidade muito maior de criar uma sensação de deslumbramento no público, e isso foi algo que fomos aprimorando com o passar do tempo até criar um sistema que sabíamos que funcionaria muito bem. Dançar na rua não é nada fácil, é preciso muito jogo de cintura. É preciso saber lidar com as burocracias e polícia, com um público que nem sempre é educado, com os outros colegas artistas - a maioria são pessoas impecáveis mas também conheces outros totalmente territoriais e egoístas. Ser artista de rua e ser mulher também tem as suas particularidades, é um trabalho muito drenante a nível físico mas mesmo assim muito concretizante e posso dizer que foi das experiências mais marcantes da minha vida. Dançar na rua ensinou-me a ter confiança no meu trabalho, que só com amor a dança faz sentido e que trabalhar com pessoas que realmente gostas é muito mais enriquecedor que qualquer grande oportunidade de trabalho, e isto levo até hoje em tudo o que faço.

8. Ao longo do teu percurso, já participaste em vários concursos de Dança Oriental e Fusão nacionais e tens também alunas que participam em competições. Qual é a tua opinião sobre os concursos nos festivais de Dança Oriental & Fusão?
Na área da Fusão as competições não são tão frequentes e não têm tanta adesão como acontece nos festivais de Dança Oriental. Na minha opinião as competições são óptimas oportunidades para crescermos e mostrarmos o nosso trabalho. Não obstante, penso que as competições não são para todos. Apesar de reconhecer a importância dos concursos, se entrar numa competição impede-te de desenvolveres o teu estilo pessoal para encaixar num molde que acreditas que agradará a um determinado júri, nem vale a pena participar. Se a pontuação que obténs numa competição é mais importante para ti do que o que realmente alcançaste com o teu trabalho também acredito que se torne contra producente. As competições em que participei serviram sempre como uma justificação para trabalhar, criar e desenvolver o meu trabalho, para dar aquela pressão extra e por isso todas as minhas experiências em competições foram extremamente positivas.

9. Tens participado como bailarina em alguns videoclips de artistas nacionais (Mastiksoul, Mika Mendes, Deolinda) e internacionais (Madonna). Podes falar-nos um pouco sobre estas experiências e sobre a abordagem à dança em cada uma delas?
Adoro participar em videoclips como bailarina. São experiências totalmente diferentes umas das outras e normalmente muito divertidas. Na maioria dos videoclips, a dança é algo acessória e em que o destaque é quase total para os artistas, mas existem outros que enaltecem bastante a dança e o movimento como foi o caso do “Seja Agora” dos Deolinda e fico sempre feliz quando isso acontece. No caso do videoclip da Madonna foi uma experiência extraordinária. Fiz o casting sem grandes esperanças. O casting era direccionado a bailarinos de várias áreas então pensei : “Porque não?”. Dancei a música “Alf Leyla Wa Leyla”. Acabei por ser escolhida e fiquei fora de mim. Não é todos os dias que participas num videoclip de um ícone pop mundial que ficará na história. Depois em cena acabei por não fazer bellydance propriamente (o meu “papel” foi de convidada de um casamento um tanto surrealista então todo o meu outfit foi também fora de serie (risos)) mas sim dançar de forma mais livre e foi mesmo muito giro. O set estava fantástico, mesmo mágico e o resultado final do videoclip ficou mesmo muito bom.


10. Para além da dança, também trabalhas como videógrafa. Na tua perspectiva, qual a importância que tem a imagem e o vídeo na divulgação e na forma como é transmitida a imagem da Dança Oriental? 
Acho mesmo muito importante, aliás é cada vez mais relevante investir na imagem, seja fotográfica ou vídeo, na estratégia de marketing pessoal (vídeo em particular no trabalho de bailarinos). Hoje em dia estamos cada vez mais ligados às plataformas digitais e conseguimos divulgar muito o nosso trabalho através das redes sociais. A pandemia deste último ano ainda acentuou mais esta necessidade que é também uma oportunidade. Cada vez surgem mais dispositivos como smartphones com uma boa qualidade de gravação de imagem que nos permite mostrar o nosso trabalho de forma eficaz. Já ninguém clica num vídeo com qualidade péssima, com uma bailarina lá no fundo sem luz nenhuma por muito boa que seja a artista. Acredito também que a exigência do consumidor de conteúdos aumente e teremos necessidade de valorizar o videoart/videodance o que não só funcionará como divulgação do nosso trabalho nas redes mas também como portfólio digital. Prevejo que o videodance poderá tornar-se uma forma cada vez mais comum de criar performances e com imensas possibilidades.

11. Que características achas indispensáveis num professor de Fusão? 
Na minha visão um professor de Fusão tem de ter um conhecimento aprofundado da técnica de Dança Oriental, da cultura e de História. A Fusão permite que cada professor tenha um estilo muito particular, pois as influências que poderá trazer para a sua dança são inesgotáveis. Apesar de ser impossível especializarmos em todas as danças que vamos buscar influência, enquanto professores de fusão temos de ter responsabilidade pelas técnicas que ensinamos e transmiti-las da forma mais completa possível. Além disso acho indispensável o respeito pelo aluno e gosto de ensinar. Acredito quando temos um gosto genuíno pelo ensino o nosso trabalho se desenvolve de forma constante de modo a acompanhar as necessidades dos nossos alunos.

12. Qual a tua visão sobre o nível de dança das bailarinas nacionais que se dedicam à Fusão?
Apesar de pequena a nossa comunidade de Fusão em Portugal tem muito bons bailarinos e cada vez surgem mais bailarinos a quererem dedicar-se profissionalmente e alunos com vontade de desenvolver esta arte de forma séria. Precisamos de desenvolver mais estratégias de divulgação do nosso trabalho, e aqui também enfio a carapuça (risos), mas acredito que há muito potencial no nosso país.

Fotografia: Teresa Baliño

13. O que achas que se pode fazer para a Fusão se desenvolver mais em Portugal?
Poderemos beneficiar mudando um pouco o foco, tentando que a Dança de Fusão chegue directamente a um público leigo e não só através da comunidade de Dança Oriental. A Fusão é algo muito bem recebido mas ainda muito desconhecido pelo público geral e acredito que organizar mais performances e eventos alternativos com Fusão Oriental poderá trazer mais sangue novo à comunidade. A nossa comunidade enriqueceria também com mais união na organização de eventos. Somos poucos profissionais, cada um no seu canto e poderíamos crescer mais unindo esforços para criar algo maior e mais coeso.

14. Podes dar algumas dicas às bailarinas que querem seguir a área da Fusão de forma profissional?
Nos dias que correm é indispensável que a bailarina desenvolva o estilo pessoal para se poder destacar. Pode parecer fácil porque falamos de fusão, mas consegue ser ainda mais difícil destacarmo-nos no meio de tanta variedade. Também é muito importante que a bailarina trabalhe a Dança Oriental juntamente com todas as outras influências que possa receber de forma a tornar essas mesmas influências autênticas. O trabalho de fusão terá de surgir de forma a que o resultado final seja uma dança íntegra e não criar um efeito de cadeia estilo: fazer um Maya + um movimento de Flamenco + circulo de peito + um movimento de Popping. Para isso é importante treinar muito em casa, improvisar muito e também acredito que seja essencial estudar outras danças e não só Dança Oriental e Fusão.

15. Podes nomear uma actuação de Dança Oriental/Fusão que te marcou? Quais as razões que te levaram a sugerir esta performance?
“Caged Bird” da April Rose.
A forma da April contar uma estória através da dança, a conceptualização dos movimentos e a sua qualidade de movimento é simplesmente fantástica.


16. Quais são os teus próximos projectos e objectivos profissionais? 
Muitos planos estão em stand by desde 2019 e só poderei voltar a pensar neles quando toda esta situação pandémica melhorar significativamente, mas em termos de ensino pretendo dar continuidade a uma série de formação, através de mini cursos e workshops que iniciei o ano passado que tem como objectivo criar independência e incentivar os alunos a desenvolverem o seu trabalho a nível individual. Desta série faz parte a Oficina Storytelling para bailarinos de Fusão Oriental e o Laboratório de Criação Coreográfica para Fusão Oriental e mais formação vem a caminho.
A médio prazo estou a desenvolver dois projectos muito especiais na área de videodance, um a nível pessoal e outro em que contarei com outras colaborações na área da dança e não só. Estejam atentos novidades virão em breve.

Entrevista DOP - Raquel Correia
Por Rita Pereira
Setembro de 2021