Viajar porque Sim | Um roteiro no Alto Alentejo
Dia 1
Castelo de Vide → Portagem → Ammaia
Mas antes
de descobrirmos os segredos que o núcleo histórico de Castelo de Vide encerra,
vamos primeiro vê-la de longe e de cima, subindo até à Ermida da Senhora da
Penha, local de lenda e de romaria desde o século XVI, e miradouro privilegiado
sobre a vila e a imensidade da região circundante.
Voltamos à estrada principal. Numa das rotundas antes de entrarmos na vila, vale a pena parar junto à Fonte do Martinho. Aliás, é impossível ignorá-la, pelas suas grandes dimensões. Terá sido bem mais útil e frequentada noutros tempos, pois já aqui está desde pelo menos o século XVII e tem inclusivamente um bebedouro para animais, o que é compreensível porque esta é desde sempre a via principal que liga Castelo de Vide a Portalegre. Como maior curiosidade desta fonte temos os quatro “golfinhos” de mármore de onde sai a água.
Chegamos finalmente ao “coração” da vila, a Praça Dom Pedro V. Arejada e com muitos lugares de estacionamento, é aqui que encontramos a Câmara Municipal e a Igreja Matriz de Santa Maria da Devesa, de traça simples e sem grandes caprichos exteriores, mas imponente nas suas dimensões – é provavelmente a maior igreja de todo o Alto Alentejo.
Seguindo para norte, entramos nas ruelas da antiga judiaria, de que ainda restam hoje vestígios importantes. Crê-se que a origem deste bairro, desenvolvido na encosta nascente da vila a partir das muralhas do castelo, terá sido um foral concedido por D. Pedro I ao seu físico (a que hoje chamaríamos médico), Mestre Lourenço, que se presume seria judeu. A comunidade judaica de Castelo de Vide cresceu sobretudo após 1497, ano em que os Reis Católicos de Espanha ordenaram a expulsão de todos os judeus que viviam nos seus territórios, muitos dos quais se refugiaram em Portugal.
O largo onde fica a Fonte da Vila é o centro radial deste bairro, e a fonte é o ex-libris de Castelo de Vide. Aproveitando as águas de uma nascente, a fonte terá sido ampliada ao longo dos tempos, datando do século XVI o essencial da forma que lhe conhecemos hoje – rectangular, ornamentada e com uma cobertura piramidal suportada por colunas de mármore.
Vagueamos pelas ruas empedradas que levam ao Castelo, onde muitas casas conservam os pórticos ogivais de granito, alguns com gravações nas impostas que suportam o arco. Na esquina da Rua da Fonte com a Rua da Judiaria encontramos o edifício da antiga Sinagoga, que agora é um museu. Depois de ter servido de residência durante vários séculos, a Sinagoga foi reconstruída em 1972 de acordo com a sua traça original. As sondagens arqueológicas efectuadas durante as obras de recuperação revelaram que o edifício teve fases de ocupação distintas desde pelo menos o século XIV.
Núcleo
Museológico da Sinagoga de Castelo de Vide
Rua da Judiaria, 7320-190 Castelo de Vide
Horário: Inverno 9h-13h e 14h-17h / Verão 9h-13 e
15h-18h
Contactos: telefone 245 905
154 email sociocultural.cmcv@gmail.com
Passamos as portas da muralha e entramos no bairro do Castelo. O empedrado da calçada é irregular e há muitas casas que precisam de recuperação, mas as ruas estão floridas. A Porta da Vila está guardada por dois toscos soldados medievais, talhados em madeira, que não assustam ninguém. No Salão Grande do Castelo haverá certamente uma exposição para ver, e vale a pena subir à Torre de Menagem, de onde temos uma das mais bonitas panorâmicas sobre o casario branco da vila e os seus telhados cor de tijolo.
Saímos de Castelo de Vide para sudeste, em direcção a Portagem. Percorridos uns 5 km, ignoramos o desvio que nos leva à localidade e continuamos pela N246-1. Este troço, popularmente conhecido como Alameda dos Freixos, é uma das estradas mais bonitas do nosso país. Ao longo de cerca de um quilómetro alinham-se, de um lado e outro da estrada, freixos com mais de 200 anos, marcados com largas faixas brancas de cal. O efeito é extraordinário, e pode ser observado com mais calma parando o carro numa das escapatórias laterais criadas para o efeito.
Continuando pela estrada, a seguir a São Salvador da Aramenha encontramos um dos locais mais surpreendentes e menos conhecidos desta região: as ruínas da cidade romana de Ammaia. Desta cidade apenas existe informação que se reporta ao século II, pese embora se saiba que terá sido elevada a Civitas romana em 44 ou 45 d.C. Os estudos efectuados mostram que Ammaia era a principal cidade de uma região a sul do Tejo que se estendia por quase 4000 km2, abrangendo territórios que hoje pertencem a Portugal e a Espanha. A área potencial de escavação é enorme (cerca de 25 hectares), mas apenas uma pequena parte viu até agora a luz do dia. Embora se saiba da existência destas ruínas romanas desde o século XVI e as primeiras escavações arqueológicas tenham começado em finais do século XIX, só em 1994 é que o local recebeu protecção legal. Três anos depois foi criada a Fundação Ammaia, que gere e promove a preservação e divulgação das ruínas, bem como todo o trabalho de investigação que continua a ser levado a cabo.
A
visita começa pelo Museu, cuja exposição permanente reúne uma grande quantidade
de objectos encontrados durante as escavações efectuadas até agora, onde se
inclui uma fabulosa colecção de vidros, na sua maioria intactos, e que poderiam
passar perfeitamente por peças feitas em épocas recentes.
No exterior, as áreas já escavadas e expostas estão rodeadas de vegetação e só conseguimos descortiná-las com ajuda das setas identificadoras que nos orientam pelos caminhos de terra batida. Os três núcleos principais são a Porta Sul, as Termas, e o Fórum e Templo. O pouco material que foi possível pôr a descoberto é complementado por painéis com a recriação digital de cada local, tal como se supõe ter sido o seu aspecto quando a cidade era habitada. A visita às ruínas é um passeio agradável num ambiente bucólico e, se a época do ano for propícia, também muito florido.
Fundação
Cidade de Ammaia
http://www.ammaia.pt/
Quinta do Deão, Estrada da Calçadinha nº4,
7330-318 S. Salvador de Aramenha - Marvão
Horário: 9h-12h30 e 14h-17h30
Contactos: telefones 245919089 / 960325331 email ammaia@ammaia.pt
Dia 2
Marvão →
Marco →
Cabeço de Vide → Vila Formosa
Em Marvão ziguezagueamos pelas ruas onde o branco óptico das paredes contrasta com as cores soturnas do granito que debrua portas e janelas, trepamos à muralha para sentir a vertigem das alturas e percorrer uma parte do perímetro da vila, visitamos o Museu Municipal instalado na dessacralizada Igreja de Santa Maria, que em tempos pertenceu ao Priorado da Ordem de Malta, passamos pelo jardim onde os buxos desenham formas geométricas e os bancos convidam ao descanso, e finalmente subimos ao Castelo, posto de vigia permanente da região e fortaleza inexpugnável reforçada ao longo dos tempos desde o século XII, quando D. Afonso Henriques a conquistou aos mouros.
http://www.cm-marvao.pt/pt/museus/museu-municipal
Igreja de Santa Maria, Marvão
Horário: 10h-12h30 e 13h30-17h
Contactos: telefone 245909132 email museu.municipal@cm-marvao.pt
Castelo de
Marvão
http://www.cm-marvao.pt/pt/museus/castelo
Horário: 10h-19h
Contactos: telefone 245909138 email castelo@cm-marvao.pt
De
Marvão tomamos a estrada para Arronches e depois viramos em direcção à
fronteira para ir conhecer a ponte internacional mais pequena do mundo. Une a
aldeia portuguesa do Marco à espanhola El Marco, embora na realidade a
localidade seja apenas uma e a língua falada dos dois lados seja o português. A
dividi-la, a ribeira de Abrilongo, cuja travessia se faz por uma ponte pedonal
com 6 metros de comprimento por 1,95 de largura. Os marcos fronteiriços de pedra
estão lá, o “P” de um lado e o “E” do outro, mas na verdade aqui a fronteira
nunca foi muito mais do que uma mera formalidade teórica, pois esta região tem
sido povoada, de ambos os lados, por camponeses alentejanos.
O nosso próximo destino é a aldeia de Cabeço de Vide, famosa nos meios científicos internacionais mas praticamente desconhecida dos circuitos turísticos. Os mais de 600 metros do seu Rossio fazem dele um dos maiores (se não mesmo o maior) a sul do Tejo, e o encantador centro histórico que parte das muralhas do castelo para sul tem ruas floridas e casas com enormes chaminés tradicionais, debruadas com faixas amarelas ou azuis, várias igrejas simples, e algumas outras construções de carácter monumental.
Mas o motivo pelo qual Cabeço de Vide tem recebido atenção por parte da comunidade científica envolve as águas minerais naturais que aqui correm e cujas propriedades excepcionais são conhecidas desde há cerca de 3500 anos, pois já os romanos as utilizavam. São as águas de uma das nascentes das Termas da Sulfúrea, a cerca de 2 km da vila, que têm vindo a ser estudadas pelos investigadores, devido ao seu pH elevado e ao processo geoquímico provocado pela interacção entre essa água e os minerais presentes na rocha, o qual leva à produção de hidrogénio, fonte de vida. O complexo junto às termas inclui um parque de merendas, uma praia fluvial e outras infra-estruturas de apoio.
Quase ao lado das termas, a antiga estação de comboios de Cabeço de Vide fez parte do ramal ferroviário de Portalegre entre 1937 e 1990, ano em que a linha foi desactivada. Depois de algum tempo ao abandono, foi cuidadosamente recuperada e convertida em estalagem. Com mais aspecto de casa senhorial do que de estação ferroviária, é um edifício notável tanto pelas suas proporções harmoniosas como, e sobretudo, pelos lindíssimos painéis de azulejo que decoram as suas paredes e nos mostram, com execução primorosa, cenas campestres e motivos florais.
O último local de paragem deste roteiro, já no regresso a casa, é breve mas muito agradável. Na N369, cerca de 10 km de pois de Alter do Chão, um desvio leva-nos ao parque de merendas criado junto à ponte romana de Vila Formosa. Construída no séc. I ou II d.C. sobre a ribeira de Seda, esta ponte fez parte da estrada nacional até há não muitos anos, quando foi construído um viaduto algumas centenas de metros mais ao lado. Apesar de ser uma ilustre desconhecida em termos turísticos, está classificada como monumento nacional desde 1910 e é o elemento da arquitectura civil alto-imperial mais importante do nosso país, pois pertencia à estrada que ligava Olisipo (Lisboa) a Augusta Emerita (Mérida), na época a capital da província romana da Lusitânia. É um lugar tranquilo e de grande beleza natural, onde apenas se ouvem os pássaros e a água quase parada da ribeira serve de espelho aos arcos de volta perfeita da ponte – o sítio ideal para terminar este roteiro que nos levou a conhecer alguns dos locais mais belos do Alto Alentejo.
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