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Viajar Porque Sim | Reviver o passado no Buçaco

Às vezes, quando vejo um determinado filme ou leio um romance histórico, sinto vontade de poder transportar-me no tempo e ir ver como seria realmente a vida nessa época. Infelizmente, as viagens temporais ainda não foram inventadas e não podemos andar para trás e para a frente ao longo dos anos a nosso bel-prazer. Há no entanto lugares que conseguem a proeza de preservar muito do ambiente de épocas passadas, e é a um deles que vos levo agora em passeio. Fica no centro de Portugal, num local para o qual “idílico” é o adjectivo mais fraco que consigo usar, e onde temos a sensação de que o tempo parou. Bem vindos ao Buçaco!

 

 A área que está actualmente classificada como Mata Nacional do Buçaco (ou Bussaco, pois a grafia “oficial” vai variando ao longo dos tempos) é uma extensa floresta com 105 hectares, rodeada por um muro de pedra. Foi aqui que a Ordem dos Carmelitas Descalços ergueu no século XVII o Convento de Santa Cruz, razão pela qual encontramos neste lugar tantas construções e referências associadas à fé católica. Com a extinção das ordens religiosas em Portugal em 1834, a administração da Mata passou para a tutela real, de onde transitou depois para a de variados serviços florestais do Estado português, sendo hoje em dia gerida pela Fundação Mata do Buçaco.

 

É possível entrar na Mata por várias portas, mas todas elas vão convergir num mesmo ponto, que é o centro nevrálgico do Buçaco: o antigo pavilhão real de caça, convertido em 1917 em hotel, e um dos mais bonitos palácios portugueses. Construído para reis, agora é sobretudo frequentado por plebeus, e um verdadeiro ex libris desta região singular e imperdível.

 


Nem que seja uma vez na vida, vale a pena pernoitar neste que é um dos mais belos hotéis do mundo. O Palace Hotel do Buçaco é uma verdadeira cápsula do tempo, que nos transporta para o passado assim que entramos nos seus domínios. Construído entre 1888 e 1907 por ordem de D. Carlos I e concebido pelo arquitecto e cenógrafo italiano Luigi Manini, que se inspirou na Torre de Belém, é um exemplo relevante do estilo neomanuelino, a forma de expressão arquitectónica mais importante do romantismo em Portugal.

 



O interior é igualmente refinado. Há tectos e painéis em madeira trabalhada, paredes pintadas com cenas bucólicas e históricas, mármores esculpidos, antiguidades espalhadas pelos corredores e salas, brocados e damascos nos estofos e cortinados. Os quartos são decorados a preceito com mobiliário antigo, e nas casas-de-banho o chão é de quadrados bicolores e a banheira tem um tamanho descomunal. Os passos são abafados por alcatifas vermelho-cereja e carpetes com motivos florais clássicos, a luz dos candeeiros é suave e o ambiente geral é de tranquilidade, quase entorpecedor – porque ter a possibilidade de descontrair e não fazer nada é um dos maiores luxos a que podemos entregar-nos.

 





Do Convento de Santa Cruz resta hoje apenas uma parte, paredes-meias com o edifício do Palace. Dele podemos visitar a igreja, corredor e pátios. De dimensão e linhas modestas, chama facilmente a atenção pelos motivos em preto e branco que ornamentam a fachada e os muros, criados com pequenas pedrinhas incrustadas na parede, uma técnica a que dão o nome de embrechados.

 

Fundação Mata do Bussaco

http://www.fmb.pt/v2/pt/

Mata Nacional do Buçaco, 3050-261 Luso

Convento de Santa Cruz do Bussaco

Horário: 2ª a 6ª - 9h-13h/14h-18h; fim-de-semana - 9h-13h/14h-18h30

Informações: telefone 231 937 000

Em volta do hotel e do convento há um jardim tradicional, a que chamam Jardim Novo. Amplo e bem ordenado, foi criado na altura da construção do palácio e inspirado nos jardins barrocos franceses, com sebes cuidadosamente aparadas e modeladas para formarem desenhos, uma extensa pérgula num plano mais elevado, e um pequeno lago habitado por patos.




Passeando na Mata, o tempo como que fica em suspenso e as horas passam sem darmos por elas. O microclima desta encosta da Serra do Buçaco favorece a proliferação de uma enorme variedade de árvores e arbustos, vegetação típica tanto do clima mediterrânico como do clima temperado. Muitos dos exemplares arbóreos que vemos contam já algumas centenas de anos e têm uma altura descomunal.

Além da vertente paisagística, a Mata inclui um vasto património construído, mais ainda por se encontrar no meio desta floresta exuberante. Para facilitar a visita, foram criados vários trilhos temáticos para percorrer, cada um deles dando a conhecer características particulares deste maravilhoso pedacinho do nosso país. Os pontos de interesse são muitos, e um dia não chega para ver tudo, sobretudo porque há muitos locais onde apetece parar e ficar durante algum tempo, simplesmente para apreciar a beleza e a tranquilidade do que nos rodeia.

Embora todos os percursos sejam fascinantes, confesso que o meu preferido é o do Vale dos Fetos. Acompanhamos um pequeno ribeiro, por entre fetos abundantes, bem mais altos do que nós, e árvores ainda maiores, passamos pela Fonte Fria, onde outro curso de água desce em socalcos, no centro de uma vistosa escadaria, observamos o Lago Pequeno e continuamos até encontrar o Grande, que até tem uma ponte de acesso a uma minúscula ilhota guardada por gansos barulhentos.

 




Outro trilho obrigatório é o da Via Sacra, que percorre a maior parte da Mata e inclui um grande número de capelas, que têm no interior figuras de barro representando os vários passos da Paixão de Cristo. Neste percurso encontramos também outras capelas e ermidas, algumas já em ruínas, o Cedro de S. José, plantado em meados do século XVII, e a Varanda de Pilatos, uma espécie de torre com uma varanda embutida. O passo de Caifáz é um excelente miradouro, assim como as lindíssimas Portas de Coimbra, também decoradas com motivos geométricos embrechados.

 





Mas o local onde nos é oferecida a melhor vista sobre a serra e toda a paisagem em volta é, sem sombra de dúvida, a Cruz Alta. Embora a subida para lá chegar seja dura, o esforço é totalmente recompensado.

 

O Buçaco também foi lugar onde se desenrolou uma das maiores batalhas da invasão napoleónica, que culminou na derrota do Marechal Masséna, e uma das mais importantes de todas as que foram travadas durante este período tão marcante para o nosso país. A memória desta batalha está preservada no Museu Militar do Buçaco, criado em 1910, quando se comemoraram os 100 anos passados sobre aquela batalha.

 

Museu Militar do Buçaco

https://www.exercito.pt/pt/quem-somos/organizacao/ceme/vceme/dhcm/bu%C3%A7aco

Almas do Encarnadouro, Buçaco, 3050-201 Luso

Convento de Santa Cruz do Bussaco

Horário: 3ª a domingo - 10h-12h30/14h-17h; encerra à 2ª feira, 25 Dezembro, 1 Janeiro, domingo de Páscoa, 1 Maio

Informações: telefone 231 939 310  email musmilbucaco@mail.exercito.pt

 

Numa visita ao Buçaco, seja à entrada ou à saída, há que ir também conhecer a vila do Luso, ela própria uma referência na história do termalismo e da indústria das águas minerais em Portugal. A paragem na Fonte de São João, mesmo no centro da vila, é obrigatória. Impossíveis de ignorar são também o antigo Casino, edifício construído em 1886 em estilo Arte Nova e que hoje abriga o Núcleo Museológico da Sociedade da Água de Luso, e o Grande Hotel, o emblemático projecto concebido pelo arquitecto Cassiano Branco e inaugurado em 1940, cujas linhas modernistas e cor amarela fazem dele a construção mais fotografada e conhecida do Luso.

 

E para quem quiser prolongar esta viagem ao passado, sugiro continuar um pouco mais para norte até à Curia. Rodeada pelas vinhas que produzem os famosos espumantes da Bairrada, a história desta localidade está também muito ligada às suas termas. Mas a maior preciosidade da Curia é sem sombra de dúvida o Palace Hotel, um dos mais antigos e emblemáticos hotéis portugueses. Concebido dentro do espírito dos frenéticos anos 20 e inaugurado em 1926, contava com 400 quartos, sendo o maior hotel português da época e um dos maiores da Europa. Foi palco de inúmeros e importantes eventos sociais e desportivos, onde conviviam a elite da sociedade portuguesa e internacional, e frequentado por figuras do mundo do cinema, da escrita e de outras artes. Depois de uma cuidada recuperação, voltou a abrir portas em 2008, mantendo todo o seu encanto histórico.

 

A piscina exterior do Curia Palace Hotel foi a segunda piscina olímpica construída em Portugal e é hoje em dia a piscina mais antiga do nosso país ainda em funcionamento. Terminada em 1934, foi projectada em estilo Art Deco, tal como o hotel, e evoca as piscinas dos grandes navios transatlânticos da época. 

 


O Buçaco e a região que o rodeia proporcionam-nos experiências fora do comum em ambientes revivalistas e cheios de encanto, que ficam na memória e nos deixam com vontade de regressar.


Ana CB / março de 2021
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