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Fantastic Entrevista - Salvador Nery

Foto: Direitos Reservados

Salvador Nery tem hoje 31 anos, mas tornou-se conhecido do público com apenas 11 anos quando participou na segunda temporada da série Uma Aventura, exibida na SIC. No entanto, o seu percurso no mundo da representação começou alguns anos antes quando, em 1998, integrou uma série da RTP1. Seguiram-se muitos outros projetos e participações, encontrando-se neste momento a dar vida ao personagem Fanã em Amar Demais, na TVI. O Fantastic quis saber mais sobre o seu percurso e esteve à conversa com o ator.

Em 1998, as portas do pequeno ecrã abriram-se para ti e integraste a série da RTP1 Uma Casa em Fanicos, onde contracenaste com Nicolau Breyner. Como encaraste este desafio?
Com enorme entusiasmo e curiosidade. Tinha apenas nove anos. O Nicolau era uma figura que eu conhecia muito bem da televisão, pelo que a ideia de poder fazer parte de um projeto ao lado de um grande actor era um motivo de orgulho. Posso dizer que o Nico foi o meu primeiro mentor. Ele era conhecido e assim se manteve até morrer, como uma figura generosa que gostava de ajudar toda a gente. Comigo não foi diferente. Partilhava o camarim com ele e o seu motorista privado, o Sr. Valdemar, ia todos os dias em que eu gravava buscar-me à escola na sua Mercedes. Foram tempos mágicos e de enorme privilégio. Uma Casa em Fanicos era gravada no Teatro Vasco Santana que ficava situado dentro do recinto da antiga Feira Popular. Imaginem por onde é que eu andava quando estava à espera para gravar. Como sabem neste meio espera-se muito… Por isso façam contas à despesa nas diversões, e à diversão que tudo aquilo foi para mim.

Mais tarde, em 2002, fizeste parte do elenco de Uma Aventura, um projeto ainda hoje recordado pelo público com muito carinho. Que importância teve para ti esta oportunidade?
Recordo-me de ter ficado muito contente por ter ganho o casting, porque o Francisco Garcia, que já era muito bom, fez o casting antes de mim e disse em voz alta o que ia fazer de diferente. Eu achei engraçado que ele fosse alterar a frase e tivesse coragem para o fazer sem pedir autorização. Eu achei por bem prestar muita atenção ao que ele ia fazer e depois de ver, decidi que ia fazer o mesmo mas melhor. Foi na escadaria da Fonte Luminosa na Alameda. Lembro-me de me ter sentido bastante confiante depois de saber que ia fazer o projeto. Era o meu segundo trabalho. Quanto à experiência foi igualmente enriquecedora para além de estimulante. Era gravado nas férias de verão. Para um miúdo de doze anos, representar uma personagem responsável por ajudar a resolver problemas relacionados com roubos/raptos e a colaborar com a polícia era a oportunidade de ser um herói. E eu sempre gostei de acção.

Como foi para ti, enquanto criança, trabalhar em ficção? Achas que isso te privou de viveres mais a tua infância/adolescência?
Foi perfeitamente natural. Recordo-me de ter sido um período feliz. Posso ter estado submetido a mais stress que as outras crianças da minha idade, mas nunca chumbei nem baixei o meu rendimento escolar. Recordo-me que foi ali por volta dos treze, catorze, quando fiz os Santos da Casa, o meu último projeto enquanto jovem ator, quando comecei a sentir que queria ser um miúdo com o mesmo tipo de privacidade dos outros. Havia alguma pressão e gozo na escola e não ter sabido lidar com isso pode ter sido um dos factores que me fez querer parar de trabalhar como ator durante a adolescência toda.

Foto: Direitos Reservados
Integraste também um projeto muito diferente do que fizeste até então, o “Art Attack” do Disney Channel. Como foi trabalhar no mundo Disney? Pretendes, no futuro, continuar a explorar o lado da apresentação?
Trabalhar sob a chancela da Disney é uma grande aprendizagem. Enorme organização. Um cuidado extremo quanto à comunicação do que se diz. Um critério de qualidade sobre os objetos mostrados no programa elevadíssimo. Enfim. Disney. Literalmente a capacidade de fazer qualquer um sonhar. E no Art Attack não era diferente. Nunca pensei em explorar o lado da apresentação mas sei que me sinto muito confortável nesse papel. Sou uma pessoa extrovertida que gosta de comunicar. Quem sabe um Podcast...

São vários os cursos e workshops no teu currículo, não só em cinema, mas também em voz, improvisação, entre outros. Que importância achas que a formação tem no teu trabalho? Pretendes continuar a apostar na formação?
A formação é o laboratório do ator. Eu gosto de me expor a novos formadores e filosofias para ampliar o alcance do meu olhar neste oficio. Eu sou daqueles que de tempos em tempos gosta de fazer um Workshop ou Masterclass antes de um trabalho concreto para reciclar e começar a preparar essa personagem na própria formação. De qualquer forma também acredito que se aprende muito a trabalhar. A carreira de um ator que nunca mais passa por uma formação é tão digna e legítima como aquela que está repleta de formações. No meu caso, gosto de me colocar em cheque, de me cruzar com pessoas com níveis diferentes de experiência. De me relembrar de técnicas e abordagens que já tinha esquecido. Provavelmente farei formações até morrer. Digo até que gostaria de ensinar. É um papel que me traz imensa satisfação e que me ensina tanto ou mais que o papel do aluno. Essa é uma descoberta que tive desde que fui pai.

Participaste em algumas campanhas publicitárias e somas inúmeros projetos em dobragem, não só em filmes como “Os Descendentes” e “Lucky Luke”, mas também em séries como “Lab Rats”, “Inazuma Eleven Ares” e “Yu-Gi-Oh!”. De que forma encaras esta oportunidade de trabalhar apenas com a voz?
Adoro fazer dobragens e locuções. Acredito que assim como através do olhar de uma pessoa somos capazes de perceber o que se passa com ela, com a voz é exatamente a mesma coisa, e provavelmente mais até. A voz está mais perto do coração e do peito, pelo que qualquer constrangimento ou emoção transforma imediatamente a voz e isso sente-se. Por exemplo, nas dobragens sempre achei que se utilizava a voz com pouca verdade. Sempre com recurso ao estilo do desenho animado, ou aquilo que achamos que é o estilo de voz para dobragem. Eu estou sempre a tentar romper com isso. É possível conferir um determinado estilo à voz ao mesmo tempo que se atribuem intenções concretas ao que se diz e consequentemente ser-se verdadeiro com que se está a passar naquela história e com muita sorte conseguir tocar quem está a ver.

Foto: Direitos Reservados
Desde 2011 fizeste parte de várias peças de teatro, entre elas “A Música e a Alma”, “Shanley’s Bar”, “O Bloqueio do Escritor” e “Identidade”, sendo algumas delas encenadas por ti. O palco é o local onde te sentes melhor a representar?
O Palco é o lugar mais cru, tanto te sentes desprotegido como acolhido. É tão poderoso estar em palco quando o que estás a fazer está a ser escutado e observado ao milímetro ao mesmo tempo que sentes que está tudo simplesmente a acontecer sem antecipação. E depois há aqueles momentos em que te desconcentras e deixas cair o véu e pensas que se aperceberam que isso aconteceu e que te estão a ver por dentro sem máscara, sem personagem e estás perante o abismo. É altamente paradoxal. Uma vez ouvi o Viggo Mortensen dizer que a nossa profissão de um momento para o outro pode ser a melhor ou a pior do mundo. É nesse fio da navalha que se está no teatro. Tenho muitas saudades de fazer Teatro. Quando se faz teatro tem-se a sensação de viver muito em pouco tempo.

No cinema, contas também com vários projetos, desde as curtas-metragens “Vai Ficar Tudo Bem” e “Descobrindo a Variável Perfeita”, a longas-metragens como “Gabriel” e “Parque Mayer”. Fazer mais cinema é uma ambição?
Sim. O tempo a que o cinema se presta consegue captar as maiores subtilezas. O rigor colocado em todos os departamentos faz com que por norma as obras cinematográficas sejam de uma qualidade notável. Eu sou um amante de trabalhos bonitos e bem feitos. Esse critérios não são exclusivos ao cinema, agora nas séries também se vê essa fasquia, mas sim. Adoraria fazer um filme com um Paul Thomas Andersen, Steven Soderbergh ou Martin Scorcese. Em Portugal gosto bastante do Marco Martins. É dos poucos realizadores que consegue criar universos que não existem ou que não são do conhecimento cultural Português e fazer-nos crer que aquela história podia passar-se em Portugal. Foi curiosamente com o Alice, um filme seu, que surgiu a vontade de recomeçar a trabalhar como ator.

Além das várias participações em telenovelas, fizeste também algumas séries na RTP1, como “Ministério do Tempo” e “Idiotas, Ponto”. Quais foram as principais diferenças que encontraste entre o formato de telenovela e o de série?
O tempo que existe para se trabalhar e a ação da narrativa. Quanto ao tempo em novela, é como se não existisse. É literalmente sempre a andar. Nas cenas mais importantes tem-se mais cuidado e preparação mas de resto é o melhor possível naquele tempo que se tem. Quanto à ação da narrativa, julgo que tem a ver com a quantidade de episódios. Numa novela temos duzentos episódios aproximadamente. Numa série podem ser oito, doze, quanto muito vinte e poucos. Isso transforma a ação da narrativa de uma forma radical. Quando numa novela as coisas parecem que nunca mais se desenrolam e por essa razão têm de se focar em situações ou temas que nos afastam da trama central e da resolução do conflito que se estabeleceu, na série tudo se precipita desde o primeiro episódio. Embora algumas séries tenham um mapa de evolutivo diferente, tendencialmente é tudo mais rápido, e por isso o que se contempla é estritamente o que é necessário para a história, logo mais coeso, logo mais empolgante. As novelas deviam passar a ter 50 a 100 episódios e pronto.

Foto: Direitos Reservados

Tiveste também uma participação na série “Mata Hari” em 2016. Como encaraste a oportunidade de participar numa superprodução europeia produzida entre Portugal e a Rússia?
Com enorme entusiasmo. Vestir roupas de época e conduzir carros centenários é sempre divertido. O circo montado para a produção é maior, muita gente a trabalhar. Foi uma experiência caricata...

As séries e o streaming são duas das grandes apostas a nível mundial, que Portugal tem vindo a acompanhar. Como vês esta evolução na forma de fazer e de ver ficção?

Viciante na forma de ver. Inteligente na forma de fazer. As Narrativas podem ser mais aprofundadas, sobretudo nas histórias ancoradas numa personagem. O detalhe que se pode ter leva-nos a ter uma relação profunda com essas personagens. São filmes de doze, vinte e quatro, trinta e seis horas. Grandes realizadores de cinema estão a fazer a transição. É inacreditável a oferta de conteúdo que há neste momento. Não há como estar a par de tudo. Tem sido uma benção nestes tempos de confinamento.

Atualmente, fazes parte do elenco principal da novela Amar Demais, onde interpretas a personagem Fernando Pinto (Fanã). Quais são as principais semelhanças e diferenças que encontras entre ti e a personagem?
Para responder a isso precisava de um ensaio. Somos muito diferentes e muito parecidos. Em quê? Só eu sei.

Numa altura em que a Cultura voltou a parar, devido a um segundo confinamento, como olhas para a situação da mesma em Portugal? Achas que há muito a mudar nesta área?

Correndo o risco de ser injusto para com os participantes ativos para a criação da Cultura em Portugal, eu diria que a perceção que tenho é de uma classe muito desmembrada. Falta espinha dorsal. Entrosamento. Estratégia. A sensação que tenho é que cada um luta por si. Por exemplo, fala-se constantemente na falta de meios para as companhias, o que é um facto, face ao orçamento disponibilizado para a Cultura, mas ao mesmo tempo que se promove algum ativismo sobre esse tema, não vejo uma ação coordenada por parte destes agentes, com provas dos subsídios que receberam e para o que é que serviram. Uma espécie de campanha transversal ao meio que englobasse todos os envolvidos e pusesse a descoberto a lacuna que existe e que não é resolvida pelo Ministério da Cultura de forma séria e responsável. Espero que no futuro o meio possa ser mais unido, para que as condições de trabalho possam evoluir. Contudo, vejo colegas e grupos muito esforçados em fazer-se bater por esses direitos. É uma situação muito triste, porque há uma enorme desconsideração pelo meio quando a maior parte da população é consumidora de cultura diariamente. É provavelmente uma questão de educação.

Foto: Direitos Reservados
Qual foi o teu maior desafio profissional até à data?
Criar uma rede de trabalho que me permita sobreviver apenas da minha profissão.

Quais são as tuas maiores inspirações nacionais e internacionais?

Gosto muito do Rodrigo Guedes de Carvalho. Nunca o conheci, mas senti que durante o período do primeiro confinamento em 2020, ele foi muitas vezes responsável por transmitir segurança ao país. Mais que o próprio Primeiro Ministro ou Presidente da República. A verticalidade a integridade e honra que a postura dele transmitem são inspiradoras. O próximo livro que comprar será o que ele escreveu, a Margarida Espantada. Internacionalmente, tem sido ao longo dos últimos três anos, o Psiquiatra-clínico e professor universitário Dr.Jordan Peterson. Um Canadiano que neste momento ocupa um lugar de grande destaque na esfera dos maiores pensadores da atualidade. Ele tem sido fundamental para o meu percurso.

Se te voltássemos a entrevistar daqui a 10 anos, o que gostarias de estar a fazer nessa altura?

Gostaria de estar a ensinar atores, de produzir e realizar/encenar Teatro e Cinema. De fazer coaching de desenvolvimento pessoal, de estar a fazer uma licenciatura em Letras ou Psicologia. De ter um papel mais ativo na minha comunidade, quer fosse através do Teatro ou através de uma organização que sensibilizasse a necessidade de uma maior responsabilidade comum na higiene urbana. De estar em melhor forma fisica do que estou agora com trinta e um anos. Que não é nada má. Agora, julgo que seria impossivel, ou muito difícil fazer tudo isso ao mesmo tempo. Mas são objetivos possíveis para os próximos dez anos. Veremos.
Fantastic Entrevista - Salvador Nery
Por Joana Sousa

março de 2021