Fantastic Entrevista - Pedro Barroso: “Um ator tem que se sujar e tem que ser real na construção de uma personagem”
Tornou-se conhecido do grande público quando integrou o elenco dos Morangos com Açúcar, e, logo de seguida,
participou no irreverente projeto “P.I.C.A.”, da RTP2. Na TVI, fez parte de
produções como Destino Imortal, Meu Amor,
Mundo ao Contrário ou A Herdeira, entre
outras, sendo ainda concorrente no talent-show Dança Com As Estrelas. Destacou-se ainda em séries como Água de Mar e Vidago Palace, na RTP1, e mais recentemente integrou o elenco de Golpe de Sorte, na SIC. O filme Leviano, de Justin Amorim, é apenas um dos projetos que o levaram
ao grande ecrã. Nesta edição do Fantastic Entrevista, estamos à conversa com
Pedro Barroso, na qual o ator mostra o seu lado mais sensível e de homem
apaixonado pela arte, pela representação, pela natureza, pelo seu país e,
principalmente, pela vida.
Conhecemos o Pedro enquanto profissional mas, para começar esta
entrevista, gostaríamos de saber como te defines enquanto pessoa.
Hoje em dia é mais fácil para mim dissociar o “Pedro pessoa” do “Pedro ator”. No fundo, cresci muito a trabalhar. Criei em mim uma grande vontade de crescer enquanto ator. Inicialmente não era muito fácil dissociar estes dois lados mas agora já é algo que faço de uma forma muito natural. Enquanto ator eu gosto essencialmente de trabalhar com muita profundidade os meus papéis e gosto de personagens com outro tipo de alma, com várias camadas e uma certa complexidade. Gosto muito de passar realidade às personagens, gosto que elas sejam reais e tenho uma constante preocupação com isso. Baseio-me na história que está por trás das mesmas para conseguir construir o meu papel. Eu como represento muitas vezes antagonistas e personagens com um caráter mais forte, preciso de encontrar uma certa energia nesse sentido. Costumo recorrer muito ao mar, por exemplo, durante o processo de construção.
Quem é, então, o Pedro, que sonhos tens e o que gostas de fazer?
No fundo, considero-me um eterno descobridor que alicerça isso enquanto ator… Podemos dizer que sou mesmo um entusiasta. Não sou assim apenas enquanto ator mas também na vida, no geral. Gosto muito de descobrir e de me aventurar. Por exemplo, agora descobri que gosto de estar na aldeia e nunca pensei que isso fosse acontecer. Há coisas muito giras que me deixam muito surpreendido. Temos que estar atentos para ver o que vai acontecer. Temos que estar atentos à vida e aos outros.
Os Morangos foram muito marcantes e foi, para mim, um privilégio imenso participar nos mesmos, ao contrário do que dizem alguns dos meus colegas…. Foi um projeto com uma grande influência na minha geração, foram muito especiais. Para além disso, representaram a confiança da TVI, na altura, em mim. Os Morangos foram um centro de formação, uma escola de talentos. Permitiram que uma série de pessoas ficassem conhecidas e que conseguissem aprimorar a sua formação. Na altura, a minha personagem até acabou por se estender e por ficar mais algum tempo do que o previsto na série. Foi uma série produzida com muito rigor e consciência e tratou temas muito interessantes.
Achas que faltam produtos como esta série juvenil na televisão
portuguesa atual?
Hoje em dia não sei se faria sentido, até porque a ficção tem mudado, está tudo muito desenvolvido. As redes sociais cresceram imenso. A exigência é diferente e existem outras plataformas. Naquela altura existia o Youtube e o Facebook mas era tudo muito parado e com pouca adesão e influência. Hoje temos plataformas de streaming, o mercado abriu... Isso é a beleza de nos adaptarmos ao mercado. Isso é bom para crescermos enquanto atores. Como é que nós trabalhamos o nosso talento? É essencial essa constante mudança. Não sei se os Morangos fariam falta agora, tiveram o seu tempo. Mas uma coisa posso dizer: estamos cada vez melhores e a produzir mais conteúdos e com uma qualidade superior. Mas saliento que temos uma TVI Ficção a repetir os Morangos para todos aqueles que quiserem matar saudades.
Fizeste parte do elenco do magazine P.I.C.A., um projeto inovador da
RTP2 lançado em 2007, que mistura ficção e realidade. O que é que esta
experiência te trouxe de novo no teu início de carreira?
Foi esta pergunta que me fez querer fazer esta entrevista com o Fantastic - e aproveito para vos agradecer pelo trabalho de divulgação que têm feito no meio artístico e audiovisual. Quanto ao P.I.C.A., comecei a ser mais destemido com esta aventura porque misturava ficção e realidade. Foi este projeto que me solidificou, eu tinha 17 anos e tinha que ter um personagem muito bem montado. Foi exigente, até para que a personagem não fosse desmontada ao falar com o pessoal na rua ou quando encontrasse pessoas no âmbito do projeto. Era um grande desafio, era necessária muita concentração. Tenho que referir uma pessoa que teve um papel muito importante neste projeto que foi o Carlos Afonso, o meu realizador de exteriores. Era alguém que me motivava muito, que me ajudou a construir uma base, um motivo, ajudou-me a acreditar que eu era capaz. É como nós termos um professor que nos motiva e que nos ajuda a desenvolver as nossas capacidades. É crucial. Tínhamos profissionais excelentes nesta equipa como o Artur Ribeiro que é um dos grandes argumentistas do nosso país. Hoje, olhando para trás, tenho a certeza que foi um projeto muito irreverente para aquela época. Era um magazine que funcionava como um canal de Youtube.
Acho que devia ser cada vez maior, até porque hoje em dia existem cada vez mais plataformas. É o caminho. No outro dia estava a explicar aqui em casa o quão fantástico foi trabalhar com o Rogério Samora, por exemplo. Foi inesquecível e uma loucura trabalhar um personagem com institutos animais. Este projeto foi o Artur Ribeiro que escreveu e fez completamente a diferença na minha carreira. Foi um grande desafio. As novelas nunca vão perder o seu caminho e a sua base mas podem e devem haver outros géneros e outros produtos. Basta vermos o caminho trilhado pela OPTO SIC. Na altura, a SIC tinha Lua Vermelha e nós fizemos Destino Imortal para contra-atacar e correu muito bem.
Foste um dos protagonistas da curta The
Social Girl, que esteve presente em muitos festivais e cuja interpretação
dos atores ganhava um papel de destaque, dada a intensidade das personagens.
Como foi fazer parte deste projeto?
Em Social Girl tive oportunidade de descobrir novas ferramentas e eu gosto de trabalhar com camadas mais jovens, com malta que está a acabar o curso, é super importante valorizar o trabalho deles que é muito vanguardista. Há trabalho que eu até pago para fazer, como as curtas-metragens. Nós temos muito talento e em várias áreas, temos que nos fazer valer delas. Nestas equipas mais pequenas com vontade de rasgar o mercado é possível ver isso.
Trabalhar com uma equipa com a qual te identificas é importante?
Eu gosto muito de trabalhar com pessoas de quem gosto. Tenho que referir a
Lucinda Loureiro e a Isabel Medina, as minhas madrinhas da representação.
Cresci a ver representar estas duas grandes profissionais. A Lucinda é a pessoa
que me conhece melhor neste meio e ajuda-me a preparar personagens. É dura, o
seu feitio assim o é. Ela espicaça e procura sempre estimular ao máximo, trabalha
cada emoção. Nós, os atores, somos diamantes e precisamos de ser lapidados e a
Lucinda tem particularmente a capacidade de trabalhar pedras preciosas. Em Golpe de Sorte também tive oportunidade
de trabalhar com uma grande Cátia Ribeiro que foi uma surpresa.
Leviano, de Justin Amorim,
foi a última longa-metragem na qual participaste. Como foi integrar o elenco do
filme?
O Justin é um jovem realizador, super focado no seu caminho e com uma grande equipa, repleta de investimento. A minha personagem foi muito curta mas foi muito interessante e foi um projeto com uma linguagem e com uma estética mais sonhadora dentro do próprio sonho. O Justin é um contador de histórias duras e reais mas com um ar mais sonhador, com subtileza, com charme… foi bonito.
Em televisão, um dos projetos mais marcantes da tua carreira foi A Herdeira. Como foi o processo de construção do Roni? Desde o início que teve contornos especiais. Até pelo secretismo que o projeto exigia. Quando me apresentaram - “Pedro, temos aqui o Roni, é um cigano…” - eu decidi logo que teria que me adaptar para entrar na comunidade cigana e para entender melhor a etnia, no seu todo, da forma mais completa possível e verdadeira. Para mim, nem existe uma meta, existe o que é aceitável e válido para que tu sirvas a personagem. Eu sempre tive interesse pela comunidade cigana e o meu objetivo era aproximá-la do projeto e não afastá-la, obviamente. É uma cultura riquíssima e com muitos costumes e tradições. E eu vivo as personagens com muita entrega e intensidade e pretendo sempre explorá-las, a elas e a tudo o que as envolve da melhor forma que consigo. Estou a lembrar-me da campanha que fizemos para a APV, delineada por mim, com a Rita Pereira, no âmbito d’A Unica Mulher. Eu acredito sempre em algo maior que eu.
Em que medida é que este Roni, de A
Herdeira, foi uma personagem especialmente desafiante?
No primeiro ensaio ficaram em choque com o meu léxico porque os meus colegas não iam fazer assim, mas eu disse logo que eu ia fazer mesmo assim porque não ia denegrir uma comunidade, ia aproximar e ia respeitar e seguir os costumes e tradições deles. Foi um trabalho tão bem recebido pelas pessoas que em Viana da Castelo tínhamos mais de 400 pessoas a assistir às gravações e respeitavam o silêncio para gravar as cenas para a novela. Eu acho que temos que ser sempre fiéis ao nosso caminho. Existiram pessoas a ligar para a TVI a pedir para o Roni não morrer. Foi muito bonito o carinho das pessoas para com este projeto. Temos de perceber quais as necessidades de quem está do lado de lá do ecrã. Foi uma explosão de coisas maravilhosas. Gostei muito de trabalhar com o Lourenço Ortigão e com a Kelly Bailey. Ser ator é um trabalho de competição, o mundo à nossa volta deixa de existir. O físico é desgastante mas o emocional também e temos que ter muito cuidado. O projeto foi líder de audiências. Tenho a consciência que carreguei a novela um bocadinho às costas. O principal é sermos felizes e sentirmos que estamos realizados. Eu depois de A Herdeira fiz um projeto que não me estava a deixar feliz, não podemos todos gostar do mesmo.
Ao regressar a Portugal, estava receoso se era capaz de regressar a trabalhar ou não, mas tal só aconteceu porque a equipa era muito especial. Este projeto foi - e é - um projeto mais do que vencedor. A equipa foi muito importante. A Vera Sacramento fez um trabalho incrível. Foi a personagem mais desafiante até hoje, mais complexo, mais difícil. E depois envolveu uma série de transformações físicas. Foi muito desgastante emocionalmente.
Para viver o Castro retiraste dentes e alteraste a cor. Em que medida o
aspeto físico é um fator importante para a interpretação? É apenas uma questão
de aspeto ou uma bengala para se envolver com o personagem?
É aquilo em que acredito. Tenho que ter uma imagem correspondente à da personagem. Um ator tem que se sujar e tem que ser real. Neste caso, baseei-me num galã mexicano que é o David Chocarro. Cada ator tem a sua ferramenta, ninguém ensina ninguém a ser ator. No fundo, temos que encontrar uma caixinha mágica com as ferramentas essenciais para o processo de construção da nossa personagem.
Golpe de Sorte teve um elenco de veteranos e um núcleo de atores em ascensão, como o Diogo Martins e a Madalena Almeida, com os quais te cruzas nesta produção. O que retiraste desta partilha de experiência?
Acho que são o tipo de projetos que são vencedores. Poder voltar a trabalhar com a Manuela Maria foi incrível. Sou apaixonado por ela. A Margarida Carpinteiro também foi tão generosa. Eu fiquei apaixonado pelo Diogo Martins. Foi uma excelente contracena, tão generosa, é mesmo possível ter tamanha confiança. Senti tanta adrenalina que no final das cenas com o Diogo e com a Madalena chegávamos a ficar agarrados e a dizer “obrigado”. Para mim, são os dois melhores atores da geração deles. São incríveis. Fiquei impressionado e cresci muito com eles, mesmo. Eles são tão bonitos a trabalhar que eu ficava a ver as cenas deles de boca aberta. Tenho a certeza que vamos continuar a ouvir falar muito nestes dois talentos.
Concordas que é possível estabelecer algumas semelhanças dessa mesma
personagem com o César de Mundo ao
Contrário? No processo de construção do Castro foi necessário ter isso em
atenção, para evitar aproximações ao papel anterior?
A história é diferente, mas nós temos sempre um ADN, tenho gestos que são meus. Estou a lembrar-me que para fazer a passagem de A Herdeira para Valor da Vida tive que fazer um longo trabalho com a Sofia de Portugal, na Plural. O Castro foi um desafio até nesta mesma questão. São personagens com algumas semelhanças, se bem que o César não tinha os picos de alcoolismo do Castro, era um badboy mais de bairro. O César foi trabalhado num bairro social e com um instrutor de boxe. Nem sempre a personagem nasce no papel. Temos que ver aquilo que queremos adicionar depois à figura que estamos a construir.
Um dos grandes desafios deste projeto foi o facto das gravações terem decorrido
com as medidas de segurança devido à COVID-19. Como foi trabalhar desta forma
inédita?
O grande desafio é o de recomeçar a gravar e o de ir buscar as emoções e o trabalho que tínhamos antes. Existia muito cuidado e responsabilidade. Acho que isto mostrou um bocadinho da nossa humanidade. O principal era nunca colocarmos os nossos em risco. Se houve dificuldades no início? Sim, mas tudo se resolveu.
Enquanto artista, quais são as tuas maiores influências a nível pessoal
e profissional?
A minha mãe, em primeiro lugar, que me influenciou no mundo das artes, e que me incentiva e entusiasma até aos dias de hoje. Refiro ainda os meus avós, que acho que são os meus maiores fãs. A nível de atores, tenho uma adoração gigante pelo Albano Jerónimo. Gosto do Leonardo Dicaprio e do Denzel Washington… A Lucinda Loureiro e a Isabel Medina são outros nomes que destaco. E gosto muito das novas gerações de atores.
O que é que te falta fazer? Que desafios gostarias de integrar no
futuro?
Gostava muito de continuar em Portugal. Sou apaixonado pelo nosso país. As campanhas que vou fazendo mostram isso. O sítio onde eu estou é lindo, neste momento. O meio rural é o meu ecossistema perfeito com recursos naturais e com uma vida saudável. Mas respondendo à pergunta… Às vezes, vou tendo ideias para personagens. Só aceito neste momento algum papel se me acrescentar, não é pelo fator dinheiro, é por aquilo que me edifica. Adorava fazer um travesti, por exemplo, ou falar sobre o consumo de drogas, de uma forma real. Não sei… Já tive essas ideias. E gosto de ideias que são diferentes de mim. É ver o que acontece porque tudo chega no momento certo, estou tranquilo e não tenho pressa. Tenho calma. Tenho outros projetos, mas sem dúvida que ser ator é uma paixão. Existe muita coisa para alcançar.
Quais são os projetos que se seguem?
Não tenho nada que possa divulgar neste momento. Posso dizer que estou muito tranquilo nesta fase da minha vida. Para fazer o trabalho de qualidade que faço, preciso de parar.
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