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COMING UP | Minari [OSCARS]

Na língua ainda colhemos os frutos do legado de Parasite, mas na trama já temos uma outra coisa, com uma versão mais ocidental de uma narrativa familiar, mesmo que tenha a Coreia a servir de fio condutor ao principal arco. Pouco falha em Minari, mas também, a margem de erro é muito curta. A empatia faz grande parte do trabalho para nos conquistar. Não invalida que a melhor palavra que encontramos para definir o filme seja “bonito”, e não no sentido estético mas pelas bases que utiliza. É uma daquelas longas-metragens em que temos de fazer um esforço mental para podermos fazer uma análise livre da onda de afeto e da proximidade com a realidade que é construída. Estamos perante um novo sucesso fora do mainstream, o filme indie deste ano que pode ser uma agradável surpresa nas premiações. Mas mesmo que não conquiste nenhuma estatueta é mais uma daquelas apostas que os Oscars nos trazem e que prometem apelar-nos de uma forma muito intima às nossas memórias, com base num elemento que é transversal a praticamente toda a gente: O amor pela família. Uma carta de amor despojada de fireworks, carregada de caminhos morais e algumas referências culturais que não sendo a película mais memorável que vamos ter nas apostas deste ano, é certamente aquele que mais facilmente nos chega ao coração. Quebraram-se em boa hora as barreiras da língua, porque estamos a entrar num caminho muito rico em que a criatividade já não está apenas concentrada em Hollywood, como até há bem pouco tempo muitos pintavam. Tudo isto para analisar em mais uma edição especial do Coming Up na corrida pelos indicados a Melhor Filme na edição deste ano dos Academy Awards.

Minari parte em vantagem com a sequência inicial, que é quase uma bomba de proximidade instantânea que leva qualquer fã de drama ou romance para dentro daquele universo num estalar de dedos. Juntando a isso o ponto positivo de termos uma introdução que não se alonga e que é autoexplicativa, levando-nos ao ponto que quer sem nos dizer preto no branco tudo o que se passou com aquela família para chegarem à situação em que os conhecemos. É inevitável não simpatizarmos de imediato com o sonho de Jacob, mesmo que isso seja um ponto de partida para toldar alguns dos juízos de valor que vamos ter daí em diante. Neste ponto, os diálogos do filme são um pouco parciais, mas mesmo que não fossem, a premissa do sonho é sempre uma boia para uma ligação automática. Temos o pequeno David, que foi a melhor escolha que os argumentistas podiam ter feito para nos apresentar a família. A visão de uma criança é sempre a mais pura, e isso já revela um pouco das intenções de Minari, em mostrar uma história que é livre de tudo o que é pretensioso. A humildade da família tem os seus contrapontos, e aquilo que aparenta ser apenas uma estratégia deste tipo de argumentos, é, na verdade, um caminho para abrir uma das grandes morais desta trama. No fundo, são estas divergências que fazem daquela família algo credível, e que gera a tal empatia que serve de motor à história e a sensibilidade necessária para nos fazer parecer que o tempo voa. Mesmo que tenha sido uma estratégia, a verdade é que tudo isso resulta e mascara o ritmo possivelmente mais lento que surge em qualquer filme do género. Mesmo com esse aspeto a ter em conta, as primeiras sequências da família já nos arrebatam com a conexão paterna que é criada, no fundo, no lado emocional a flecha é empurrada lentamente mas consegue ser um tiro certeiro no coração.


Apesar disto há um pormenor que salta à vista. A chegada da avó traz a Coreia para a história. Não ficando apenas perdido nos diálogos iniciais. Contudo, apesar disso, a forma como o filme é construído é muito típica e próxima das habituais histórias que já conhecemos. Por melhor que seja o drama, não é nada que seja uma reinvenção gigante. É a tal frieza que quando colocamos de parte a afeição pelas personagens entendemos que aquela forma diferente, até pelas referências diferentes que têm, de contar histórias familiares trazidas do Ocidente não é notório. No fundo, e correndo riscos de estarmos a ser injustos, Minari é um bom filme mas que poderia, facilmente, ser esquecido pela academia se no ano passado não tivesse sido aberta a cancela do mundo no ano passado com Parasite. Porque o que temos aqui é aquilo que tornou Mulan, na sua primeira versão, em algo polémico que fazer um uso de uma cultura apenas para criar uma falsa ideia de representatividade numa longa-metragem que limando alguns diálogos é apenas um clássico emotivo de Hollywood e até um típico filme de Oscar. Ou seja, no guião, para quem assiste, talvez fosse mais interessante explorar um pouco mais das originais da cultura da família, das raízes. Porque é isso que na apresentação da Avó achamos que vamos ter mas que rapidamente é esquecido para dar destaque aos arcos mais dramáticos que vão, obviamente, ser mais apelativos para acelerar a trama mas que são um pouco mais vazios em entregar algo de novo a quem vê. 


Jacob é a representação do sonho, aquele dono das inspirações que todos almejamos, numa versão epicurista de quem acredita mesmo na beleza das coisas e acredita na força que tem para conquistar os seus objetivos. Quando achamos que já entendemos tudo sobre os seus objetivos e que já entramos na bolha e sabemos tudo o que vai acontecer, o personagem consegue trazer-nos algumas nuances que saltam à vista e em conjunto com Monica dá aquele choque entre o sonho e o realismo que é necessário para o conflito chegar exatamente onde o texto nos quer: Colocar um ponto final numa relação que está em constante conflito desde o primeiro minuto, com objetivos muito diferentes. Apesar disso, quando achamos que estamos perante uma nova versão da célebre frase “diferenças irreconciliáveis”, acontece o maior momento de viragem do filme, em que os dois protagonistas confluem no mesmo ponto e entendem que o caminho será sempre melhor quando é feito juntos e quando a união acontece até mesmo aquilo que pode ser um sonho distante se pode tornar muito mais realista do que aquilo que aparenta. As duas cordas partem e aquilo que parecia ser um fim à vista é na verdade o tão famoso recomeço de que falam desde o início do filme. Tudo cumpre o seu propósito e mesmo que chegue à narrativa como uma solução um pouco rebuscada, é uma moral para a vida. E no fundo, por mais que exista esse evento que acelera as coisas, não desvirtua o percurso e a simplicidade com que tudo foi sendo construído tijolo a tijolo. E temos de fazer uma adenda aqui, em que este é o único ponto em que a sabedoria ancestral dos mais velhos, típica das histórias da cultura ocidental, é utilizada trazendo a única leitura desse lado cultural para o guião.



O papel da Avó, por mais que não tenha sido utilizado no auge do seu potencial, serve a premissa de ser o elo de ligação numa família que caso não tivesse nenhuma interferência externa não conseguiria nunca chegar a bom porto. Em todos os dramas há alguém com esta função, e em Minari, felizmente esse papel coube a uma das melhores interpretações deste elenco, que tem vários destaques e muito talento. Não é surpreendente a nomeação de Youn Yuh-jung ao Oscar de Melhor Atriz Secundária, porque, na verdade, a partir do primeiro momento em que a vemos em cena já antevemos uma interpretação que seria exatamente isso, digna de Oscar. Em comparação com Steven Yeun, a atriz é sem dúvida um destaque mais explícito. No caso do ator, também ele indicado, há uma sorte enorme com o papel que lhe foi atribuído e que o faz brilhar, mas não é uma daquelas interpretações que nos fará cair o queixo, porque apesar das nuances, é maioritariamente linear naquele ambição quase pitoresca de cumprir os seus desejos e conseguir assumir o papel de chefe de família quase por uma obrigação cultural. Vende-nos verdade e credibilidade mas não nos dá aquele toque quase mágico numa interpretação que ficará gravada na nossa memória e que fará com que no futuro nos lembremos do filme. Aliás, em sentido inverso, o pequeno David torna-se muito mais facilmente nesse figura memorável, e não apenas pela inocência infantil mas pela forma como abraçou o personagem, de uma forma até mais clara e crua que muitos adultos. Por vezes a Academia tem algum pudor em entregar nas mãos de crianças os destaques, mas nos últimos anos já pecou com Jacob Tremblay em Room e Roman Griffin Davis de Jojo Rabbit.


Em análise final Minari é emotivo, apelativo e tem um ritmo que nos conquista e nos deixa livre de momentos mortos e antipicos, com a beleza da simplicidade escolhendo o que de melhor há nas películas de filmes indie e que tanto sucesso têm feito em Hollywood. Mas mesmo com tantos pontos positivos, Minari pode sofrer das altas expectativas de quem foi arrebatado pela surpresa que foi Parasite e que espere que essa sensação seja replicada. Não acontece, e tudo porque talvez tenha existido medo de arriscar com receio de sentir a rejeição do publico por apresentar realidades que sejam em larga escala diferentes das nossas. Ou seja, Minari é uma dicotomia para quem tenha um olho mais critico, mas é uma excelente opção para quem procura um filme para ver em família que traga alguma moral e que não deixe a matutar em nenhum assunto. Porque apesar de existir uma moral por detrás de tudo, a moral é aquela que já existe em várias películas do género. Mas isto tudo faz torna a experiência menos positiva? Não. Apenas o coloca na mesma prateleira de quem não perde a oportunidade de rever um bom romance. É bonito na conceção, tem ritmo, tem proximidade, empatia e um elenco que empola a proposta e melhora o argumento que está escrito dando-lhe mais caminhos e destaques menos óbvios. É um daqueles filmes que preenche a quota de películas mais familiares entre os nomeados dos Academy Awards mas que no resultado final não deverá levar para casa nenhuma das seis estatuetas pelas quais concorre, até porque apesar deste ser um ano atípico, em todas as categorias para as quais está indicado há melhores opções que podem cair melhor junto do público. Há apenas que ter em conta a vontade da Academia de Hollywood em diversificar os vencedores e que poderá resultar em prémios menos meritórios. O status final é um grande ponto de interrogação, mesmo que passe longe de ser um vencedor firme.