Crónica • "A arte também emigra"
Quem melhor para falar sobre a arte que artistas? Cinco jovens portugueses partilham o seu ponto de vista no que toca à arte e à cultura em Portugal e revelam as dificuldades que tiveram que ultrapassar para sucederem no mundo das artes, o porquê de terem que sair de casa e até mesmo do país e as opiniões da sociedade que os rodeava.
O desejo de ir estudar para o estrangeiro torna-se cada vez mais apetecível aos jovens de hoje em dia, não só por uma experiência de vida completamente diferente ou por motivos de crescimento pessoal, mas também por procura de melhores condições de vida e maiores oportunidades de trabalho. Grande parte destes jovens são artistas que sentem em Portugal uma falta de apoio e de oportunidade de formação e futuro na sua área, acabando por sentirem a obrigação de procurar noutro país aquilo que não encontram no seu.
Na situação em que nos encontramos hoje face à pandemia Covid-19, a cultura tem sido alvo de discussão por parte tanto da sociedade como dos órgãos governamentais. Tal como todos os setores o setor cultural também sofreu consequências negativas. Perante o acontecimento a 4 de junho surge a manifestação “Parados. Nunca calados” onde os profissionais da área demonstraram o seu descontentamento e preocupação no que toca ao desenvolvimento das suas áreas profissionais. Em novembro na Assembleia da República a ministra da cultura Graça Fonseca apelou aos portugueses que, uma vez possível, frequentem espaços como salas de cinema, teatros, exposições, bibliotecas ou concertos musicais, entretanto, mais profissionais se manifestavam no exterior. A pandemia salientou, assim, a necessidade de público e investimento em muitos setores e áreas onde muitos portugueses trabalham, enaltecendo a qualidade de vida em Portugal que, perante situações como a atual, decresce significativamente.
Mas porque não são a arte e a cultura devidamente valorizadas? Porque é que muitos jovens artistas decidem ir para fora de maneira a concretizarem o seu sonho? Tomei a liberdade de falar com cinco artistas portugueses de diversas áreas como dança, música, teatro, design e cinema, residentes fora e dentro de Portugal de maneira a tornar as questões acima mais claras para todos os cidadãos e, também, de maneira a apelar a uma mudança de mentalidade e atitude por parte de todos os portugueses.
Para aqueles que decidiram sair do país questionei-os acerca dessa mesma decisão, ao que recebi respostas semelhantes, “Sair do país foi necessário para poder crescer profissionalmente” (Alexandre Mateus, 20 anos, bailarino profissional nos Ballets de Monte-Carlo), “Melhores condições de ensino, professores mais informados, melhores e mais oportunidades de carreira” (Gonçalo Feijão, 19 anos, estudante de contrabaixo no departamento de jazz do Royal Conservatoire of The Hague), “Não há reconhecimento por esta arte e eu nunca iri ficar num país onde não sou aceite como todos os outros” (Catarina Pires, 18 anos, bailarina na Companhia Júnior do Dutch National Ballet). No que toca aos que permaneceram em território nacional ambos sentiram a necessidade de sair da sua cidade pela falta de diversidade de cursos existente em Portugal e nas respetivas universidades, o estudante de design de moda e têxtil Rodrigo Silva de 19 anos afirma “não haver qualquer universidade ou instituto politécnico no Algarve que tivesse o curso de moda”, motivo pelo qual se deslocou para Castelo Branco, já Simão Martins, também de 19 anos, saiu de Faro para estudar cinema na Universidade Lusófona, pois “era onde havia o curso que queria seguir”. Visto que a falta de oportunidade e apreciação pela área artística foram dos fatores que mais contribuíram para todos os deslocamentos, achei curioso saber se, numa situação hipotética onde Portugal era capaz de lhes proporcionar o mesmo estilo de vida onde agora estão inseridos, ficariam cá. Gonçalo Feijão e Catarina Pires afirmaram ambos que era algo difícil de imaginar, mas Alexandre Mateus sem hesitar expressou o seu afeto para com o país e disse que “Se conseguisse hipoteticamente essas oportunidades amanhã, voltaria para casa”.
Mas toda esta desconsideração pela arte é formada por uma sociedade que não sabe encorajar indivíduos “que se esquecem de considerar que nem todos os alunos querem ser, ou médicos, ou advogados.”, defende Simão Martins. A escola foi grande alvo de crítica por não apoiar estudantes com interesses fora das áreas que estudavam, Catarina relembra: “não conseguia ficar a par de todos os trabalhos de casa, todos os testes, toda a matéria. E lembro-me muito bem de muitos dos meus professores não me apoiarem de todo, de não me ajudarem quando tinha de faltar uns dias porque teria de ir a uma competição, tive de fazer tudo sozinha, eles não tinham qualquer compreensão por mim e por o que eu fazia.”. Apesar de fazer parte de muita da nossa formação o ensino português caracteriza-se pela ”falta de tempo, sobrecarga de atividades escolares, estudo, trabalhos, pressão da sociedade para suceder e obstáculos existentes ao desenvolvimento pessoal” algo que Simão salienta mas que é um pensamento comum dos estudantes portugueses. No que toca ao ensino artístico, exclusivamente, Rodrigo Silva defende que “A arte não se aprende da mesma maneira objetiva como a medicina, advocacia ou arquitetura.”, pois , “São-nos dadas bases, mas nem essas bases conseguimos interpretar de uma maneira produtiva, pois o único objetivo é fazer, e fazer bem à primeira, até podes errar e explorar, mas depois se calhar não vais ter a nota que ‘precisas’, e infelizmente para acabarmos um curso, ainda estamos dependentes das notas e de quem as dá. Para mim um número neste contexto, não é sinónimo de qualidade, nem de evolução, muito pelo contrário, é sinal de continuar a passar uma ideia retrograda e ultrapassada.”. A solução seria, então, “integrar no programa de aprendizagens, disciplinas ou atividades artísticas” e disponibilizar “mais tempo fora da escola não só para o desenvolvimento de projetos e exploração de ambições pessoais como também por questões de saúde e bem-estar geral dos jovens.” Sugerem Simão e Gonçalo, respetivamente, só assim será possível tornar o ensino mais moderno e aberto de maneira a ser capaz de encorajar, motivar e apoiar os alunos.
Portugal “, esquece-se um bocado da cultura, talvez por achar que não é um bem assim tão essencial (…) e só se vai lembrar disso quando os nossos artistas, que são ótimos profissionais, começarem a ir todos para fora trabalhar” (Simão Martins), a mentalidade portuguesa é de que “áreas artísticas profissionais não dão dinheiro e isto vai fazer com que por exemplo, desde cedo haja uma educação alarmista dos pais, avós, tios, etc...em que se és artista não vais ter emprego nem dinheiro para te sustentares” (Rodrigo Silva), é necessário “uma situação financeira mais estável para se poder desenvolver mais este aspeto em Portugal”, pois existe uma “forte prioridade económica que não permite que se invista o suficiente para poder desenvolver a cultura artística seja ela portuguesa ou estrangeira” (Alexandre Mateus), mas é também necessário uma mudança de mentalidade por parte dos cidadãos, pois “Os artistas por natureza já são pessoas que desafiam a sociedade e os portugueses não estão dispostos a ser desafiados, ou pelo menos não estão dispostos a reagir perante o desafio e por isso, por inveja, medo e por serem passivos, é natural que não apreciem nem desenvolvam e encorajem as artes no seu país.” (Gonçalo Feijão).
Os artistas portugueses são, na verdade, um bom exemplo do que é ser resiliente, quer pela sua dedicação em fazerem muito com tão pouco, como por tentarem fazer avançar um país que dificilmente se “move”.
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