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COMING UP | Wonder Woman 1984

 


É certo que o universo da DC Comics é um dos mais ricos em mitologia de personagens, contudo esta certeza e este elogio tornam-se no maior defeito da nova aventura da super heroína amazona nos cinemas. Na sequência, Gal Gadot chega com a vantagem de ter do seu lado o afeto de milhares de fãs, mas depois de ter feito um brilharete na sua primeira aventura a solo, desta vez resvala trazendo um argumento que tem como alicerce uma side story, um filler das Bandas Desenhadas, que pouco constrói é que em nada influência o futuro da Wonder Woman de agora em diante. Por mais que nos tenha feito rir e até consiga fazer-nos torcer pelo sucesso das personagens, Wonder Woman 1984 não é um filme evento, tem pouco brilho e pouco revela sobre a essência de Diana. Patty Jenkins desilude com uma película que arranca com uma boa e densa carga, mas que numa estranha metamorfose deita por terra o contexto que quer a primeira cena quer o primeiro filme criaram e apresentaram. Num ano que a Marvel se ausentou do calendário de lançamentos, Wonder Woman 1984 não cumpre promessas e passa longe de ser o melhor filme de heróis em 2020, com o malogrado Birds of Prey a fazer muito mais pelo universo estendido no cinema. Está entregue mais uma prova como estética e boas cenas de ação não fazem um filme ser bom, desta vez Wonder Woman consegue casar melhor com o mundo do streaming do que propriamente como um grande blockbuster. É tudo terrível? Não, por isso fica connosco em mais uma edição do Coming Up!


O arranque volta a beber do contexto histórico da narrativa clássica das Amazonas, com o torneio a encher os olhos do público e a fazer-nos acreditar que voltaríamos a enveredar ainda mais neste universo, porém foi um período curto e serviu de pouco para o resto do enredo que Wonder Woman 1984 tem para apresentar. Da mitologia sobrou a referência a Asteria, num diálogo que foi feito às três pancadas sem conexões com o ambiente à volta e um texto fraco que envergonha a interpretação memorável de Robin Wright. Trazer Asteria e a sua armadura para a sequela prometia dar ao público a fidelidade de um dos arcos bem-sucedidos da Banda Desenhada, mas logo na introdução entendemos que foi uma decisão feita sem esforço na tentativa de trazer um fan service que agradasse ao público. Asteria fica por ali, perdida nos ambientes místicos de um prólogo que dá embasamento a que a armadura surja, mas que não tem uma função representativa nos confrontos e desafios que Diana enfrenta. Foi um recurso que pretendia apelar, todavia trona-se em mais um desaire num filme em que os diálogos são o principal defeito. Que o diga Steve Trevor, o amor de Diana volta à vida, porém despido das nuances e da profundidade de personagem que teve na primeira longa-metragem, além de fazer o público mais leigo entender que ele não tem mais nenhuma característica especial do que ser piloto de profissão, ignora-se os feitos, o facto de ser combatente, numa livre desconstrução do personagem que serve apenas para dar um toque de romance numa película que não precisava dessa fagulha para fazer fogo.


Os fan service continuam com a estreia do jato invisível na ação, mas ao contrário do que a DC nos apresentou com Zack Snyder em Batman v Superman, em que todas as referências eram embrulhadas numa eloquência que apenas os grandes fãs entendiam, aqui a menção chega desconexa e torna-se desnecessária. Salvou a reputação da construção da personalidade de Diana no primeiro filme ao lembrar os feitos do pai em Themyscira e justificou a constante repetição da carreira profissional de Steve mas não fez mais que isso e acaba por desvalorizar a importância do recurso na ação. Para além de utilizar de forma bastante louvável os efeitos especiais acabou por banalizar o meio de transporte icónico da Wonder Woman, até porque em nenhum momento é referido que o Jato, ou melhor avião, neste caso, pertence a Diana. Ou seja, além de tudo, o argumento ainda deixa no subtexto a possibilidade da protagonista ter cometido um roubo, algo que torna baste paradoxal toda a luta contra o crime que a amazona apregoa. À parte de um subtexto pouco pensado e que nos faz acreditar que Diana Price foi nascida e criada em Gotham, encontramos outro problema no uso de recursos de forma bastante errada. Voltamos à armadura de Asteria para questionar se a Cheetah e Maxwell são vilões que justifiquem um recurso tão pesado? É que na leitura mais profunda da história, parece que houve um esforço para a introduzir em algum momento, mas não foi criada nenhuma situação que justificasse um recurso de ponta.


Toda a questão da armadura parece uma excelente jogada de marketing para acrescentar um detalhe que enche o olho, no entanto, ao fim ao cabo dá origem a um quebra-cabeças gigante. Ora para enfrentar o Ares, uma ameaça ao nível planetário, um Deus, a Wonder Woman reduz-se ao seu traje habitual, mas vê-se agora incapaz de medir forças contra um mortal que está dependente dos desejos alheios? Além de que o paradoxo é ainda maior caso tiremos dois segundos para pensar que o filme nos explica que Diana tem a armadura consigo desde que saiu de Themyscira, o que tendo em conta que todo enredo do primeiro filme acontece na terra natal da protagonista torna tudo ainda mais desconexo. É nestes detalhes que a Marvel nos consegue prender, por não deixar brechas na sua timeline, mas mesmo na DC, do que vimos até agora, nada pareceu tão descabido e até em Shazam! que pretende ter uma narrativa mais leve e familiar os pontos se ligam melhor do que em Wonder Woman 1984. Aquilo que seria o ponto que faria qualquer fã ficar de queixo caído torna-se num final de mid season de uma temporada de Supergirl com melhores efeitos visuais e uma melhor atuação da protagonista, por sim, é a atuação de Gal Gadot que salva alguns momentos da longa-metragem e nos faz respirar fundo e acalmar o nosso coração de fã. Para uma das maiores personagens da Justice League, a Wonder Woman merecia, sem dúvida uma adaptação à sua medida e não ter ficado reduzida a vilões de categoria B que quase poderiam ser enfrentados pelo novato Peter Parker de Tom Holland. Não questionamos a ameaça nem o poder da soberba, mas havia melhores caminhos para explorar quando o assunto são vilões da DC Comics, talvez a falta de investimento num universo compartilhado, a sério, resulte nisto: um argumento que cumpre, mas que deixa apenas como vitória a capacidade de entreter e nos levar do ponto A ao B.


Valha-nos as atuações de Kristen Wiig e Pedro Pascal, que mesmo com personagens com uma densidade um tanto ou quanto básica conseguem render-nos ao seu talento. A história de Bárbara Minerva chega com um pé na porta com muitos pormenores para explorar, mas no resumo ficasse pela velha lógica da menina doce que se deixa corromper pelas forças negativas. O prólogo de Bárbara prende-nos a atenção e entusiasma, mas como a maioria dos arcos de Wonder Woman 1984, essa excitação ficasse pelas primeiras imagens. Podemos culpar a pedra e as suas forças, mas será que existia necessidade de tornar a personagem numa vilã tão rasa? No fundo a premissa de representar as mulheres com pouca autoestima resvala para uma lógica em que poder e beleza são a coisa mais importante. No meio de tantas alterações que se fazem na indústria do entretenimento e nas adaptações de filmes de super-heróis teria encaixado melhor relegar este papel para um homem ou pelo menos remodelar um pouco os pormenores que ficaram datados no tempo, já o fizeram com Birds of Prey e até com Aquaman, por isso não há desculpas. E é tudo muito revoltante quando estamos a falar de um filme com o título de uma das personagens que revolucionou a forma como a cultura Pop encarava o género feminino. Por outro lado, bem que podemos agradecer por ter o talento de Pascal na pele de Maxwell ou tudo isto ainda se poderia tornar ainda mais trágico. O ator é uma agradável surpresa é muito à conta das várias camadas e perspetivas que a sua interpretação e expressão dão ao texto. Não sabemos se será a escola de The Mandalorian, mas a expressão corporal de Pedro Pascal vai viajando na loucura do personagem fazendo os momentos de loucura tornarem-se muito mais credíveis e conseguem por si só superar a caracterização feita, que diga-se também está longe de falhar. Há resquícios de humanidade na essência, e não é a resolução do personagem que nos diz isso, é a forma como ele olha para o filho em cada contracena, há um senso de verdade que contrasta com os diálogos, que mais uma vez, ajudam muito pouco a criar empatia naquela relação e que estão recheados de bordões dos dramas de classe B. A ascensão do vilão está correta e é interessante, o erro aqui é a magnitude que lhe é dado, por mais que a prestação de Pedro Pascal lhe dê uma megalomania gigantesca, na essência não é mais que um humano que está muito dependente dos outros para conseguir levar o seu plano avante.


Bem, temos de ser justos e há duas versões na hora de analisarmos Wonder Woman 1984: A do público generalista e dos nerds que já acompanham a personagem desde que eram pequenos. E estranhamente os dois ângulos são resultados extraordinariamente diferentes. Para o público mainstream, a fotografia, as coreografias das cenas de ação e os efeitos especiais não conseguem deixar de conquistar os fãs do género, com cenas de luta a encaixarem num romance de pano de fundo e uma trama que é fácil de entender e que não exige nada da sua audiência. Aqui a estratégia da Warner Bros de trazer narrativas individuais foi bem-sucedida, e há uma clara desconexão da profundidade do universo compartilhado, até mesmo quando colocado na mesma balança que a primeira aventura da super heroína. Os problemas vêm quando falamos do “público raiz”, aqueles que cresceram com a banda desenhada e que esperavam uma película mais justa, mais brilhante e maravilhosa, com nuances e relevo para a personagem no grande ecrã. Em comum, as duas perspetivas têm o louvor a Gal Gadot que volta a provar-se como mais do que uma cara bonita, se é que ainda existiam dúvidas sobre isso, e as primeiras imagens que nos fazem embarcar no filme. Se excluirmos estes pormenores, não há nenhum fã da Wonder Woman que perante a pedra dos desejos, neste momento, não pedisse por uma melhor longa-metragem sobre Diana Price. Aqui nem um SnyderCut salvaria a perspetiva geek daquele que não deixa de ser um projeto que, sem dúvida alguma, conquista as massas. Uma despedida sem sabor para o mundos heróis em 2020 e que nos deixa apreensivos para os próximos filmes da DC, será que a qualidade vai mesmo decrescer?