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COMING UP | The Chilling Adventures of Sabrina: Parte 4

 

Chegou com o apelo da nostalgia, as garantias de sucesso da produção que desenhou Riverdale e os efeitos especiais a aguçarem a curiosidade. Pareciam os ingredientes perfeitos colocados no caldeirão da Netflix para cozinharem a poção perfeita para enfeitiçar os fãs, mas na despedida The Chilling Adventures of Sabrina deixa-nos com mais pontos negativos a apontar do que louvores àquela que prometia ser trama programada para conquistar legiões. Na primeira temporada, The Chilling Adventures of Sabrina apresentou-se com a massa base das histórias do género fantástico, mas com a ousadia de se aventurar em tocar em pontos sensíveis da sociedade. Os diálogos que estabeleciam o paralelo aos dogmas do catolicismo deixavam-nos embevecidos numa qualidade de texto que nos apresentava novos e bons bordões em cada capítulo, e mesmo que fosse só o início da aventura já nos faziam preparar as malas e seguir com confiança para as futuras temporadas. Quatro partes depois fomos traídos por um enredo preguiçoso, que se agigantou demasiado e no qual nenhum argumentista soube pôr a mão, os temas sobre os quais se debruçava acabaram por ser suprimidos por um storytelling básico que chega a envergonhar o serviço de streaming por se qualificar a baixo das produções low budget da CW. Nem a protagonista escapou num mar de devaneios e fillers em que a maioria dos personagens servem de bibelôs à narrativa e quem em dado momento parecem entrar num contrarrelógio para tentarem entregar um final que tenha alguma dignidade. O resultado? Um enredo que não deixará saudades nem memória é um sem número de oportunidades desperdiçadas com tempo perdido em arcos pouco interessantes e que em nada acrescentaram ao universo a que a série se propõe. Uma despedida inglória que vamos analisar nesta nova edição do Coming Up! Fica connosco e vem entender o que falhou na temporada final da história de Sabrina Spellman.

Há séries que perdem fôlego por não encontrarem um rumo que sustente a base da trama principal, depois existe The Chilling Adventures of Sabrina que se alicerçou na mitologia mais rica alguma vez criada pelo Homem para contar a sua história. Contudo, ao contrário do expectável, o resultado final foi desastroso com os argumentistas a quererem explorar tanto do universo bíblico que acabaram por perder o fio à meada dos personagens que orbitam, desde o início, o plot da série. Quando damos conta, tudo se resume a Sabrina Spellman, tudo bem que é a protagonista que dá título ao show, mas não existia necessidade de tornar todos os outros personagens em meros figurantes com centenas de pontas soltas das suas vidas deixadas sem resposta, apenas para levar a jovem bruxa em mais um confronto com um ser místico. Até podíamos perdoar a falta de nexo dos episódios pela quantidade gigante de figuras que a exploração da Bíblia “exige” que apareçam, porém, apenas podia conquistar o nosso perdão se não tivéssemos como comparativo sucessos como Lúcifer ou Supernatural, que mergulham no mesmo universo e saírem de cara lavada com uma frescura que contrapõe com o peso das escrituras do catolicismo. Em The Chilling Adventures of Sabrina acontece exatamente o oposto e o cada vez que uma nova personagem deste contexto é apresentada já nos deixa adivinhar uma nova e entediante onda de explicações que não pedimos, com os diálogos a serem construídos para explicarem a crianças de sete anos o que é que se está a passar em cada cena. Ambrose então tornou-se no narrador-mor do show, com intervenções que serviam apenas para explicar ao público aquilo que qualquer espectador com o mínimo de intuição consegue entender livremente. Como se não bastasse o uso das forças descritas na Bíblia, a equipa criativa ainda acrescentava a isso invenções próprias em forma de releituras, Deuses Egípcios e nem a Mitologia Grega faltou ao banquete nesta última leva de episódios.

É mesmo assim tão mau? Infelizmente a resposta é sim. Os dois primeiros episódios são arrastados e sem nenhum momento que nos prenda realmente a atenção. Partimos em falta e sem paciência para mais um chorrilho de drama juvenis que não passam do mesmo ponto desde que conhecemos os personagens na season de estreia. Aliás, esse é um dos grandes problemas de Sabrina Spellman. Desde o primeiro episódio até ao último Sabrina passou por uma série de provas de sobrevivência mas no final das contas nenhum dos seus traços de personalidade se alterou um milímetro que fosse, não há sinal de remorso, ou de crescimento, de desenvolvimento pessoal, de confiança, de novas vontades, e o rol de críticas podia continuar porque o único ponto em que a narrativa se esforçou realmente para mostrar evolução foi nas capacidades mágicas de Sabrina que aumentavam indefinidamente a cada novo episódio. Tirando este último ponto, Sabrina Spellman passou todas as temporadas num jogo viciado de causa-efeito em que invariavelmente tinha sempre as mesmas reações. Uma personagem totalmente rasa, que foi absorvida num texto que apesar de girar completamente à sua volta não se parece interessar em dar-lhe novas nuances ou sequer algum senso de humanidade. Vimos mais emoção e crescimento de personagem com os protagonistas de Digimon no último episódio de Digimon Adventure, do que em quatro temporadas inteiras de The Chilling Adventures of Sabrina. Kiernan Shipka cumpre a sua função, mas também não sai livre de culpas. Por mais que os diálogos não lhe entreguem bons momentos, a interpretação da atriz também não parece sofrer qualquer tipo de alteração perante os vários impactos que foi sofrendo. É tudo tão linear e monocórdico que chega a obrigar até os maiores maratonistas a deixar descansar a série ao final de um ou dois episódios. E é tão triste que chegue a este ponto.

Salva-se a boa química com Nick, mas até aí existem problemas. Tudo bem que já sabíamos que mais cedo ou mais tarde o casal acabaria por cair nos braços um do outro, mas ninguém previu que o click na cabeça de Nick acontecesse num minuto. Passamos de uma relação com Prudence para um amor exacerbado por Sabrina numa questão de frames e pior que isso sem uma explicação lógica ou sequer um momento de confronto entre Nick e a sua, então, ex-namorada que mostrasse verdadeiramente o término da relação. Se fecharmos os olhos em breves instantes e nos colocarmos na visão de Prudence parece que o rapaz com quem namora iniciou uma relação com outra pessoa e simplesmente se esqueceu de a informar. Nick nem é a pior parte se pensarmos em Roz, que desde a segunda parte de The Chilling Adventures of Sabrina parece ter sido contratada para fazer figuração especial como a amiga humana de Sabrina, que depois já não é humana. Roz tinha o seu próprio propósito sobrenatural, que até podia ser criticável, mas que dentro das incongruências do texto até estava bem sustentado, mas na última temporada e a poucos episódios do encerramento do show, os guionistas decidiram catalogá-la como bruxa, sem nenhuma necessidade e sem que isso representasse qualquer consequência séria no decorrer da trama. As suas capacidades de clarividência, bem justificadas, seriam mais do que qualificação suficiente para que ela acompanhasse Mambo Marie e Prudence como zeladoras dos cosmos, perder tempo a descortinar verdades sobre a origem de Roz entra para o top de arcos mais desnecessários do mundo das séries. Zelda e Hilda tiveram os seus momentos de respiro ao longo desta última season com pequenos avanços nos seus dramas pessoais, mas foi um toque tão leve que não chegam para valerem uma menção positiva, e sim, a aparição forçada de Tom Vinagre foi tão ridícula que chegou a dar pena ver o trabalho de construção Miranda Otto ser reduzido a uma jogada de texto digna de um autor em fase de aprendizagem. Sobre Theo nem vale a pena falar, já na análise à anterior temporada falamos da necessidade de aprofundar a sensibilidade de um tema tão forte quando a transexualidade, mas se já aí o tratamento dado ao personagem era, no mínimo, bizarro, agora passou a barreira do ridículo para se apresentar como apenas mais um para encher a tela nos intervalos das grandes lutas de Sabrina.

Por mais incrível que possa parecer nem no crossover com as icónicas tias Hilda e Zelda de Sabrina, The Teenage Witch, conseguiram acertar. Na primeira aparição de Caroline Rhea e Beth Broderick, o coração de qualquer nerd do início dos anos 2000 bateu mais depressa na esperança de que este reencontro fosse o momento que faria valer a pena toda a temporada repleta de fillers. Mas aquilo que prometia ser uma agradável surpresa tornou-se num verdadeiro inferno que desperdiçou uma oportunidade única de fazer história. A Hilda e Zelda da série clássica estavam lá em carne e osso, com algumas expressões que faziam menção ao original, mas totalmente desprovidas da sua essência característica e com algumas cenas que em que forçavam de tal forma os momentos de humor que pareciam estar a gozar com o trabalho que fizeram anteriormente. Nenhum fã gosta de ver os produtos que construíram o seu imaginário serem ridicularizados, sobretudo se essas palavras surgirem da boca das personagens icónicas que marcaram, a dado momento, a indústria. Perdeu-se a oportunidade de um confronto entre a realidade do Sabrina, The Teenage Witch e o universo de The Chilling Adventures of Sabrina, perdeu-se a possibilidade de trazer mais memórias afetivas devido a um guião que parece estar preso às paredes daquele cenário e que se autolimita a pensar para além do óbvio. No final do capítulo as versões antigas de Hilda e Zelda ainda se tornam em vilãs da série numa proposta completamente sem sentido que só nos deu pena de assistir e ajudou a que nos desiludíssemos ainda mais com esta última temporada. Ah, e não podemos passar um pano nos constantes erros de contexto, com Sabrina a ser anunciada como substituta da antiga Sabrina, para minutos depois em conversa com Harvey, este lhe dizer que tinham gravado todas as cenas em conjunto. Quando nem nos pequenos pormenores há a preocupação de se amarrarem as pontas, nem vale a pena falar dos grandes núcleos.

Depois de quatro partes, The Chilling Adventures of Sabrina chega ao fim, numa despedida tardia fruto de sucessivas renovações que desvirtuaram por completo a proposta inicial da história. No final das contas, se formos repensar em tudo o que está para trás, tínhamos ficado mais bem servidos se a série tivesse terminado no final da segunda season, com tudo fechado em harmonia, personagens desenvolvidos e no auge do seu potencial, uma Sabrina com as pazes feitas consigo mesma e com a promessa de se tornar mais madura daí em diante. Olhando agora parecia o cenário idílico para encerrar a série. Certamente seria mais lógico do que a versão apresentada no último capítulo oficial. Até podemos não ser fãs do tradicional final feliz, mas há diferença entre deixar os protagonistas sucumbirem com o objetivo de nos ensinar algo, trazer alguma moral, e isto que temos aqui que claramente serviu apenas para chocar o público sem necessidade e sem trazer qualquer benesse daí. Continuamos sem saber o que aconteceu com Prudence, Ambrose, Zelda ou com algum dos casais. Podemos imaginar em alguns casos que tenham conseguido o seu final feliz, mas, sinceramente, talvez tivesse sido mais interessante ver Sabrina Spellman morrer logo no primeiro capitulo da última temporada e a partir daí ver como todos os personagens se adaptavam a uma nova realidade. Ficam perguntas por responder depois de uma season inteira a encherem-nos com dados que serviram para praticamente nada. Por uma questão de dignidade, da mesma forma que num estalar de dedos se inverteu o status da relação entre Nick e Sabrina, mais valia terem aproveitado o embalo para oferecer saídas de fundo ao restante elenco. É que nem foi uma questão de falta de oportunidades porque Theo, por exemplo, podia perfeitamente ter feito as malas e seguido com os elfos para um lugar seguro, sempre era melhor do que limbo do nada. O grande inimigo desta vez era o Vazio, e nada podia casar melhor com o texto da série neste ponto do que esse grande nada. Vamos todos convencer-nos que esta trama foi cancelada em 2019, quando tudo estava bem. Certamente não será difícil, porque a única memória que The Chilling Adventures of Sabrina nos deixa é o seu honroso lugar no Hall of Fame da lista de séries com piores finais, ao lado de Dexter ou Game of Thrones.