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Entrevista DOP - Patrícia Ahmar

Fotografias: Direitos Reservados

Patrícia Ahmar é bailarina, professoras e  designer de moda de Dança Oriental em Portugal. Na segunda edição desta iniciativa entre Fantastic - Mais do que Televisão e o projecto Dança Oriental Portugal, a artista falou connosco sobre a sua paixão e trabalho com o design de fatos de Dança Oriental, como se desenvolve o processo de criação dos seus fatos, porque deixou de promover formações de Dança Oriental em Portugal, sobre os benefícios e dificuldades por que passou aos 29 anos, no início da sua carreira de dança, entre outros temas. 

1. Como começou a tua paixão pela Dança Oriental?
Olá, antes de mais obrigada pelo convite!
Desde sempre tive muita curiosidade sobre o universo árabe: música, história, arquitetura, estética e dança claro! Mas, nos locais onde vivi, não havia aulas de dança oriental. Por isso, foi com grande entusiasmo que, em 2006, acabadinha de chegar para uma temporada na Alemanha, me deparei com uma escola/atelier dedicados exclusivamente a esta temática. Entrei, marquei a aula experimental e desde então nunca mais parei.

2. Durante vários anos, foste responsável por trazer a Portugal vários renomados bailarinos de Dança Oriental como Gamal Seif (Egipto/Alemanha), Munique Neith (Espanha), Gitza (México/Espanha), Mohamed Shahin (Egipto/EUA), entre outros. Como te surgiu a ideia desta iniciativa?
Algum tempo depois de começar a dançar, comecei também a frequentar workshops com diferentes professores, em Portugal e fora, e à medida que fui acrescentando formação ao meu currículo, senti necessidade de aprofundar alguns temas. Ora como na época, eu trabalhava como engenheira, e as férias para "BellyTurismo" são finitas e, como a maioria da oferta existente em Portugal era sobretudo focada em workshops de coreografia, decidi organizar cá, em Lisboa e no Porto, algo diferente.
Primeiro organizei o Curso de Formação de Professoras, lecionado pela Prof. Munique Neith (pela primeira vez leccionado fora de Barcelona), depois idealizei um ciclo formativo, que chamei de Aperfeiçoamento Técnico para Bailarinas de Dança Oriental, onde cada módulo era sobre um tema diferente e ao mesmo tempo complementar aos seguintes e claro, todos importantes de esmiuçar dentro do universo dança oriental: folclore, ritmos, presença cénica, interpretação, técnica coreográfica, etc..


3. Porque é que deixaste de promover estas formações?
Durante muitos anos tirei do meu tempo pessoal e laboral, para organizar estas formações. Foi muito enriquecedor a vários níveis: técnico, pessoal (porque conheci pessoas que fazem parte da minha rede de afectos até hoje), artístico, tudo menos económico, mas dei continuidade porque adoro organizar e gostava da partilha que se dava. 
Com a crescente oferta de formação em Portugal e também o crescimento de uma vertente mais comercial da dança, comecei a ter menos meninas a inscreverem-se, e a determinada altura apercebi-me que estava a pagar para oferecer formação, pelo que decidi parar por um tempo.


4. Começaste a dançar com 29 anos, idade que muita gente pode considerar tarde para começar esta carreira. Quais os benefícios e dificuldades que tiveste na tua carreira de bailarina por começares a dançar em idade adulta?
Benefícios, foram imensos! Posso dizer que quando comecei, tinha vergonha até de olhar para mim ao espelho! Lembro-me que quando a minha estadia na Alemanha terminou, fiz o meu jantar de despedida num restaurante libanês onde a minha professora costumava dançar, e de surpresa, a determinada altura do show ela chamou-me para dançar com ela (já tinha quase um ano de dança nesta altura), e eu chorei de pânico agarrada à cadeira!
A dança ajudou-me a conhecer-me melhor, a reconhecer e ultrapassar os meus medos, a aceitar-me como sou, bem, sem dúvida a gostar mais de mim e a ser mais assertiva, o que me valeu para todas as esferas da minha vida... Foi uma verdadeira metamorfose sair daquela cadeira e alguns anos mais tarde dançar a solo num palco. 
 Dificuldades?... Só as que os benefícios dos suplantaram.



5. Que conselhos dás a quem começa a dançar em idade adulta, mas que tem o sonho de se tornar profissional?
Para começar, é precisa MUITO mais dedicação do que a que necessita uma menina de 20 anos. Primeiro, porque temos muito mais obrigações, o que requer muito mais ginástica ao nível da gestão de tempo e do dinheiro. Muitas vezes pensava nisso, que eu ia dançar num bar, por exemplo, numa sexta depois de 8 horas de trabalho, e que tinha colegas estudantes, que chegavam depois de terem estado a tarde toda a ensaiar... Por isso, se querem chegar a ser profissionais, acho a palavra-chave é DISCIPLINA (confesso que às vezes a mim me custa muito).
A nível físico, não acho que idade seja um problema, desde que fisicamente se esteja bem (no sentido lato e não estético!) e haja Vontade e Empenho, cada uma pode chegar ao objetivo de traçar para si.
Eu nunca tive a pretensão de ser profissional nacional ou internacional, mas sempre tentei comprometer-se com os projectos que abraçava da forma mais profissional que conseguia. 
Ao longo do meu percurso, tenho-me limitado a traçar objetivos de médio/longo prazo realistas para mim, sem me desmerecer, nem autoenaltecer. O que tinha que acontecer, foi acontecendo de forma natural...

6. Como professora, focaste-te muito no ensino do Folclore Árabe. Podes falar-nos um pouco da importância de aprender folclore árabe para o percurso de uma bailarina de Dança Oriental?
Não sei porque é que toda a gente tem essa ideia!  As minhas alunas e ex-alunas, podem atestar que nas aulas, dou igual destaque às diferentes vertentes da Dança Oriental, mas sim, gosto e sempre senti falta de ver mais folclore no palco. 
No primeiro evento que organizei com um professor egípcio, em parceria com a DançaAtitude, resolvemos fazer um espectáculo apenas de folclore. Enviámos uma lista de estilos folclóricos árabes aos bailarinos convidados e, por ordem de chegada, eles escolhiam o estilo que queriam fazer. Foi um espectáculo brutal! Nessa altura levei um grupo de alunas minhas do Porto, que não obstante estarem comigo há menos de um ano, fizeram muito boa figura e, a partir daí, muita gente da comunidade de dança de Lisboa, que não me conhecia, passou a associar-me com o folclore. 
Eu confesso que adoro pesquisar sobre isso. Acredito que o estudo do folclore traz mais à bailarina do que apenas um ritmo ou um acessório. Tem que se conhecer a "personagem" a fundo para fazer uma interpretação verdadeira/credível no palco e não uma pantomima (no sentido de overacting).
O estudo do folclore traz: técnica, ritmologia, história, contexto socio/cultural, estética determinada pela geografia, função e pelo contexto, interpretação etc…


7. Em 2008, criaste a tua marca de roupa, a Ahmar BellyClothes. Como surge esta tua paixão pelo design de moda?
Ui!... Olha, muito resumidamente: eu desde adolescente que faço roupa para mim, de forma autodidata, mas sempre procurando e aprendendo costura. Cresci numa época em que a moda ganhou mediatismo com as supermodelos, e eu tinha o sonho de vir a ser uma próxima Vivienne Westwood.
O tempo levou-me para a Engenharia do Ambiente, e anos mais tarde, com a dança oriental, trouxe-me de volta à moda. Foi natural!... Precisava de roupa de dança, era uma "tesa", gostava de criar e costurar. Daí ao nascimento do meu primeiro modelito foi um passo.
Depois as colegas de aula começaram a pedir, a seguir comecei a levar roupa minha para eventos de dança, a comunidade começou a conhecer-me e a procurar o meu trabalho e pronto, quando o meu contrato de engenheira acabou, resolvi não mandar mais currículos nessa área e dedicar-me a exclusivamente à minha marca.



8. Quais são as tuas fontes de inspiração para desenvolver as tuas criações?
Tudo! Sou uma pessoa muito eclética por natureza e de mente um POUQUINHO dispersa, por isso às vezes, a dificuldade é triar ideias! 
 Na moda, há alguns designers cujo trabalho venero por diferentes motivos: John Galliano, Vivienne Westwood , Alexander McQueen… entre os meus favoritos. Mas as minhas referências vão muito além disso. Adoro mimetizar a natureza, seja na mistura de cores ou na forma. ADORO roupa de época. Mas gosto sobretudo de roupa funcional, confortável e versátil. Que o mesmo figurino se possa converter em diferentes looks no palco.

9. Podes contar-nos como se desenvolve o teu processo de criação de um fato de Dança Oriental?
Hum… Depende um pouco. Se for um fato para Stock, como não tem uma destinatária específica, eu desenho-o imaginando o tipo de mulher que o vestiria: o tipo de personalidade, o tipo físico, o movimento… Normalmente o design vem-me sempre associado aos materiais que vou usar, pode ser algo que já comprei ou algo que vi e que me inspirou um determinado look.
 Se for uma encomenda, aí tenho clientes que já me contactam com ideias específicas, pelo que só preciso de as incorporar num design que tenha a ver, e vista perfeitamente a cliente, e encontrar os materiais adequados.
 Mas a maioria das vezes as clientes dão-me apenas uma cor, um detalhe, uma música, eu estudo perfil delas (físico e de movimento, se tiver acesso a vídeos) e desenho em função disso. Normalmente proponho duas alternativas e a cliente escolhe é que gosta mais.


10. Qual é a importância do fato de dança na actuação de uma bailarina de Dança Oriental?
Eu acho que é uma peça fundamental na composição da personagem de palco ou a ajudá-la a vir ao de cima. Com isto não digo que tem que ser o figurino mais caro ou mais vistoso, mas o que melhor se adapta à performance e ao mood que queremos criar em palco.
Li uma vez, numa entrevista da Farida Fahmy, que na Reda Troupe original, os bailarinos demoravam imenso tempo a colocar os acessórios todos. Nada estava cosido para agilizar o processo porque, o Mahmoud Reda considerava que esse tempo e o figurino ajudava a entrar na personagem e eu concordo com ele.

11. Na tua perspectiva, quais as características mais importantes no fato de uma bailarina? Porquê?

• Em primeiro lugar o conforto. Tem que vestir com uma segunda pele, para que a bailarina possa dançar sem pensar na roupa.

• Tem que enaltecer a bailarina sem se sobrepor a ela.

• Tem que funcionar como um prolongamento das linhas da bailarina e não limitá-las.

• Tem que ir ao encontro da personalidade da bailarina. Não é porque me visto como a "bailarina x" que vou conseguir dançar como ela.

                                                                                                                                               Fotografia: Gi Dreams Photography

12. Nos últimos anos, temos visto o surgimento de algumas bailarinas nacionais que se apaixonam pela arte de criar fatos e iniciam a sua carreira no design de moda para Dança Oriental. Qual a tua opinião sobre este mercado que se está a começar a formar? 
Que bailarina, nunca se viu na situação de ter que se desenrascar para adaptar um fato, antes de um espetáculo? Ajustar, decorar, coser pedras e colar, fazem parte do dia-a-dia de qualquer praticante de D.O. a partir de determinado momento.
Que bailarina, em algum momento do seu percurso, não se viu sem dinheiro para comprar o figurino do próximo espetáculo? Acho que começa por ser uma necessidade, com alguma carolice à mistura e depois, dependendo do jeito e dedicação, o trabalho vai crescendo e pode começar a ser requisitado e ganhar notoriedade.
Isto não vem de agora. É assim desde sempre! A maioria das designers de D.O. foram bailarinas, mesmo de entre as egípcias. 
Eu acho que só uma bailarina pode entender a relação entre estética e funcionalidade numa roupa, por isso o surgimento de designers/figurinistas para a dança dentro da comunidade dançante parece-me lógico e orgânico.

13. O que achas que se pode fazer para a Dança Oriental se desenvolver mais em Portugal?
Eu acho que a dança oriental em Portugal está no bom caminho temos muito boas bailarinas, que não só têm ganho notoriedade cá como, por essa Europa fora, e isso é sinal de qualidade. 
O ensino também tem sido encarado com cada vez mais seriedade e isso é fundamental para o crescimento sustentável do meio. Se tivesse que apontar algo, o que eu acho que também tem sempre margem para melhoria, é o encorajamento por parte d@s professor@s (numa fase inicial e da própria bailarina quando começa a carreira a solo) no desenvolvimento da sua própria personalidade dançante, para que artisticamente haja mais diversidade, o que também é mais interessante para o público.

14. Qual a tua visão sobre a Dança Oriental portuguesa actualmente?
Bem, acho que acabei por responder a esta pergunta na anterior (risos), e é basicamente isso: acho que temos um bom nível na Europa, temos muita gente dedicada e boa tecnicamente, umas conhecidas nas redes, outras que têm feito furor por esses festivais fora.

15. Que dicas dás às bailarinas que estão a surgir e que querem seguir a Dança Oriental de forma profissional?
Dou os mesmos conselhos que daria às mais velhas, com a diferença que podem traçar mais objetivos de carreira a longo prazo e têm mais margem para tentativa e erro.

16. Se te pedisse para nomeares um livro, uma peça de dança e uma música que aches que toda a gente precise de ler, ver e ouvir, quais seriam? E porque é que os escolherias?
Há tantos que poderia escolher!...Há um, que li há uns anos, e reli há pouco tempo que parece muito atual, porque fala de tolerância face à diferença, empatia, luta pela sobrevivência e por um ideal. Chama-se "A sétima porta" de Richard Zimler. 
Filme, de entre os meus preferidos de todos os tempos, que me emociona sempre, e que gosto de ver a cada passo: "Cinema Paraíso", do Giuseppe Tornatore.
Música... chiça este ponto é o mais difícil... vou escolher um cantor que tenho andado a redescobrir por causa do meu filho e que aconselho vivamente, pela sensibilidade e actualidade das letras: Sérgio Godinho.
E há uma música que a cada passo eu revisito e tenho vontade recorrente de coreografar apesar de não ter nada a ver com música oriental: "Nieblas del Riachuelo", cantada por Diego El Cigala, no álbum Lágrimas Negras 


17. Quais são os teus próximos projectos e objectivos profissionais?
Continuar a crescer, mesmo em tempos pandémicos e poder voltar a viajar com o meu trabalho.

Entrevista DOP - Patrícia Ahmar
Por Rita Pereira
Outubro de 2020