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Entrevista DOP - Denise de Carvalho

Fotografia: GiDreams Photography
Denise de Carvalho é uma das bailarinas e professoras responsáveis pelo ensino, divulgação e desenvolvimento da Dança Oriental no Algarve. Na segunda edição desta iniciativa entre Fantastic - Mais do que Televisão e o projecto Dança Oriental Portugal, a artista falou connosco sobre a sua relação com o Baladi, por que é conhecida, a experiência de aprender com grandes nomes da dança egípcia e de integrar a Companhia de Dança Ramzy Dance Troupe, como se desenvolveu a Dança Oriental no Algarve nos últimos 17 anos, entre outros temas.

1. Como começou a tua paixão pela Dança Oriental?
Ora bem.. antes de mais, muito obrigada pelo convite. Sinto-me muito honrada.. e muito obrigada por estas iniciativas que só nos fazem crescer enquanto comunidade! 
Respondendo: eu sempre fui um ser dançante desde que me lembro. Entrei no Ballet aos 3 anos, ainda o faço… e parei por volta dos 15 anos, por uma patologia de saúde óssea grave. Tive que parar toda e qualquer actividade, o que além de me fazer ganhar bastante peso e uma mudança corporal enorme, me deixou bastante incompleta… imagina, uma pessoa que sempre contactou com dança, com todo o convívio artístico e subjacente ao mundo da dança, de repente em casa parada... um terror! Até que um dia estava em casa e vi no programa do Herman José a Joana Saahirah... e confesso que o que mais me puxou a curiosidade nem foi a dança, foi uma frase que ela disse, que um dos benefícios da dança era o facto de ser uma actividade muscular, sem impacto. Então, entrei em contacto com ela, e durante três anos fui religiosamente uma vez por semana ter aulas particulares consigo a Lisboa... e o velho cliché de Pessoa confirmou-se: “primeiro estranha-se, depois entranha-se”… lembro-me de lhe dizer que NUNCA iria dançar em público ou dar aulas. E é só o que faço até hoje! A tal história: eu não escolhi ela escolheu-me. Fazendo um balanço, tenho agora 40 anos, e em toda a minha vida só não dancei 6 anos.


2. Quais são as tuas maiores influências artísticas?
Eu adoro dança. e tenho muito, muito presente o lado clássico, do Ballet. Sinto-me muito inspirada por dança, sejam elas danças do mundo, clássicas, étnicas, folclóricas, etc, e por bailarinos das mais variadas vertentes, e estilos. Mas, no caso da Oriental, adoro, amooo de paixão a Golden Era. Tenho cinco paixões assumidas: Naima Akef, Samia Gamal, Katy, Lucy e Souhair Zaki. São bailarinas que quando as vejo emociono-me, esqueço-me de respirar.. E além dos meus professores regulares, como a Joana Saahirah, a Serena, que deixam sempre um pouquinho deles em nós, neste momento as minhas duas fontes são a Munique Neith, quem eu respeito e admiro imenso, e que me transmite aquela pureza egípcia que tanto gosto, e o meu professor, David Abraham, que tem uma criatividade e uma delicadeza técnica que eu nem sei exprimir por palavras.

3. Quando foste ao Egipto, aprendeste com nomes históricos da Dança Oriental como Nagwa Fouad, Farida Fahmy, Mahmoud Reda, Lucy, Dina Talaat, Randa Kamel, Raqia Hassan, entre outros. Podes partilhar connosco algumas das maiores aprendizagens que estes mestres te deram?
Bem, acho que só este tema dava uma entrevista..:) Cada um deles tem algo muito presente que me marcou e me marcará para sempre em termos do meu ser dançante. Duas pessoas que me impressionaram muito mesmo foram a Nagwa Fouad e a Raqia Hassan. Com todos aprendi a honra e a responsabilidade que é representarmos o Universo deles, a cultura deles, e a dedicação constante e o conhecimento que devemos ter para honrar, homenagear, disseminar e “passar o testemunho” relativamente a esta dança.. ensinaram-me que nunca nos devemos esquecer das origens da mesma (daí depois as ter ido estudar..), que devemos ser humildes, devemos transmitir e não cair em excessos/necessidade de provar algo... é uma coisa mágica, a capacidade interactiva/comunicativa desta dança. Acho que não o vejo muito frequentemente noutras danças. O facto de sermos o 3D do que ouvimos, de sermos um instrumento visual, permite-nos uma conexão com o público muito mágica... e acredito que levei isto tão a sério que o estilo que mais me marca, e me comove dentro do Oriental é o Baladi… com certeza!

Fotografia: GiDreams Photography
                                                                                                                
4. Em 2007, integraste o curso “The Professional Dancer, Performer and Choreographer’s Certified Course”, de Hossam e Serena Ramzy e, posteriormente, integraste a sua Companhia de Dança, a Ramzy Dance Troupe. Como foi esta experiência?
Mais uma entrevista 😊 Foi, nada menos nada mais, que concretizar um sonho! Estava eu nesta azáfama Faro/Lisboa, ao que a Joana me diz que vai morar para o Cairo… e eu achei que o meu caminho em dança estaria por ali. Mas antes de ir, deu-me um folheto de um workshop do Hossam e da Serena, em Barcelona, e disse-me que achava que eu deveria ir, que ia adorar. Ao princípio não achei muito viável, mas o que é certo é que fui… e foi tudo tão rápido. Adorei o workshop, eles falaram-me das aulas em Inglaterra. Comecei a fazer tudo o que era workshops e aulas com eles... o facto do Hossam ser o músico brilhante que foi, que é (os artistas são imortais, para mim…) deu-me toda uma nova visão da dança... e aí sim começou o “love-affair” entre mim e esta dança, que dura até hoje.. quem diria?! Comecei a aprender sobre estilos, interpretação, história da dança… até que me convidaram a participar neste curso. Foi um salto de fé... viagens constantes a Inglaterra, eu a começar a viver da dança, e de repente, num dos dias de curso (lembro-me como se fosse hoje), à noite, a chover torrencialmente, o Hossam perguntou-me se eu queria entrar na companhia deles. Acho que fiquei em modo choque/apneia/arritmia cardíaca durante um bocado :) Nem quando dancei com eles a primeira vez me caiu a ficha. 😊

5. Há várias bailarinas nacionais que te destacam pelo estilo Baladi. Podes falar-nos um pouco sobre a tua relação com esta dança?
O Baladi, para mim, é dança.. até se torna difícil de explicar. Eu adoro clássico, adoro todo o ambiente de palco, os brilhos. Adoro dançar em Feiras Medievais mas o Baladi é uma coisa que eu não sei explicar. Quem me falou disto pela primeira vez foi o Hossam e a Serena. E falaram-me com um respeito, que durante uns tempos me pediram para dançar (porque o meu instrumento de eleição é o acordéon…) e eu não conseguia... é verdade! É o único momento, e único estilo em que sinto dança! A improvisação, a emoção… é o que arrepia e me faz sentir realmente parte de algo.


6. Ao longo da tua carreira, tens dançado em várias feiras medievais por todo o país, fruto de uma colaboração com o Laboratório de Recriação Histórica Viv'Arte. Podes falar-nos um pouco sobre como funciona o processo criativo com esta companhia de teatro?
Então, fui parar ao mundo encantado das Feiras Medievais pela mão dos Viv’Arte… mais precisamente, da Petra Pinto, quem eu adoro e admiro imenso. É um estilo adaptado, não é “Dança Clássica”, digamos assim, a roupa também sofre algumas adaptações.. em função da época, e do tema da Feira, tentamos encontrar alguma bibliografia (o que é extremamente raro) e adaptar/recriar tendo em conta os dias de hoje. É um trabalho que eu absolutamente adoro! Primeiro porque os Viv’Arte têm um rigor histórico e uma energia única; segundo, porque são mais danças de grupo, outra das coisas que me encanta no mundo da Dança Oriental.

7. Ensinas Dança Oriental em várias cidades no Algarve - Faro, Olhão, Tavira e és uma das profissionais com mais destaque no Algarve. Quais são as razões pelas quais os/as teus alunos/as procuram aprender Dança Oriental? 
Antes ensinava pelo Algarve, e uma aula mensal em Lisboa, mas entretanto nasceram dois piolhinhos (agora, um com 3 e outra com 2) que me fizeram adaptar os horários e estas deslocações todas. Comecei a leccionar em 2003 e curiosamente, o motivo pelo qual procuramos este tipo de dança resume-se a um: ter tempo para nós. Mas para Nós, para o nosso interior… para o nosso feminino. Não sei muito bem como e quando isto aconteceu, mas chegámos a um ponto onde as mulheres deixaram de ser femininas... por exigências sociais, laborais… não quero entrar por este caminho. Tenho as minhas teorias... mas lá está... teorias! Acho que a pessoa que vai para uma aula de dança leva com uma “extreme make over” em termos do que recebe: parte física, mental, emocional, auto-estima, postura, relacionamento com os outros, disciplina, auto-superação, confiança... Nas minhas aulas, até aprendemos a andar... e a respirar! Por isso, respondendo à pergunta, seja consciente ou inconsciente, o motivo é sempre o mesmo: uma viagem de retorno ao lado feminino.

8. Podes falar-nos um pouco sobre o teu método de ensino?
Eu sou das chatas.. ahahha! As minhas alunas aqui iam falar muito mais do que eu. Eu não acredito na competição externa. Acredito que a dança nos melhora como indivíduos... gosto muito, promovo que as minhas alunas tenham aulas com várias professoras, e sempre que vou ter formação gosto que venham comigo. Não gosto de clones... mesmo em coreografias, muitas vezes deixo espaços em aberto (partes de música, movimentos de braços…) onde cada aluna escolhe o seu, e muitas vezes são elas que fazem pedaços de coreos… sou exigente, é verdade... temos aquecimento com postura, flexibilidade, força, treinamos movimentos específicos, sequências, coreos, e também muito improvisação. No fim, trabalha-se, mas com muito boa energia!! Ou seja, o objectivo é sempre estimular seres individuais. Saudades das aulas presenciais... :P

9. Que características achas que são indispensáveis num professor de Dança Oriental?
Isto é muito relativo… mas, na minha opinião, e não só na Dança Oriental, um professor deve ser exigente, mas ao mesmo tempo divertido e descontraído.. deve transmitir o que sabe, da maneira que sabe, tentando levar as alunas mais além do que ele próprio foi. Deve contextualizar a Dança, a sua história, honrando o passado quer da Arte, quer dele próprio. Nós levamos connosco sempre um pouquinho dos nosso professores. Tive professores espectaculares e em todos eles, os memoráveis, há algo em comum: o desejo genuíno de ver pessoas felizes, a crescer.

Fotografia: Miguel Januário
                                                                                                                                     
10. Como analisas o desenvolvimento da Dança Oriental nesta região do país desde 2003, o ano em que começaste a ensinar?
Logo quando comecei não havia muita coisa cá no Algarve (vou falar do meu caso), ou se havia eu não tinha conhecimento. Então, quando comecei a dançar lidei com situações de muito preconceito… Lembro-me de demorar 6 meses (sim, 6 meses..) a alugar um teatro/auditório aqui em Faro porque os responsáveis do espaço achavam que Dança Oriental era uma coisa quase a ser misturada com prostituição.. Felizmente, essa sala tem 400 lugares… e vamos para o 11º evento lá, e todos esgotam. Muitas pessoas vão há anos. Então, acho que isto fala por si. Desde 2003 mudou imenso. Há já muita coisa interessante a acontecer no Algarve, e acredito, que em termos nacionais, a dança ainda é relativamente recente (se compararmos com outros países, como por exemplo o Brasil), mas que há um potencial gigantesco de dança aqui e se for bem aproveitado… ui, ninguém nos pára!

11. Em 2012, criaste um grupo com as tuas alunas, as Cia Samirah. Podes explicar-nos a razão pela qual criaste o grupo e porque lhe deste este nome?
É uma história bem simples. Sempre tive um grupo de alunas avançadas a dançar comigo. Um projecto, digamos assim. Mas entretanto comecei a estudar com a Munique Neith, e ela convidou-me para dançar no Festival dela (Egipto en Barcelona), primeiro a solo, depois a solo e com alunas, depois como integrante do seu Ballet Internacional… e achámos interessante termos um nome, para facilitar as coisas. Nos espectáculos de final de ano letivo que organizo dou sempre um nome de bailarina ao espetáculo…  as meninas gostaram e foram elas que escolheram.. 😊



12. O que achas que se pode fazer para a Dança Oriental se desenvolver mais em Portugal?
Hoje em dia, há uma oferta gigante que as bailarinas do meu tempo, quase dinossauras (ahahah), não tivemos. Se queríamos aprender, iríamos ao país de origem do professor… e as formações eram caríssimas. Hoje em dia temos festivais cá, com cabeças de cartaz fantásticos… temos muitos professores,. temos um mundo disponível no Youtube.. então, na forma como vejo as coisas, e aí admiro muuuuito a disciplina do Ballet, a Dança não precisa de se desenvolver... quem dança sim. Quanto mais as pessoas quiserem aprender, crescer, honrar o seu passado e esta arte, mais esta dança cresce. Acredito que todos nós, membros da comunidade dançante, temos um papel na mesma, fundamental, e que temos todos a aprender uns com os outros. É este o fascínio que esta dança me causa... honrar as individualidades.

13. Qual a tua visão sobre a Dança Oriental portuguesa actualmente?
Acabei por responder nos outros pontos. Entusiasmo-me a falar e dá nisto!:) Acho que somos ainda recentes, com uma história pequena, mas que temos tudo para conquistar o nosso lugar dançante, digamos assim. Começamos a ver festivais.. portuguesas/es no estrangeiro... união da comunidade... por causa do Ballet Internacional da Munique tenho uma “parceria artística” muito especial com 4 bailarinas (Patrícia Ahmar, Catarina Nivalova, Cris Aysel e Susana Amira) que estamos sempre em contacto dançante, seja ele criativo, dicas de aulas, tudo… e é isto que eu acredito que a dança faz, que une verdadeiramente as pessoas, por isso, penso que estamos no bom caminho.



14. Que dicas dás às bailarinas que estão a surgir e que querem seguir a Dança Oriental de forma profissional?
Humm.. só posso falar por mim. Acho que há duas coisas que me definem e que foram muito importantes para eu estar neste meio desde 2003 and still going.. primeiro, respeito! Respeitar quem somos, o nosso percurso, os nossos professores, os nossos alunos, os nosso colegas, o nosso público, os nosso técnicos. Respeito é fundamental para mim. E segundo, lá vem o cliché: “Parar é Morrer”. Nunca deixar de ter aulas, de reciclar conhecimento, de ler, de ter formações, de outros tipos de dança... o que for. Mas nunca parar.

15. Se te pedisse para nomeares um livro, uma peça de dança e uma música que aches que toda a gente precise de ler, ver e ouvir, quais seriam? E porque é que os escolherias?
Isto é difícil.. a minha segunda paixão é a Literatura. Curiosamente, li muitos livros super interessantes quando fiz a minha monografia de fim de curso dedicada às origens da Dança Oriental no Egipto, mas não escolheria nenhum desses. Vou antes escolher A Arte da Felicidade de Howard Cutler. Foi simplesmente uma entrevista feita por este homem, um psiquiatra norte-americano, ao Dalai Lama. Levei-o quando fui fazer a minha tese para o Egipto, e senti um choque cultural gigante.. este livro fez-me entender diferenças de opinião, e da importância de sermos tolerantes com a perspectiva do outro. Adorei. Marcou-me.

Uma peça de dança.. aqui vem a costela clássica. Porque já a dancei até perder a conta e ainda hoje me tira o fôlego: Quebra-Nozes, de Tchaikovski. Por tudo: pela história, pela música, pelos personagens, pela diversidade musical, pela criatividade... Eu fico sempre a sentir-me uma formiguinha quando vejo uma produção de Ballet Clássico. E também pelo facto de não termos a mínima noção de que para um bailado funcionar, a quantidade de pessoas que está envolvida: cenário, cabelos, maquilhagem, responsáveis por pontas… enfim! Vejo todos os anos, pelo menos uma vez – no Natal. Leva-nos para um mundo absolutamente mágico e sensorial.

Uma música, este foi o mais difícil. Eu adoro música, seja clássico, oriental, afro, hip hop, soul, rock... adoro. Tenho muitas fontes musicais de inspiração bastante diversas… mas uma que vai automaticamente à lagriminha, o Verão, de Vivaldi.. eu avisei, sou das clássicas. Para mim, é meditação!


16. Quais são os teus próximos projectos e objectivos profissionais?
Neste momento, estou a explorar um tipo de aulas diferentes que se chamam MEOr.. Movimento de Expressão Oriental. São aulas com movimentos de Dança Oriental (porque acredito muito na estimulação e na terapia energética desta dança), mas com sonoridades do mundo e não só orientais.. Ando numa fase mais ligada à vertente terapêutica desta Dança… mas uma coisa não inibe a outra, e já estou cheia de saudades de montar um espetáculo!! :) Por isso, projectos: muitos muitos muitos com mais profissionais de áreas diferentes (Débora Gonçalves, Yoga; Joana Peres, Dança Africana; Carla Peralta, Terapêuta Sistémica). Entender que a Dança não é unidireccional, mas sim um mundo de oportunidades. O objectivo continua e há de ser sempre o mesmo: fazer as pazes com o feminino, assumi-lo, honrá-lo e ajudar mulheres no processo alquímico de desabrochar.

Entrevista DOP - Denise de Carvalho
Por Rita Pereira
Setembro de 2020