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COMING UP | The Boys 2

Depois de uma temporada em que os Boys ainda não sabiam que defendiam a mesma causa enquanto os membros dos The Seven rejubilavam junto do público escondendo nas suas fardas a malformação, The Boys arranca a segunda season com as duas equipas já formadas mas a braços com problemas internos numa nova leva de episódios que se estreia morna, um adjetivo que até é estranho associar a uma série que é recheada de violência, realismo e cenas chocantes. Foi hora dos showrunners colocarem o pé na embreagem e mesmo que não tenha perdido a velocidade típica de The Boys, foi tempo de explorar melhor as características de cada um dos seus personagens. Dar corpo à narrativa e construir um fio condutor parece ter sido a lógica que guiou os três primeiros capítulos que foram libertados pela Amazon, mas mesmo sem toda a pirotecnia e ação, a essência mantém-se viva e viciante. Com ganchos mais amarrados no drama, é certo, mas que ainda estão a anos luz de cair nos habituais clichês. The Boys continua a fazer bonito e diferente num regresso que não é fantástico, mas não desilude quem já se apaixonou pela luta dos anti-heróis na primeira temporada. A desconstrução da fantasia está lá, mas e se formos mais além? E se o realismo que tentam incutir na trama passar a barreira dos projetos básicos de super-heróis e alertar para problemas bem mais sérios? Tudo isto é muito mais é o tema do Coming Up desta semana!

Homelander continua a ser um ícone pela sua maneira grotesca de entender o mundo. Além disso o personagem carrega às costas os estereótipos inversos na sátira do Capitão América, apresentando-se como um homem machista, desprovido de valores e mimado, cujo único objetivo é suplantar a ausência da mãe. A psicologia do herói já tinha sido abordada na season inicial, foi aliás um dos grandes arcos que levou ao final épico que tivemos, mas agora tudo piorou e já sem Madelyn para lhe colocaram travão e lhe dar colo, a loucura de Homelander só parece crescer de episódio para episódio. Há dois arcos muito fortes que envolvem o personagem nos três primeiros capítulos, a posição na Vought e a relação com o filho que acabou de conhecer. Se por um lado encontramos um homem sedento de poder e com sede de conseguir impor-se como uma figura de afeto perante todos, encontramos finalmente dois contrapontos à altura e que conseguem dividir os holofotes de forma igualmente ameaçadora, equilibrando a balança que parecia colocar Homelander num patamar invencível. Falamos de Stormfront, a nova integrante dos Seven, e Stan, o manda-chuva da Vought que sem superpoderes, pelo menos aparentemente, consegue fazer tremer quem vê Giancarlo Esposito no ecrã. O confronto entre os dois personagens no segundo episódio deixa antever que há muito mais para vir desta relação, está longe de terminar esta disputa. Por outro lado, o encontro com Ryan tem outros contornos. Inicialmente esta reunião de pai e filho, que não passa de mais um capricho, parece ter potencial, mas as primeiras cenas tiram logo a moral de quem ansiava para entender como seria a contracena entre Homelander e Ryan. Enquanto as cenas dos dois se tornavam em momentos anti climáticos da série, ninguém previa que o terceiro episódio chegasse recheado de boas cenas que têm este relacionamento como protagonista. Ficou a curiosidade, no ponto certo, e no momento certo surpreendendo as expectativas do público.

Falar de feminismo em The Boys sempre foi algo muito condizente com o tom despretensioso, mas ao mesmo tempo inteligente, que nos trouxe a primeira season. O tema estava lá, mas ficava a pairar com um assunto de subtexto. Teve destaque na questão do uniforme de Starlight mas sempre ficou a sensação de que era necessária uma outra postura, uma outra pessoa para assumir as rédeas da conversa. Aí entra Stormfront que chega à série para falar com todas as letras sobre o que é ser mulher numa sociedade machista e conservadora, usando sempre o meio dos super-heróis como pano de fundo para lançar críticas à sociedade. Chega para questionar os valores morais, chega para questionar o tipo de perguntas feitas às mulheres, chega para colocar em causa a maneira como são descritas e chega acima de tudo para liderar. E que bem que fica na linha da frente. Ou então não, porque a Amazon soube guardar bem os seus trunfos e na hora em que já comprámos e admirámos a personalidade do novo membros dos The Seven chegam os minutos finais do terceiro capitulo para provar que Stormfront é provavelmente mais maquiavélica que Homelander, e no quesito humanidade os dois elementos estão em empate técnico depois de Stormfront ter morto civis por prazer, ter torturado Kenji e ter acabado com a vida dele sem a mínima sensação de remorso. Mas, tudo isto junto cheira muito a esturro e talvez já tenhamos desfeito o quebra-cabeças da personagem ao fim de três episódios. Mesmo sem ler as bandas desenhadas que dão origem a esta segunda season não é difícil de adivinhar que Stormfront chega à equipa de uma forma que é tudo menos inocente. Vamos a factos: Ela chega enviada pelas altas direções sem deixar espaço para que alguém questione. Ela chega e torna-se popular por defender um público visões menos conservadoras que se aproximam muito mais do público, algo que interessa à Vought. A proximidade com Starlight logo de início é suspeita, porque pela postura mais rapidamente a personagem se identificaria com Maeve, a desconfiança dos acionistas sempre caiu sobre Annie. Por fim, chega e já é consagrada com o título de salvadora, colocando em jogo a imagem de líder que Homelander tinha até então. O mesmo Homelander que tem um atrito com Stan. Curioso como tudo isto se interliga numa única justificação: Stormfront é os olhos da Vought dentro dos Seven!

Há espaço para caminhos mais sérios nesta nova temporada, para riscos maiores. E no meio deste universo fantasioso enfrentar a responsabilidade de abordar um dos problemas mais comuns e complicados na sociedade de hoje: A depressão. E é interessante ver como uma série que aparentemente é algo que serve puramente para entreter entrega uma melhor interpretação da doença que muitos outros dramas televisivos e ainda arrisca o suficiente para abordar o tema sob duas visões e situações totalmente diferentes. De um lado temos The Deep e do outro Hughie, em lados opostos nesta guerra fria, mas a fazerem, ambos, a sua travessia por este problema de saúde. Com The Deep mergulhamos em algo mais sentimental, a relação com o corpo e autoestima, além de passarmos por breves momentos por uma tentativa de questionar o lugar da religião no meio disto tudo, isto claro no universo distópico de The Boys, mas mais uma vez com uma boa base dos problemas da realidade como pano de fundo. Claro que ninguém na nossa vida tem complexos por ter guelras não cintura, mas muita gente evita expor-se por medo de mostrar um sem número de imperfeições ou marcas no corpo, é essa a leitura que o personagem quer trazer para debate, e torna tudo ainda mais interessante quando estamos a falar de alguém que tem um passado cheio de erros e atitudes condenáveis, há margem para redenção e é bom ver como existe essa abertura em The Boys, preto não é apenas preto e branco não é apenas branco. O caso de Hughie é mais profundo porque envolve culpa é um luto nunca superado, velado numa vingança que não o deixou viver todas as emoções que precisava na época. Agora chega tudo como um turbilhão, como se tos os acontecimentos do seu primeiro plot estivessem a cair em cima da consciência do personagem ao mesmo tempo, levando a questionar até a sua própria existência. É um extremo diferente, difícil de explorar e que merece ser tratado com delicadeza no meio da azáfama que é a intriga de The Boys.

Entre os segredos da Vought e a guerra fria entre os dois grupos, o episódio três foi uma pedrada no charco e levou este comboio ao mesmo eixo em que Eric Kripke nos deixou na primeira temporada. Depois de dois capítulos bastante introdutórios, a narrativa dá o seu primeiro grande avanço seguindo exatamente o mesmo esquema bem-sucedido da season one. Ninguém se apaixonou por este universo apenas pelos primeiros episódios da leva anterior de capítulos, o enredo foi-nos conquistando até que se tornou numa verdadeira droga. Aqui parece que o caminho vai ser o mesmo e o terceiro episódio já nos traz as surpresas necessárias para nos prender, e nos fazer teorizar. A solução de fazer com que a partir deste momento os capítulos sejam libertados semanalmente é brilhante, porque entregou-nos já a parte que para muitos fãs pode ser considerada chata para agora nos encadear em sequências de tirar o fôlego, ou pelo menos existe no ar essa promessa. Mas é cumprida? Quem já assistiu o episódio quatro já está a antever que a resposta é... A história está a encaminhar-se por um percurso épico. Depois da introdução, tudo rebenta de forma surreal e é aqui que se entende que além da guerra fria entre os dois grupos, as guerras internas entre os Seven vão desaguar numa luta que vai acabar por ser o grande holofote daqui para a frente. A nível de ritmo saímos do morno para acelerarmos o passo e avançarmos os plots mais lentos num momento em que Stormfront arrasa sem ser necessário, quase, entrar em cena. Pontos, ainda, para quem trouxe de volta Madelyn de volta, porque a dimensão da personagem é gigante e é quase física quântica entender a complexidade da relação entre a antiga Diretora e Homelander.

Entre Giancarlo Esposito e Aya Cash fica quase impossível decidir qual é a melhor adição a um elenco que respira força e segurança por todos os lados. É realmente louvável o entendimento e a relação entre atores e personagens. A maestria é tanta que bastava ter este casting para garantir o sucesso, mas a isto tudo ainda se alicerça num argumento que além de criativo é altamente atual, cheio de soluções que encantam qualquer fã, com direito a referências da cultura pop em quase todas as falas, e ainda com a utilização de alguns trending topics para reforçar a aproximação entre a realidade é o universo da série. É isto que nos cativa, o pequeno pormenor e o mínimo detalhe na hora de trazer até nós um produto que não é simplesmente um num milhão de shows sobre super-heróis. Há uma capacidade de brincar com as possibilidades que é apaixonante e além disso viciante. E por isso, por mais que o modelo de contar a história se altere, The Boys agarra da mesma forma, agarra no realismo, na expressividade e em toda a abordagem que faz das minorias, do bullying, da depressão. É notável o quão fortalecida a série é, e isso é mérito da alta aposta da Amazon, mas sobretudo do cunho de Eric Kripke e do seu traquejo em mais de dez anos de constante reinvenção em Supernatural. The Boys vem para ficar sabendo gerir as expectativas e sem cair nos clichês de entregar apenas a porrada. É mais que isso e acima de tudo é bom, mas muito, muito, bom.