Opinião. O regresso de "Santa Bárbara" à TVI
Santa Bárbara está de
volta aos ecrãs da TVI, cinco anos depois da sua exibição original, com uma
duração mais curta. À superfície, brilha um enredo adaptado à realidade
portuguesa, sustentado por um elenco de luxo e uma produção empenhada em tornar
a televisão mais cinematográfica. Santa Bárbara volta a ser a companhia
dos portugueses ao longo das próximas semanas, agora em formato de “série”.
O original La Patrona, emitido pelo Telemundo, foi a escolha da TVI para dar continuidade à linhagem da ficção mais exigente dos últimos anos. Além de a estação ter mostrado que se devem abandonar as críticas fáceis – de como as adaptações de histórias estrangeiras ditam a morte das criações nacionais – deve também saber-se que não se trata de uma “cópia” fiel do argumento original. Artur Ribeiro (que até escrever o guião de Belmonte não tinha o hábito de escrever para televisão) foi quem assinou o desafio de transpor o guião para a realidade portuguesa. E ainda bem que alguém se lembrou do nome da santa, pois de facto é ridículo supor-se que existem minas de ouro em Palmela, um dos espaços onde decorre a trama.
À primeira
vista, apenas o espaço temático da ação se apresenta como uma novidade.
Santa Bárbara é o nome da santa que apadrinha os mineiros assalariados pela
Vidal Gold, uma empresa exploradora de minas na terra com o mesmo nome da
santa. A terra é santa, mas os habitantes são pecadores. É neste recinto de
terra e pó que a luta de classes prometida se prepara para a acontecer,
evidenciando a sujidade de uns e o asseio de outros. Na verdade, uma estreia de
um produto de ficção da TVI sem uma manifestação, uma festa de luxo, um enterro
e um desastre aleatório não seria uma estreia da TVI. É uma das diferenças em
relação a outras minas d’ouro: as histórias de Queluz de Baixo centram-se muito
mais em conflitos socioeconómicos do que em dramas familiares
profundos.
O elenco é,
por isso, um dos pontos fortes. No mesmo episódio juntam-se Benedita Pereira,
Carloto Cotta e Joaquim de Almeida (se bem que a personagem a que dá vida o
mais internacional dos atores tenha morrido logo no primeiro episódio, como é
típico de qualquer grande produção). Benedita voltou da cidade que nunca dorme
para não dormir também com o barulho das picaretas, e é com efeito uma das
melhores escolhas de casting. A personagem que desempenha, Gabriela,
exige-lhe agilidade física e plasticidade dramática, qualidades que terá
oportunidade de evidenciar ao longo da trama. Curioso é recordar a atitude
igual à que mostrava, enquanto Joana, na primeira série de Morangos com
Açúcar – uma rapariga que não se deixava ficar em frente aos rapazes,
postura que agora devolve com mais amadurecimento e toques inesperados de
humor.
É aí que o
texto – e o trabalho do guionista – ganha relevo, ao conseguir produzir
diálogos diferentes, entusiasmantes e com base num vocabulário mais exigente.
Esse aprumo é uma das ferramentas que faz a personagem de São José Correia
funcionar como nenhuma outra. Se Antónia Vidal é verdadeiramente execrável,
desumana e inteligente, o que diz tem de manter esse nível de superioridade,
acentuando as ações e as atitudes que pratica. Aplausos para o humor negro e
sádico que São José Correia tão bem domina enquanto vilã, contrastando com as
tiradas mais genuínas de Gabriela, presa num mundo de homens onde a delicadeza
não existe.
Santa
Bárbara intensifica
o trabalho da produção de ficção em Portugal. Não só por ter colocado dezenas
de profissionais a representar e a operar meios técnicos em condições
perigosas, mas também por potenciar um notório investimento na realização
televisiva. A textura da imagem ainda não é a mais cinematográfica, mas vê-se
bem o resultado da direção de fotografia e a tentativa (bem conseguida) de
produzir sequências de ação ao nível das produções americanas. A banda sonora,
por sua vez, é uma agradável surpresa, ao apostar em temas não tão recentes dos
melhores artistas portugueses.
Santa Bárbara está de volta à televisão, agora em HD, depois de em 2015 se ter tornado a primeira telenovela da TVI a ser totalmente emitida no formato 16:9. Amores e desamores vividos numa pacata vila ameaçada pela avidez dos poderosos e seduzida pelo desejo, assim se apresenta Santa Bárbara, que pretende voltar a ser uma d’ouro dos portugueses.
Um texto de André Rosa
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