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Fantastic Entrevista - Valerie Braddell: "Hoje sinto-me pronta para qualquer desafio"

Com uma carreira que atravessa várias cidades da Europa e um currículo invejável que passa por Teatro, Televisão e Cinema, Valerie Braddell é uma das caras do elenco de Esperança e Prisão Domiciliária, séries exibidas na plataforma de streaming OPTO SIC. Nesta edição do Fantastic Entrevista viajamos pela carreira da artista que em 1993 recebeu uma Ordem de Mérito pelo seu importante contributo ao meio artístico nacional. Fica connosco e conhece um pouco mais do percurso de Valerie Braddell.

Depois de se formar com distinção na RADA e no Conservatório de Música segue-se uma licenciatura em Inglês e História da Arte. Enquanto atriz, que bagagem traz está formação para os seus papéis?
Sem dúvida. A informação que registei tanto no meu subconsciente como no consciente dá-me uma perspetiva ampla do mundo e a curiosidade que acompanha esse processo. A humildade que se ganha com o ler, ver e ouvir geram empatia e despertam a imaginação fundamental para o actor. Continuo sempre que posso a fazer workshops e leio muito, vejo documentários históricos e biográficos. Tento perceber o historial da época relacionada com o personagem; não sou indiferente ao contexto artístico, os móveis, guarda-roupa, a música, ou mesmo onde habita o personagem. O tempo na RADA deu-me oportunidades extraordinárias de experimentar contextos de peças de várias épocas. O treino resultava sempre em produção aberta ao público. O trabalho vocal e corporal foi exigente e muito específico consoante a peça e o encenador. Fiz muito Shakespeare e até treino para teatro radiofónico e filme.
Quando ensaio e estudo uma peça de teatro faço conexão das influências Shakespearianas, bíblicas, gregas etc… que conheço e sei pesquisar o que preciso. O personagem é um ser único com experiências muito próprias e temos de apropriar com verdade. Mesmo sem pensar os métodos teatrais e estudos que fiz que continuo geram em mim interiormente o que penso ser no meu trabalho uma actriz camaleão.

América do Sul, Nova Iorque, França, Suécia, foram alguns dos países aos quais levou o seu talento. Num currículo que já tem milhas, quais são as principais diferenças que encontrou na forma de representar em cada país e qual foi o que a deixou mais fascinada?
As experiências de digressão são as que mais prazer me deram durante a minha carreira. E o maior prazer vem das reações, quando o público se transforma de irreverente e barulhento para atenção palpável no silencioso e gargalhadas inesperadas de compreensão. Percebemos o nível de entendimento da língua, mas não obstante, conseguir chegar a esse público é maravilhoso. Conseguir que um público escolar altere a reações, oiça o autor ou espere na porta dos artistas para dizer o que pensaram. A comunicação com o público nunca podemos tomar por garantida: cada público é único e vê pela primeira vez e nós fazemos (embora repetido) como se fosse a primeira vez. O meu primeiro trabalho numa digressão para escolas: dez espetáculos por semana durante 6 meses deu-me muita disciplina. As crianças podem ser cruéis, uma vez fiz um papel de bruxa poluidora do mar e ladra de pérolas e fui literalmente atacada por 50 ou mais crianças de 5 e 6 anos, romperam o vestido e os colares de bolas ping pong pintadas (risos).

Comecei a aprender a importância do saber como “controlar” espectadores consoante o género de escolas. Foi durante digressões extensas que aprendi e percebi a razão porque sou atriz. Digressões em teatros pequenos, no exterior, em comunidades, num barco (Lá Peniche - Avignon) num hotel chique, espaços redondos, palcos italianos, estúdios e até nas Shetlands para trabalhadores de petróleo. Este último foi um dos mais difíceis: mal o meu personagem diz que não percebe o porquê da indiferença do marido aos meus charmes, levanta-se um espectador gigante,  aproxima-se do palco, com um  grande “pint” na mão e diz “you have hen”, a partir daí ele e outros reagiam ou assobiavam contra os personagens que me falassem mal.  Em Nova Iorque, o público é muito afectado pela crítica e senti que vinham por causa da critica e influência das expectativas de teatro British. Cada público é muito distinto, variando consoante até os dias de semana. As reações do público londrino são talvez as mais difíceis mas também ao acertar o timing as que dão maior prazer porque o público, mais sofisticado e conhecedor bate palmas de acordo com o seu critério e ao contrário dos turistas.

Ir de um teatro de 1000 lugares para um espaço íntimo comunitário nas ilhas Escocesas (por exemplo) na mesma semana e estar disponível para conversa e fazer workshops, aprende-se muito. Eu considero-me uma cigana nisso porque gosto muito de me deslocar e comunicar com público diverso e em qualquer parte do mundo. 
 
Muitos dos nossos leitores podem não saber, mas Valerie Braddell recebeu uma Ordem de Mérito em 1993 pelos serviços culturais prestados ao nosso país. Que peso trouxe à sua carreira?
Na realidade não trouxe nenhum peso à carreira porque foi por serviço à Cultura Portuguesa e não ao meu trabalho enquanto actriz.  Só usei a condecoração uma vez num evento, para o jantar presidencial do Presidente da Irlanda no Palácio da Ajuda e dissera-me que estava no lado errado e deu-me prazer porque na minha apresentação como actriz anglo-Irish corrigi para Luso. Quando recebi a Ordem de Mérito na Embaixada Portuguesa em Londres vinda do Presidente Mário Soares era a única mulher no meio de 7 pessoas. A distinção pode dar alguma credibilidade em pedidos burocráticos. Assim como nunca rejeitaria tal honra também não costumo falar disso. Orgulho-me mais da razão pela qual obtive esse mérito ou outros prémios de carreira.
 
Ainda assim, a distinção é algo que a move?   
Sim, claro porque tenho alma portuguesa e orgulho em fazer parte de um contributo à cultura portuguesa e, de ter ajudado na consciencialização da nossa cultura no Reino Unido para a qual contribuíram 40 empresas anglo-portuguesas, música e vinho português nas estreias, chefes de departamentos universitários de português, exposição de quadros de Bartolomeu CID dos Santos e Paula Rego.
 
No regresso a Portugal cria a Produções Próspero com o intuito de continuar a desenvolver um projeto que já vinha consigo desde Londres. Porque a escolha de The Pilgrim para marcar o seu regresso? Que ligação afetiva ficou entre si e este texto?
A escolha deste texto (Frei Luís de Sousa) foi um começo de outras futuras e em colaboração com a New Vic Touring Theatre. A ideia concretizou-se em digressão na UK e Londres e o Teatro Municipal São Luís. Ficou por fazer a digressão em Portugal. Estudei o texto de Almeida Garrett no colégio. As decisões tomadas por Dom Manuel e Dona Madalena são surpreendentes e destroem a criança Maria. Bem sei que estamos na época de literatura romântica, mas esse extremismo quando li e entrei na peça no Colégio do Ramalhão tinha eu 15 anos, fé e ideias muito românticas. Só me escolheram para um papel de 2 linhas e pensei que poderia ter dado mais convicção do que o satisfatório para um colégio de freiras. Achei que faltava o horror, o medo além da paixão amorosa. 

Mais tarde percebi que havia muita política envolvida com um Portugal subjugado, o egoísmo de um catolicismo ligado à conversão de infiéis que da origem a um Sebastianismo e fim de Portugal independente um povo subjugado e utilizado para a guerra Elisabetana. A resposta de Dom Manuel ao futuro domínio que durou 60 anos com os Filipes foi de um ato heroico ao deitar fogo a casa. Mas a ação supostamente nobre de abandono das responsabilidades familiares quando o Romeiro regressa tem as características de religiosidade vitimizante, egoísta e tragédia desnecessária.  Acrescentando a figura de Almeida Garrett como narrador acho que conseguimos propor uma visão mais contemporâneo acerca desta história supostamente baseada em factos verídicos. A peça a meu ver é intemporal.

 

No retorno ao nosso país, em 2002, encontrou o setor cultural tal e qual como imaginava?
Não , achei complicado.  Antes de 2002 vim fazer trabalhos a Portugal. “Daisy” de Margarida Gil e durante esses três meses conheci muitos e bons actores portugueses, mas a mim conheceram-me como inglesa, porque a Daisy era baseada na pintora inglesa Sonia Delaunay. No filme “State of Emergency” com Martin Sheen fiz um papel de portuguesa falando inglês e no filme`Slip-Up` para a BBC fiz de inglesa que não fala português.

Como não conhecia o meio, estava preocupada com o que iria fazer. Havia muito e bom teatro. Senti que haviam os lobbies e eu, com pouco talento para o networking. Pouco depois de começar a viver em Sintra um colega da RADA veio a Portugal e disse-me “não podes viver da vista”. Não sabia bem como contactar ou chegar a castings e trabalhos, senti que me consideravam estrangeira. Por isso comecei a desenvolver as minhas próprias produções e em português inicialmente com encenadores com quem trabalhei em Londres. O primeiro Tim Carroll do GlobeTheatre tinha-me encenado em Phaedra e acreditou em mim. Depois de iniciar esse longo trabalho de produção com “A Tempestade” fiquei a conhecer excelentes atores entre eles Diogo Infante, Ivo Canelas e Sandra Faleiro. Essa iniciativa levou ao regresso do Tim Carroll para encenar “Amadeus” no Teatro Nacional D. Maria. 

Não me quero lembrar de que tive ocasiões em que senti rejeitada e ouvi comentários críticos dos meus esforços para fazer teatro que incluía colegas portugueses. O meio era fechado. Não conhecia agentes e defendi-me pelo optimismo e a integrar mais e grandes actores portugueses.

Seguem-se três peças de Shakespeare. O gosto pelos clássicos é algo que traz da sua formação em Londres? Em que medida é que o facto de já ter alguma relação com os textos a ajudou a moldar as personagens?
Shakespeare faz parte do meu dia a dia, muito do seu vocabulário esta incluído em conversa quotidiana. Os clássicos são mesmo isso porque são intemporais e pertencem a qualquer língua desde que seja uma boa tradução.  Tudo o que e preciso saber está no texto Shakespeare, informa-nos através da ação. Na escola de teatro aprendi com muitas produções de Shakespeare e monólogos. A minha experiência teatral está muito relacionada com Shakespeare, mesmo centenas de espectáculos, o seu universo e filosofia. O trabalho com o verso, a entrega física, vitalidade e rapidez de raciocínio mantêm-nos atentos. É preciso o dobro da energia para falar Shakespeare e lucidez para os momentos de epifania. O ritmo do pentâmetro. Iâmbico e o normal do português bem falado.  Shakespeare poderia ter escrito para qualquer língua. Nesta fase da minha carreira queria trabalhar em português e levar Shakespeare ao grande publico e em digressão. Tornar Shakespeare acessível não é difícil, mais uma questão de tradução acessível que em 20% dos seus textos e difícil de compreender mesmo para os cultos. Interessante é que, quase sempre, quando Shakespeare quer dizer algo muito importante diz com simplicidade. Durante a minha formação fiz “Sonho de Uma Noite de Verão” para escolas. Esse foi o mais difícil, mas essencial na formação, ajudar a redimir os preconceitos acerca de Shakespeare.
Comecei com 27 anos o personagem de Próspero. Tive um percurso logo com esta produção e aprendi muito.

Como companheiros de palco tinha alguns nomes que hoje têm bastante relevo no meio artístico nacional como Albano Jerónimo, Gonçalo Waddington, Carla Chambel ou Sérgio Praia. Que memórias guarda destas contracenas?
Fabulosas. Com todos eles e sem qualquer exceção, todos os actores com quem contracenei e conheci melhor nestas produções de Shakespeare e merecem todos os atributos. Bons actores são bons em qualquer parte do mundo. Há uma disponibilidade física muito presente com actores portugueses, além de curiosidade, que muito impressionou os encenadores Tim Carroll e depois John Retallack.

Em 2007 estreia-se no cinema nacional com O Mistério da Estrada de Sintra, realizado por Jorge Paixão da Costa, desta vez numa adaptação de um clássico nacional. Como surgiu o convite para esta produção?
Conheci Jorge Paixão da Costa, anos antes, durante a filmagem de “State of Emergency” de Martin Sheen. Na altura o Jorge era o primeiro assistente de realização do filme.  A produtora de Cunha Teles, a Catherine Leroux recomendou-me e fiz o casting. Ser bilíngue adequava-se ao personagem (um pouco mais velha do que eu) de uma Senhora aristocrata inglesa de carácter forte e mãe de um oficial inglês. O inglês tem de ser RP (Received Pronunciation) e tenho feito personagens com registos algo semelhantes ao longo da minha carreira. 



Segue-se a televisão, depois de algumas participações em novelas e séries, "Miúdo Graúdo" marcou o seu primeiro papel num elenco fixo. À época tinha 63 anos, é mais uma prova de que a idade é apenas um número?

Sem dúvida. Já não tenho idade … tenho uma visão da vida muito positiva e de estar no momento. Estou rodeada de beleza à minha volta em Sintra, tenho família e amigos que fazem parte do meu ser, tenho Deus presente em tudo e não acredito na morte. As coisas acontecem quando têm de acontecer… não tinha pensado muito na televisão até porque tenho pouco jeito para o networking. Acho que tenho aprendido, alguma paciência e daí vem a humildade, mais força e menos medo. Hoje sinto-me pronta para qualquer desafio e os papéis que tenho feito recentemente são a prova dessa disponibilidade. A idade é um número, acabei um trabalho em que acrescentei 20 anos, agora sou num personagem sem rugas.

Quais são as principais diferenças que sente na hora de gravar algo que seja produzido para a televisão?
Bem acho que não há diferença nenhuma no acting. A diferença vem com cada projecto e com as indicações do realizador. Como actriz venho com o texto sabido e aguardo indicações do realizador e Director de actores. Quanto mais ensaio ou obtenho informação, além da minha própria pesquisa, mais autoconfiança tenho. Ajuda se não sou incógnita para estar mais a vontade sem ter de provar que consigo melhor. Mas como em todos os trabalhos só sei que consegui fazer depois de o fazer, isto não é igual a pensar que não estou totalmente desejosa de o fazer. Há um misto de emoções no momento de gravar. Não tendo controlo do efeito, porque não temos a reação pública como em teatro, as emoções variam consoante a expectativa e satisfação do realizador. Tenho de saber que estou bem preparada, percebo o que o que diz o texto e que no momento de ação tento colocar de parte aquilo que vou dizer para me focar na contracena e no outro actor para poder ouvi-lo/a atentamente. Esta comunicação com o outro actor é o mais interessante. Mesmo se uma cena corre bem entre actores não sabemos na altura se há problemas técnicos e temos de repetir. Nunca penso que é um só, e além disso somos uma componente de uma produção que terá uma edição que me será desconhecido até à apresentação. Estou a relaxar mais, mas tenho por vezes demasiada consciência da pressão que rodeia uma produção, com muita gente envolvida e os custos de atraso. Tento ser positiva em cada momento “nunca reclame, nunca explique” manter sempre boas maneiras e tentar saber quem é quem na equipa, nunca ser indiferente. Preciso de me sentir bem comigo e isto começa pela gratidão pelo trabalho.

Voltando ao cinema, falemos de Maria, a curta-metragem de Catarina Neves Ricci, na qual deu corpo à protagonista. Na pele de uma prostituta, que exigências trouxe está personagem?
Este papel foi um grande desafio filmado apenas em sete dias. A Catarina Neves Ricci tem paixão talento e sabe o que quer. Entreguei-me a direção dela em todas as ações depois de perceber o que ela pretendia de mim. Contracenei com grandes actores António Fonseca, Márcia Breia e Jorge Fraga. Cenas complicadas só são possíveis com actores acessíveis como eles. Fiz o meu percurso de pesquisa pessoal… parte deste processo é só meu, não preciso de falar dele, há uma sabotagem interior específica, necessária para inventar uma mulher que já viveu muito. Mas quando estava no décor não penso em nada depois de digerir quem sou: Maria neste filme. Deixo-me guiar pelo realizador e tive sorte. Recebi 2 prémios de actriz e um melhor drama e o filme 9 prémios - mas é sempre resultado de trabalho em equipa começando pelo texto.



Sabendo que se trata de um papel com uma carga emocional forte, fez algum trabalho de pesquisa antes de iniciar o projeto?
Sim, como disse, a pesquisa que fazemos para um papel tão forte como este sobre uma mulher vivida que não tem vida, é pobre, não tem autocomiseração, tem fé, preocupa-se com a higiene, fala com pouca gente, está muito só, não tem nenhum familiar referenciado ou lugar de origem para além das ruas do Porto frequentadas por prostitutas, que viveu a revolução e emancipação feminina, tudo isto só bate certo se for verdadeiro. Enquanto actriz eu imagino um percurso pessoal, com segredos de vida, perda dor, culpabilidade e não querer maçar ninguém. A Maria ama, não sente que merece ser amada! Esta profunda solidão e ausência de alegria deu-me as indicações necessárias para começar, depois foi só uma questão de reagir à direção e colegas actores. 

A trama desta curta-metragem apresenta-nos um amor que surge de forma peculiar, mas que é vivido intensamente. Como construiu essa ligação com o ator António Fonseca?
O António é uma pessoa com humor, charme e boa educação. Um ator com formação e diversidade no seu trabalho, dedicou-se tal como eu. A cultura e sensibilidade literária dele mostram inteligência. Confiei nele e senti-me bem a trabalhar com ele pouco depois de o conhecer. Agora somos amigos, gostava de contracenar com ele mais vezes.

Temos dois veteranos na pele de protagonistas a viverem uma história que apesar das suas vicissitudes é um romance, sente que fazem falta mais papéis com esta carga serem entregues a atores de faixas etárias mais avançadas?
Claro que sim. O filme francês “Amour” sobre este tema, o casal tem 80 anos e é um exemplo maravilhoso disso mesmo. Recentemente há mais visibilidade, respeito e importância dada a relações dos que talvez tenham mais para contar. “Bridges of Madison” de Clint Eastwood e muitos outros filmes mais recentes tratam de amor pertencendo a qualquer idade e não só da apresentação de avós como sendo os cuidadores ou conselheiros dos netos. É tão bonito ser surpreendido pela vida quando pensam que as nossas surpresas já foram. Este tema é tão importante para não só dar esperança de um futuro que preenche, mas também para que se lembrem de nós como independentes de alma e coração mesmo se não andamos tão depressa.

Com todos os feitos da sua carreira pelos quais já passamos, faltava-lhe experimentar o digital. Como aparece a série Esperança, da OPTO SIC na sua vida?
Isto foi mesmo uma experiência extraordinária. Não conhecia o realizador Pedro Varela, mas quando o conheci gostei logo da paixão pela energia e honestidade. Ele escolheu-me (sem eu perceber o porquê) porque era para um papel muito mais velho e quase oposto a mim. Mas lá viu qualquer coisa a “afrancesada e aristocrata” que se mudou com lentes de contacto, muitas rugas, zero maquilhagem e cabelos algo grisalhos e estilo antiquado. Mas com o César Mourão tudo se tornou possível e eu fiz o que gosto de fazer uma entrega a energia de amor incondicional pela amiga da Esperança e pela presença tão atenta e generosa do César. Agora estou com outro trabalho bem diferente para a SIC Opto.

Que balanço faz da sua Hermínia?
Estou contente com o meu trabalho, se não tivesse feito bem de certo que o Pedro Varela, teria dito. Confiei 100% na sua direção dele e o Pedro é inspirador. Limitei-me a ouvir o que ele dizia, o que dizia a Esperança e a conhecer bem a cena toda e o historial dos 12 episódios. Mas tive de criar um passado, uma família e sua ausência. O seu trabalho do passado e muitos outros pormenores, como o andar bastante e insistir no fitness da amiga. A dor silenciosa, aliviada pelo bem-estar e riso cúmplice com a amiga divertida, escondida para não maçar ninguém. Nada de autocomiseração (acho que é uma emoção negativa para quase todos os personagens). Viver a gostar de ver os outros a viver, eis a Hermínia que tem tomado conta da irmã chata e egoísta, sem se queixar depois de ser empurrada para uma zona de Lisboa longe de tudo e tudo o que conhecia. 



"Esperança" tem feito sucesso entre público e crítica, qual é o verdadeiro fator que faz a diferença nesta história?
São três elementos fundamentais e únicos: o César, o Pedro Varela e o tema. O César possui uma vulnerabilidade porque partilha o seu eu todo, está sempre no presente com o trabalho, a equipa e a história. Nunca o vi queixar-se. Atento e generoso embora o assunto da série seja ele. Notei que ele não deixa cair o fim das frases, nós estamos atentos ao que ele diz porque é como se dissesse para cada um de nós. As pessoas gostam do César porque também está interessado nelas tal como a Esperança. A Esperança diz o que pensa, é moderna e real, não é perfeita e demonstra que a idade não é nenhum impedimento nem para ser diminuída.  O Pedro Varela é exigente consigo, com o elenco e com a parte técnica. Ele conhece e interessa-se por tudo. Ele escreve o guião, dirige os actores, percebe das máquinas e opera uma das câmaras. 

O tema da "Esperança" é genial e importante especialmente para nos fazer lembrar uma geração esquecida ou pior… arrumada em lares! O respeito pela independência, liberdade de escolha, o respeito pela idade e a sua vivência em áreas de Lisboa onde as rendas altas os despejam para o incógnito e trágico, tem de ser remediado. No Castelo há poucos residentes e há demasiados Airbnb e os idosos sentem-se frustrados, sós e mais pobres numa fase da vida em que deveriam ter descanso. O humor nesta série e muito especial e genuíno. É também preciso mencionar o excelente elenco, a produção, a luz, o som, o departamento de arte, caracterização e figurinos, é uma equipa mesmo bem-disposta e genial.

Temos de fazer a pergunta “para um milhão de euros”, podemos esperar uma segunda temporada de "Esperança"? Gostava de regressar ao projeto?
Claro. Sem qualquer dúvida. E também éramos uma família durante a rodagem intensa. Estaria cheia de curiosidade acerca do desenvolvimento dos personagens. Talvez aconteça...

Antes de terminarmos, se a nossa pesquisa não nos falha, ficou um M.A na Central School of Speech and Drama por terminar. Ainda é um objetivo concluir essa etapa da sua formação? Ou é um assunto arrumado?
Esse mestrado ficou por terminar porque tinha filhos pequenos e voltei para Portugal. O próprio mestrado interessava-me mais continuar ou recomeçar em Portugal. Preciso de manter o intelecto activo. Leio muito e faço todas as formações possíveis. Ainda não investiguei suficientemente opções de estudos de drama. Hoje em dia também aprendo com a nova geração de atores.

Para o futuro, e mesmo com a imprevisibilidade que a pandemia nos traz, quais são os seus projetos? Há algum novo desafio sobre o qual nos possa falar?                    
Sim, tenho vários projetos e desafios a acontecer futuramente. Estou atualmente num projecto e com um papel desafiante, uma realização, produção e elenco maravilhoso, mas não posso ainda falar sobre isso.

Fantastic Entrevista - Valerie Braddell

Por Ricardo Neto

Março de 2021

Fotos: Direitos Reservados