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Contos Bastardos #5 • Maria


Contos Bastardos #5
MARIA

Levanta-te, anda. 


(Puta)


A cabeça para cima, vai. O Segredo ninguém sabe, ainda é silencioso e é impossível que alguém note. Engole o choro infantil. Já lá vai o tempo.
Os passos arrastados, o pó da terra, a cor amarela nos pés que nem se levantam ao peso do indizível. 


(Cheia de Graça)


O silêncio enchia a madrugada, escura como a esperança do futuro, negra como se queria para uma fuga. Os dedos apontados, os olhares, os presságios, os julgamentos que se adivinhavam —  esses eram embalo para os passos. Metrónomo fatal, empurrão à beira do abismo.
Inclinaste-te, agora lança-te. 
Olha, uma última vez, para aquele vão de escada. Para aquele banco. Para os centímetros que palmilhaste feliz e leve e despreocupada. Fecha os olhos e escuta o riso distante da tua mãe. Recorda o cheiro da lenha a queimar no forno.


(Suja. Imunda. Hás-de arder no Inferno.)


Mais rápido. Sem barulho. Para onde só Ele sabe, só Ele decide. Nunca te pediu permissão ou opinião. Traçou o caminho e deixou-te sem escolha.


(O Senhor é convosco)


Benção venenosa, ácida e corrosiva. Ninguém acreditou. Não era de espantar — nem tu acreditarias. 


(Vergonha. Um lençol branco, puro.)


As evidências eram claras. Rato de esgoto vendido a preço de lebre. Rameira a passar por Virgem.
Orgulha-te, vai. Carrega o resultado do pecado que não consentiste, ama quem te conspurca o ventre, aceita e alimenta aquele que te assinou a sentença - e não ouses invocar o seu nome em vão.


(Maldita sois vós entre as mulheres)


Esconde-te, anula-te. Já não és tu. Corpo de valores mais altos, veículo comandado, fantoche do fruto divino. Existe apenas para O servir. Cala o determinismo, liga a servidão. 
Junta as mãos e agradece. Leva os joelhos ao chão. Pede - mas nunca por ti.


(Rogai por nós)


Texto: Sónia Costa
Ilustração: Filipa Contente