COMING UP | Artemis Fowl
Artemis
Fowl é a nova longa-metragem do Disney+ mas apesar do selo, a fita é
totalmente despida da marca de qualidade associada à empresa dona do Mickey
Mouse. Desta vez é seguida a tendência do flop Doctor Dolitle, que
estava mascarado por estar debaixo do “guarda-chuva” da FOX, e de uma das
recentes apostas na fantasia, The Nutckracker and The Four Realms, que
supostamente ia mostrar a versão da Disney do conto do Quebra-Nozes, mas que em
qualidade de texto chega a perder para a adaptação da Barbie. Esta é
mais uma produção que foi, supostamente, vítima da pandemia, mas há detalhes em
Artemis Fowl que nos deixam com uma ideia bastante contrária e que, na
verdade, tudo isto pode ter sido uma sorrateira saída do calendário de estreias
e evitar uma autêntica bomba atómica na bilheteira do cinema. Ao mesmo tempo chega com a capa de termos uma película pensada para o grande ecrã a ser lançada
diretamente no streaming e isso dá-lhe a falsa certeza de que este é
projeto com melhores atributos, ou pelo menos deveria ser assim. Desta vez essa
inclinação tornou-se gato por lebre, e a nova produção da Disney sai como um emaranhado
de problemas e com um somatório de pontos negativos que podem trazer uma mancha
no recente serviço on-demand da Disney. Mas o que é que correu mal?
Vamos entender tudo nesta edição do Coming Up.
A premissa da
história baseia-se no velho, e já mais que escrutinado, duelo entre magia e ciência,
e até estaria tudo certo, caso o seu olhar trouxesse algo novo aos
espectadores. A questão é que em Artemis Fowl a própria magia perde-se sem
ter um único respiro de novidade. Este é um argumento que sobrecarrega os clichês
que já foram testados e que, supostamente, resultam junto do público que adora
uma boa história de fantasia. Contudo, os fãs acabam o filme a pedir uma
abordagem desta repetição de conteúdos que traga algo mais que diálogos tão
gastos quanto: “Ó meu Deus, as fadas existem! Não pode ser verdade”. O guião
peca por se perder em linhas generalistas, mas esta não é a única falha a apontar.
Decididamente Kenneth Branagh não foi feito para dirigir filmes em que
sobrenatural, a magia ou algo irrealista seja a o tema. Apesar das boas
relações com a Disney, o também ator já tinha mostrado que tem pouco pulso para
agarrar histórias deste género com o seu Thor “shakespeariano” que se
tornou numa das produções mais odiadas dentro do catálogo construído pelo
Universo Cinematográfico da Marvel. Em Cinderela conseguiu alguns rasgos
criativos que foram inteligentes e interessantes, mas perdeu-se por completo
agora em Artemis Fowl, uma junção de imperfeições entre a direção e o
guião.
Mas já que
falamos em Marvel, e relembrando que a Disney é a empresa responsável por toda
esta franquia e por outras obras de grande sucesso e que obrigam a grandes
trabalhos de pós-produção como Star Wars, há outro fator gritante que
torna a experiência no filme um pouco penosa de assistir. Visualmente esta é
uma viagem atribulada e turbulenta, com efeitos especiais que deixam a desejar
em várias cenas e que se tornam num grande defeito quando estamos perante uma
trama que fala sobre seres místicos. Nikesh Patel dá vida a Foaly, um centauro
que comanda as operações do mundo dos elfos. Até é uma ideia bastante
interessante, não fosse o facto de todo o CGI criado para lhe dar metade
de um corpo de cavalo ter sido feito, aparentemente, em “cima do joelho”. Não
estamos no início dos anos 2000, para desculpar que um filme com orçamento hollywoodiano
nos apresente efeitos tão toscos quando a minicorrida entregue pelo personagem
de Nikesh na sua primeira cena. E há que ter em conta que já vimos no grande
ecrã centauros representados de forma bastante realista em Harry Potter and
the Order of the Phoenix ou em The Chronicles of Narnia, esses sim
dos primórdios dos anos 2000. Há muita tecnologia no filme, e isso é notório em
variadíssimas cenas, mas no quesito dos efeitos visuais deixa muito a desejar e
fazem acreditar que Artemis Fowl foi desde o início pensado para o streaming
e que por isso não existiu um cuidado ou preocupação maior para que o
acabamento fosse mais trabalhado. É um daqueles fatores que coloca em cheque a
imagem da Disney, e que nos leva a crer que: Ou fomos enganados e já estava
previsto cancelarem a estreia nos cinemas, cortando de imediato cuidados
redobrados em pós-produção, e aproveitaram a situação criada pela pandemia, ou
então estávamos desde o início prontos para receber um mau trabalho vindo de
alguém que nos habituou desde sempre a elevar a fasquia e as nossas expectativas.
Mesmo assim,
nota-se que há uma grande parte do budget que foi entregue à tecnologia
para a criação dos cenários fictícios e para que pudéssemos ver representadas todas
as figuras que o guião queria. Uma fatia foi para essa questão e a restante foi
usada para trazer dois pesos pesados para o elenco, sem uma aparente
necessidade. É um dos velhos casos em “menos é mais” e apesar de nomes
comerciais atraírem mais público, de pouco importa caso a sua incidência na
história seja usada e tratada com total displicência pela produção. Judi Dench
ainda acaba por ter a sua presença justificada por se tratar da líder da outra
fação da guerra gerada pelo filme. Apesar do seu papel não trazer nenhuma nuance
que seja verdadeiramente interessante, é apenas mais uma mancha negra no seu currículo
da atriz depois de Cats. Colin Farrell, o segundo nome “grande” deste
elenco, é totalmente desaproveitado e desnecessário. Ele é o motor da trama,
mas apenas no papel, pois em termos de ação não tem nada que sobressaia à vista.
É simplesmente um adereço de marketing que poderia ter sido entregue a
alguém com o cachê deste artista ou a um qualquer ator popular das séries da
ABC ou da CW. Uma má jogada no manejamento deste budget, que traz uma
fatura bem cara no resultado final de Artemis Fowl.
No lugar destes
dois gigantes de Hollywood, os responsáveis de casting podiam ter apontado
direções para escolher um jovem que segurasse a trama de forma mais consistente
e com maior talento e carisma que Ferdia Shaw. A lógica antiga de que é difícil
encontrar crianças com estofo para segurarem o protagonismo de um filme está
completamente ultrapassada e com dois casos bem recentes. Jacob Trembley é um
dos “queridinhos” da academia e já provou que mesmo com apenas 16 anos consegue
carregar uma fita às costas. Mas mesmo que a agenda de Trembley não o
permitisse integrar este projeto, há mais opções na lista. Em 2019, Roman
Griffin Davis arrebatou tudo e todos na pele de um pequeno nazista em Jojo
Rabbit, e seria outra excelente opção para o personagem título de Artemis
Fowl. Talvez se um destes dois tivesse estado ao leme da história, a análise
fosse bastante diferente. Até porque num papel que é gerado a partir do protótipo
do que é o texto inicial de uma narrativa da Marvel ou da DC Comics, pedia-se alguém
que trouxesse maior encaixe e cor para o tornarem realmente único.
No fundo, a
longa-metragem resume-se a uma total falta de empatia, que consegue ir
sobrevivendo a muito custo pela aptidão de Josh Gad, que mesmo com um argumento
terrível em mãos, carregado de piadas secas e um humor estereotipado, consegue
dar a volta para ainda trazer algo de positivo. Artemis Fowl será o novo
Golden Compass, um filme que tem presente desde o início ao fim a teoria
de criar uma franquia cinematográfica que provavelmente nunca chegará a ter uma
continuação a ver a luz do dia. Com o acréscimo de que neste caso nem nos é
apresentado o vilão. Passamos uma hora e meia a teorizar sobre quem é a pessoa
por debaixo do capuz para acabarmos exatamente no mesmo ponto de partida que
começamos. É atabalhoado, mas por um motivo muito simples, este universo dava
um excelente conteúdo para uma série. O erro aqui foi a dimensão e a escolha
sobre como nos ia ser entregue a história, até porque a maioria das críticas ao
guião apontam o mesmo problema: A falta de empatia dos protagonistas e a
ausência de uma base que nos faça importar-nos com os personagens.
Comente esta notícia