Entrevista DOP - Lua el Said
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Lua el Said é uma bailarina de Dança Oriental emergente no panorama de nacional. Natural de Moçambique, começou a destacar-se em Portugal, país para onde veio estudar Medicina, no ano de 2022 após ser considerada Bailarina Revelação no evento Stage Evolution e vencer o primeiro e segundo lugar na Categoria Profissional do Encontro de Danças Árabes, no Porto. Nesta entrevista, ficamos a conhecer melhor o seu percurso, experiências na Dança Oriental e opiniões sobre o mercado português.
Como surgiu a tua paixão e como começaste a aprender Dança Oriental?
Tive o primeiro contacto com a dança oriental árabe em 2010, depois de a minha mãe me levar a assistir a um festival de dança oriental na minha cidade. Nesta época eu tinha 7 anos e fiquei encantada pois neste festival havia um grupo de meninas da minha idade a atuar, traziam com elas figurinos de borboletas brilhantes e aparentavam gostar de ali estar. Era como se fosse um conto de fadas e elas fossem mini borboletas a espalhar magia pelo palco e com 7 anos qual é a menina que não gosta destes encantos?
Foi então, que em 2011 comecei a frequentar uma escola de danças árabes em Maputo, o Grupo Isis que, era o mesmo grupo organizador do festival onde vira a dança oriental pela primeira vez. Fiz parte deste grupo de 2011 a 2012. De 2012 a 2016 mantive-me afastada das salas de aulas, não consegui frequentar uma escola de dança devido aos horários não compatíveis com o colégio a onde estudava na altura.
Em 2017 entrei para o grupo Ya Noor o qual faço parte até aos dias de hoje, tendo como professora a bailarina Nathaly Noor. Continuo estudando e aperfeiçoando os meus conhecimentos com diversos bailarinos tais como Nahala Morani.
Lembro de um dia, com 10 anos comentar com as minhas colegas do colégio que gostaria de representar o meu país mundo fora. Duvidei imenso mas não desisti e anos depois cá estou eu, carregando a minha bandeira para inúmeros palcos.
Vieste de Moçambique para estudar Medicina na Universidade do Porto. Em que é que esta formação te auxilia na dança?
Acredito que o grande auxílio vem da dança para a medicina e não necessariamente o oposto (mesmo sabendo que existe). Medicina não é um curso fácil principalmente para quem vem de fora e não tem a presença da família por perto no dia-a-dia. É um curso bastante exigente e requer muito do nosso psicológico, o desgaste - principalmente o mental - é notório a quilómetros de distância e é aí que entra a dança, sendo ela a minha "válvula de escape". A dança tornou-se muito mais que o meu trabalho mas também o meu refúgio, o meu lar e o meu aconchego. A dança me liberta, me ampara e me fortalece. É através da dança que mostro a minha verdade e consigo preencher o vazio de estar longe de casa. É o local onde gasto as energias físicas repondo as energias da mente, saindo um pouco da realidade que tanto me exige.
Se a dança não estivesse presente na minha vida, tenho quase a certeza que não aguentaria o curso.
Quais as características e as maiores diferenças entre o mercado da Dança Oriental em Portugal e em Moçambique?
Portugal comparado a Moçambique está bastante evoluído em todos os aspectos, desde as salas de aulas aos grandes palcos. Portugal tem um mercado ainda em desenvolvimento e segue por um caminho muito bom. É bonito ver como as bailarinas se dedicam a esta arte, a entrega e vontade de aprender.
Moçambique tem ainda muito que crescer e aprender de quem já passou por isto começado, pelo gosto e prazer de estudar e aprender. Do mesmo jeito que vamos a escola aprender a ler e a escrever é do mesmo jeito que devemos ir a uma sala de aulas e aprender "o ler e escrever" da Dança Oriental pois, trata-se de uma cultura muito diferente da nossa e, se quisermos representar esta cultura é importante que saibamos o que estamos a fazer e como devemos fazer. Do mesmo jeito que levamos anos no colégio e depois em uma faculdade até obter o título de licenciado/mestre é do mesmo jeito que levaremos tempo até chegar ao nível profissional na dança. De nada adianta pular etapas pois estaremos a cometer auto-sabotagem. Sou moçambicana e tenho muito orgulho disso mas, sinto enorme tristeza pelo mercado da Dança Oriental e pelo caminho enviesado que está a seguir.
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Porque é que escolheste Lua el Said como nome artístico?
Lua porque chamo-me Luana e, por este ser o nome pelo qual sou chamada pela minha família e amigos desde pequena. Durante muito tempo pensei em criar um nome artístico, fiz várias pesquisas e não me sentia confortável com nenhum, nenhum nome me identificava.
El Said surgiu depois da minha primeira competição, em 2020 quando, depois da minha atuação recebi várias mensagens e comentários que diziam: “Luana, a tua dança é tão alegre”, “Tu és um furacão” ou então “Tu transmites muita alegria quando danças”. Foi então que decidi estudar o nome Said e, finalmente me senti identificada e confortável pois Said significa "Feliz", "Alegria/Alegre" e é o que eu transmito quando danço. Em Julho de 2021 oficializei o nome Lua el Said: “Lua, a Feliz".
Na escolha do nome artístico tive o apoio da minha professora Nathaly Noor, a minha madrinha, da professora Nahla Morani e do meu professor Ammar Sayed do Portal Árabe.
Como caracterizas o teu estilo de dança?
Alegre! Sou uma pessoa com bastante energia e força e levo isto para a minha a dança. Tanto é que, durante muito tempo trabalhei esta questão da “força” pois me impedia de ter uma dança mais elegante e delicada. Considero ter uma dança que transmite vida para quem assiste. Desde cedo que procuro estudar o estilo egípcio pois acredito ser o que mais se encaixa em mim e é também o que mais gosto.
Que impacto teve a COVID-19 no teu percurso?
A COVID-19 contribuiu para tudo o que tenho hoje, a minha carreira deu uma volta de 360º isto porque, foi nesta altura que comecei a ter um contacto mais direto com profissionais internacionais, fazendo aulas, shows online, participando em concursos e fazendo amizades com bailarinos de outros países. A quarentena foi o divisor de águas na minha carreira e foi o período em que mais evoluí em termos técnicos e de conhecimento.
Entrei para o mundo das competições em Junho de 2020 no festival Priscila Belle Cup 1, no mesmo ano participei do Priscila Belle Cup 2 e, do Arabesq Festival.
Fui aluna do bailarino Bruno Habibi e, me tornei aluna do Queens of Hips que tem como diretora a bailarina Soraia Zaied. Em 2021 me tornei aluna da bailarina Nahla Morani com quem continuo até aos dias de hoje.
Participei em vários shows online para diversas partes do mundo como: Argentina, Brasil, Peru e Venezuela. Em Julho de 2021 participei da seleção das novas integrantes do grupo Dança & Charme onde fui aprovada passando a fazer parte do mesmo até aos dias de hoje e levando as meninas junto de mim mesmo estando do outro lado do mundo.
Participei do festival Dahab com mais de 17 professores internacionais e também do festival Mnawara.
Conquistei pela primeira vez o pódio tendo ficado em 2º lugar no Congresso de Dança do ventre do Triângulo Mineiro e o 1º lugar no Festival Baladi Ambar ambos em 2021 sendo este último na Argentina depois de participar em 5 competições e não ter chegado nem próximo do pódio.
Participei de inúmeros cursos/workshops com vários bailarinos tais como, Nanda Zompero, Bruna Nassif, Priscilla Belle, Mahaila El Helwa, Tarik, Hayal, Yulia, Ian Montes, Ariel Khalili, entre outros.
Em 2022 participaste no evento Stage Evolution, em Lisboa e mais recentemente, no Encontro de Danças Árabes, no Porto. Como foi a experiência de actuar em festivais nacionais?
Foram experiências maravilhosas e muito construtivas tanto a nível profissional como pessoal.
Foi a primeira vez que participei em festivais fora do meu país. Poder conhecer, abraçar e dividir o palco com profissionais que acompanho há muito tempo e que admiro bastante juntamente com todos os bailarinos nacionais foi mais um sonho realizado.
Nos dois eventos destacaste-te no concurso (Bailarina Destaque no Stage Evolution e 1o e 2o lugar na Categoria Profissional do EDA). Qual o valor que atribuis aos prémios?
Ser escolhida como bailarina destaque no Stage Evolution e conquistar o 1o e 2o lugar na Categoria Profissional do EDA foi uma grande surpresa e também uma grande realização.
O Stage Evolution foi o primeiro evento nacional em que participei e sair de lá com este título foi uma confirmação de que estava no caminho certo e pude sentir-me acolhida pelo mercado nacional.
O EDA foi sem dúvidas a maior das surpresas pois foi a primeira vez que competi presencialmente enquanto profissional e ter conquistado o primeiro lugar com um estilo diferente do que eu levara em outras competições (online) foi a certeza de que devemos nos permitir experienciar coisas novas e que devemos nos desafiar dia após dia - até porque, este é o objetivo destes eventos: dar espaço às bailarinas para aprender, desafiarem-se e evoluir, mostrando ao mundo o seu talento.
Ambos os títulos e prémios significam muito para mim pois, acredito ser o resultado de muitos anos de estudo, muito esforço, dedicação e disciplina. São o resultado de continuar acreditando que um dia o sonho se realizará mesmo com mil motivos para desistir.
Este ano começaste uma nova aventura: dançar em bares árabes como o Khan El Khalili, no Porto. Como tem sido a reacção das pessoas à tua dança?
Esta é, outra grande conquista na minha carreira. A casa de chá abriu me as portas para o mercado nacional pois, foi o primeiro palco a onde dancei quando cá cheguei. Confesso que, mesmo dançando na casa há quase um ano, cada show é ainda um desafio, isto porque, tento sempre levar números diferentes com o objetivo de identificar o que o público da casa mais gosta, o que me ajuda a montar um show dinâmico e que seja do interesse do público. Tenho recebido um feedback incrível, o que sem dúvidas tem me motivado imenso. Acredito ter muito por melhorar mas, creio estar no caminho certo.
Quem são as tuas maiores referências artísticas?
São vários os artistas que fizeram e fazem parte destes 12 anos de carreira mas, escolho citar aqueles que de alguma forma contribuíram ou ainda contribuem para o meu crescimento profissional.
Em primeiro lugar Nathaly Noor, minha professora desde 2017 e uma amiga muito especial, diretora e idealizadora do único festival internacional em Moçambique, o Yallah África. Admiro a força que ela teve por durante 5 anos proporcionar à comunidade moçambicana um festival de alto nível em um lugar em que a dança do ventre não é tão conhecida e ainda é vista com maus olhos. Nahla Morani, pela presença em palco, pela capacidade de conseguir ser diretora do festival Dahab e da casa de chá egípcia no Brasil, professora e bailarina (não deve ser fácil conciliar tudo). Bruno Habibi pela energia contagiante que transmite em palco e técnica incrível. Katia De Bastiane por ser uma bailarina e coreógrafa excecional, por conseguir durante 10 anos conciliar a dança (carregando um grupo de meninas sonhadoras nas costas) com o seu trabalho como diretora de uma escola com centenas de alunos que de certeza não deve ser tarefa fácil.
Também não posso deixar de referir, Soraia Zaied, Munique Neith, Mahaila el Helwa, Allury, Isa Munir, Bruna Nassif, Tito Seif, Matahari, Priscilla Belle, Fael Rabelo, Nanda Zompero, Ana Zobaib entre outros.
Que características valorizas numa bailarina de Dança Oriental?
A dança de cada um de nós é única e, mesmo que digamos ser "duas pessoas", bailarina/o e pessoa civil, acho que a nossa dança tem muito a ver com o quem somos fora do palco. A Lua El Said tem muito a ver com a Luana Elaine.
De uma forma geral, em uma bailarina eu aprecio bastante em primeiro lugar, a entrega e paixão colocada em suas apresentações; a conexão criada com a música e com público permitindo que este se sinta parte da história e entenda a mensagem que queremos transmitir. Seguido disto, a técnica e leitura musical. Admiro as bailarinas que escolhem o que ler na música tornando a sua dança limpa.
Qual a tua visão sobre o estilo e o nível de dança das bailarinas portuguesas?
Comecei a ter contacto com o mercado português faz pouco mais de um ano e nesse curto período vejo que Portugal está a atingir um nível alto e fico super feliz por isso. Noto um grande interesse das praticantes/professoras em investir em formação de qualidade o que leva a um trabalho com mais seriedade e respeito por esta arte.
Podes nomear uma atuação de Dança Oriental/Fusão que te marcou? Quais as razões que te levaram a sugerir esta performance?
Sem dúvidas que há performances que nos marcam de maneiras diferentes com isto, escolho citar aquelas que ganharam o meu coração e que me inspiram por diversos motivos:
- Grupo Dança e Charme, este grupo tem o meu coração desde que conheci, escolhi esta apresentação em específico pois foi a última em que a Katia De Bastiani participou enquanto diretora e integrante do grupo, despedindo-se assim do mundo da dança. Foi esta performance que inspirou-me a montar o número "Um sonho" que apresentei no concurso da minha faculdade em 2022 e foi graças a este número que eu consegui unir a dança a vontade de expressar o que sentia por estar longe de casa há um um ano, com o objetivo de representar todos aqueles guerreiros que deixam suas famílias para trás e embarcam em uma aventura para lugares completamente diferentes da realidade vivida até então, tudo em busca de um SONHO.
- Nahla Morani foi quem me incentivou a mergulhar no mundo do tarab que até 2021 era um tema do qual eu fugia e, tentava evitar ao máximo pois, não me sentia capaz de traduzir a magia e a história deles através da minha dança até porque, há histórias que se tornam mais fáceis de interpretar depois de vivenciar coisas parecidas as contadas nas músicas. Foi então que comecei a estudar com ela e a cada dia que passa me apaixono mais por este mundo. Hoje, não pode por circunstância alguma faltar um tarab nos meus shows.
- Ana Zogaib, bailarina responsável por hoje eu ser completamente apaixonada pelo estilo baladi, foi justamente através deste vídeo que me interessei por este estilo e em 2022 com ajuda dela me aventurei primeira vez no estilo baladi tendo conquistado o 1º lugar na categoria profissional.
Quais são os teus próximos projetos e/ou objetivos na Dança Oriental?
Os planos e sonhos são muitos mas, infelizmente, nem tudo corre como nós planejamos. Acredito que tudo acontece na hora que tem que acontecer e que nada na vida acontece por acaso. Quero apenas dizer que pretendo continuar nos palcos seja fazendo shows ou competindo, participando em mostras ou em galas tanto a nível nacional como internacional, levando um pouquinho da minha verdade e da minha dança para as pessoas de diversas partes. Muito obrigada por terem lido.
Entrevista DOP | Lua El Said
Por Rita Pereira
Abril de 2023
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