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COMING UP | Machos Alfa

O ego masculino é um lugar sensível, e é isso mesmo que Machos Alfa vem provar. Leve, descontraída, divertida e atual, esta nova comédia da Netflix é um prato cheio na hora de explorar os preconceitos e o conceito de masculinidade como um todo. 

Num mundo em que falar de mudança e da forma como olhamos uns para os outros é o tópico do dia, Machos Alfa chega com a maturidade e eficácia suficiente para trazer leveza a uma longa lista de assuntos que merecem debate. A juntar a isto temos um texto e um elenco que não conseguem deixar-nos indiferentes. 

Há mais um sucesso espanhol no streaming e precisamos de falar sobre ele na edição desta semana do Coming Up.

Há preconceito em relação ao universo masculino?

Recentemente a Netflix trouxe-nos uma série que desconstruiu vários preconceitos e clichês sobre a comunidade homossexual com Smiley, falamos sobre o quão boa esta produção era numa das mais recentes edições do Coming Up, e apesar do público-alvo de Smiley e Machos Alfa estar a anos-luz de ser o mesmo é interessante como as duas conseguem quebrar barreiras de igual forma: Com o humor. 


Nós fazemos parte de uma sociedade que está em formação. Em formação para aprendermos a deixar de colocar cada indivíduo dentro de uma caixa, abrindo espaço e liberdade para que cada um seja e se expresse como se entender, mas no meio desta aprendizagem coletiva passamos a policiar-nos constantemente com um olhar feroz sobre o comportamento do outro. 


E nesta mudança de paradigma, o sexo masculino, anteriormente privilegiado, acabou por ser relegado para o fundo da cadeia social devido à longa lista de comportamentos errantes que as gerações anteriores, menos informadas, lhes foram incutindo. 


Por isso sim, Machos Alfa chega ao catálogo da Netflix como um ombro amigo dos homens e que vem dar afago às frustrações deles mostrando ao público que por mais que não estejam ou tenham o comportamento correto cem por cento do seu tempo continuam a ser divertidos, simpáticos e boas pessoas, que cometem erros tal como todos os outros. 


A forma como a série vai abordando a mudança de perspetiva da sociedade em relação ao “macho” é inteligente, mas mais que isso traz leveza a um tema que pode ser sensível, precisamente por vivermos na era do politicamente correto. 


 

Mas em que se traduz essa “mudança de paradigma”?

No primeiro episódio somos imediatamente apresentados ao mundo de hoje, com uma decisão bem questionável. Líder de audiências no seu canal, Pedro Aguilar é dispensado do cargo para que uma mulher assuma o seu cargo. Mas, não falamos de mérito. Falamos sim de uma vontade emergente das empresas em venderem a imagem publica de que são apologistas da igualdade e paridade, é um autêntico movimento de Relações Públicas, que está a acontecer no mundo real, mas que é colocado aqui com leveza para mostrar a tendência machista do protagonista. 


Pedro é uma das personagens mais interessantes desta história. Ele é o estereotipo completo do Homem Machista, que não suporta deixar de ter o papel de “homem da casa” e que não consegue abrir mão do poder interno ignorando e fazendo de tudo para menosprezar o sucesso da mulher. Contudo, aqui vem o lado inteligente do argumento, que humaniza e constrói camadas de forma tão alicerçada ao ponto de nos fazer entender que nada no comportamento de Pedro para com a esposa Daniela é premeditado, ele realmente acredita que aquela é a forma correta de agir porque não consegue ver além do seu espectro fechado. 


Entra, depois, outro clássico no universo dos Homens Machistas: As mães galinha. Na curta aparição da mãe de Pedro na história já conseguimos tirar a ilação de que ele é o típico menino da mamã que não consegue dizer-lhe que não. 


Ou seja, por mais que estejamos a falar de uma série cómica, em dez episódios Machos Alfa dá uma verdadeira aula a muitas séries dramáticas, onde essa profundidade é necessária, sobre como criar empatia entre público e personagem. Não é sobre concordarmos com ele, é sobre entendê-lo e perceber cada passo que dá. 

 

Pedro é uma das personagens mais interessantes, mas sobressai aos outros protagonistas?

O quarteto principal é bastante sumarento e trazem todos eles questões atuais e interessantes, com igual destaque entre si. Não há vedetas aqui, podemos ter mais ou menos interesse por algum dos arcos, mas todos eles são explorados de uma forma tão divertida que acaba por ser difícil que não criemos afeição. 


O sexo é, obviamente, um dos ingredientes principais deste argumento, afinal de contas estamos a falar de uma série cujo título é Machos Alfa, e não há assunto que associemos mais ao género que este. Mas muita coisa mudou nos últimos anos e a série está cá para provar isso. 


Entremos no arco de Raúl, o típico bad boy que está a chegar à fase em que quer ter um compromisso, mas que continua a ter uma relação extraconjugal. O que ele não esperava é que o karma lhe batesse à porta e a sua namorada decidisse que o próximo passo não era o casamento, mas sim abrir a relação. Aqui dá-se a verdadeira tragédia grega no orgulho masculino de Raúl, é que ele sendo homem pode fazer o que quiser, mas com Luz a história é outra. 


Entretanto ele vê-se numa situação em que essa abertura é o seu pior pesadelo e começa a entender que talvez esteja errado na sua forma de pensar. Mas já diz o ditado “burro velho não aprende línguas” e Raúl acaba por ser apanhado na sua própria traição e encostado contra a parede. Na única oportunidade que tinha para ser sincero acreditou na sorte e deitou ao lixo tudo o que tinha conquistado e, ainda por cima, depois de Luz lhe ter dado uma prova de amor e ter abdicado do seu próprio sucesso para que ele se sentisse acarinhado pela cedência que tinha feito antes. 


Mas avancemos para Santi, o homem abandonado pela mulher que apelidou de tudo e mais um par de botas, que tenta refazer a sua vida no Tinder. E ao contrário dos costumes habituais, em Machos Alfa, o homem vê-se confrontado com um mundo onde a mulher também tem necessidades e procura apenas um parceiro sexual e não uma relação séria. Quando ele finalmente decide fazer as coisas da forma tradicional, saí-lhe uma louca na rifa, e aí sim ele percebe que a sua ex-mulher é tudo aquilo que ele precisava e que não há nada de errado em tentarem de novo.


 

E Luís? O quarto protagonista? 

Deixámos Luís para o fim e não foi uma escolha aleatória. A narrativa de Luís é a mais próxima da realidade do dia-a-dia. Um pai de família, com emprego estável, com sonhos de ter mais sucesso, mas acomodado na vida modesta que tem ao lado da mulher com quem escolheu viver até ao fim dos seus dias, e que nem equaciona que possa ser de outra forma. 


Mas é nesse comodismo e na rotina que tudo muda. Com a vida sexual relegada para segundo plano, Esther dedica-se, por conselho do próprio marido, ao ginásio, tentando ocupar a sua cabeça e gastando a sua energia. Porém, sem que nada o fizesse prever, o seu personal trainer começa um jogo de sedução. 


Esther, que tentava trazer faísca na sua vida deixa-se envolver e toma a decisão de terminar o casamento, ignorando todos os gestos de Luís. 


E dá-se o plot twist. Neste aparente reinício de vida, Esther começa a perceber que mesmo com todos os defeitos ela gostava da vida que tinha ao lado de Luís e depois de se afastar um pouco começa a ver nele qualidades que já se tinha esquecido que ele tinha. A partir daqui faz-se inversão de marcha e os dois voltam a tentar reconstruir a vida a dois. 


Além do lado poético e da proximidade com a realidade que nos ajuda a conectar com as dores dos personagens, há um outro elemento fundamentalmente faz todo este arco fluir de uma forma ainda mais cativante: Temos como protagonistas os dois atores com melhor tempo de comédia do elenco. É impossível não rir com as peripécias que lhes vão acontecendo e por mais “normal” que seja a história deles, não conseguimos deixar de ter interesse em perceber o que se segue. 


Mérito da interpretação de ambos que merece ser vista pelos votantes das grandes cerimónias de entrega de prémios.

 

Machos Alfa vale o nosso tempo? Mesmo que comédia não seja o nosso género de série favorito?

Do gozo ao universo dos influencers com Daniela e a sua maravilhosa empregada, às aulas de apoio sobre “masculinidade desconstruída”, passando por fetiches peculiares, e enredos que têm tudo para correr mal, a criatividade de Machos Alfa é simplesmente genial. 


De ponta a ponta levam-nos por uma longa lista de assuntos sérios sem que sintamos o seu peso real, mas sem que nos deixem a sensação de que estão a pôr aquele tema ali apenas para chamar a atenção. Não, o que é falado na série é explorado, é parte integrante deste universo, não fica pela rama. Claro que nem tudo é aprofundado ao extremo porque estamos a falar de uma comédia e há temas que podiam ser um pouco mais dolorosos que nos levavam a fugir do tom, mas estão todos lá. Nesse ponto é até mais caprichado que Smiley


E falando de assuntos importantes não podemos deixar de referir um dos aspetos mais interessantes que a série trouxe com a chamada de atenção para o cancro nos testículos. É raríssimo vermos este tipo de cancro retratado nos ecrãs, mas é fundamental que se fale sobre ele, sobretudo quando estamos no universo de uma série que vai atrair um público masculino que foge de produções onde esse tema surja como pauta, e nunca é demais referir o quão importante é estarmos atentos aos sinais do nosso corpo. 


Machos Alfa tem um desfecho fechado que podia facilmente encerrar a série, mas a segunda temporada já está confirmada e esperemos que a criatividade não se esgote, porque é completamente fora do normal encontrarmos uma série de comédia tão profunda e interessante e sobretudo tão abrangente como esta. 


É mais um sucesso do braço espanhol da Netflix que cada vez mais está a provar-se como o mais original e ousado dentro do catálogo da gigante do streaming. Esperemos por mais projetos ousados e se vier em linha com o que Machos Alfa nos traz estamos muito bem servidos!