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COMING UP | Olhar Indiscreto

Fã de uma boa novela cheia de plot twistsOlhar Indiscreto é um resgate deste género, que traz o erotismo e o thriller para dentro de uma fórmula com a qual crescemos e que nos ensinou a amar a ficção. Com alguns clichês à mistura e escolhas ousadas que nem sempre são justificadas, o que é certo é que Olhar Indiscreto se torna numa maratona fácil e sabe utilizar o clichê para a tornar envolvente. A nova aposta brasileira da Netflix é feita com bom gosto e rica no miolo que nos cativa muito mais do que o primeiro capítulo. 

Com capa de minissérie, mas com possibilidades narrativas para sustentar mais temporadas, Olhar Indiscreto é uma daquelas histórias que nos prende pela ideia de que tudo pode acontecer e onde o único limite é a criatividade dos autores. 

Há muito para discutir, fica connosco em mais uma edição do Coming Up! 

A série é descrita como um Thriller Erótico, mas na prática em que é que isso se traduz?

Para os fãs de séries do género de Revenge que trazem o género novela compactado em sequências de dez ou vinte episódios, Olhar Indiscreto é exatamente aquilo que os vai prender ao ecrã. 


No fundo, nesta narrativa encontram-se todos os chavões que constroem uma boa novela clássica, daquelas com as quais crescemos e que nos introduziram ao mundo da ficção. Aqui temos o romance, temos a guerra de famílias, temos a avareza, temos o amor impossível, temos vingança, temos a tragédia típica de qualquer telenovela com detalhes que só mesmo na ficção é que são possíveis. 


Temos tudo isso, mas como falamos de uma série essa enxurrada de temas que normalmente demoram pelo menos cem episódios a desenrolarem-se aqui são convertidos em dez episódios de menos de quarenta minutos, tornando tudo muito mais rápido e deixando-nos agarrados aos ganchos e às possibilidades, sobretudo por sabermos de antemão que esta será uma história fechada. 


Porém, apesar de ter todos os clichês do universo das telenovelas, há, de facto, um diferencial em Olhar Indiscreto. Temos aqui um thriller ousado, que utiliza uma temática que encontra vários paralelos com a realidade através do mundo da prostituição e o tráfico de mulheres, que dá um bom suporte à história ao mesmo tempo que constroem um drama de vingança cega que leva alguns dos personagens a tomarem decisões limite. 


Nesse ponto, a proposta de thriller é cumprida, porque não se fica apenas por uma ou duas cenas de ação, os autores realmente exploram essa violência em todos os personagens e fazem desse ambiente de thriller parte integrante da apresentação e construção das personagens, não é apenas marketing


O outro diferencial é, obviamente, o lado erótico, que é um dos grandes pilares da trama. Quem já assistiu O Clube, encontra aqui algumas semelhanças neste ponto, mas não só em termos narrativos, mas, também, na abordagem erótica que é feita com bom gosto e cuidado. É certo que é um pouco mais ousada em comparação com a série da OPTO SIC, mas estamos a falar da Netflix que já nos ofereceu produtos como Sex/Life.


 

Sendo um thriller, impõem-se perguntar: É previsível?

Ora, quando assistimos ao primeiro episódio parece que já desvendamos metade do plot da série. Existem, de facto, alguns arcos de resolução previsível. Mas calma, não temos aqui uma história irmã de Quién Mató a Sara?, em Olhar Indiscreto há espaço para a surpresa, sobretudo porque os autores não pouparam as reviravoltas e em algumas até desafiaram as leis da física em prol da história, como acontece, por exemplo, quando Miranda é atirada de um prédio e mesmo assim sobrevive. 


Enfim, temos de aceitar essa interpretação da realidade, afinal, a ficção sempre nos habituou a coisas inexplicáveis. Porém, nesse campo da previsibilidade da série é importante referir que é o miolo que mais nos conquista. 


Ou seja, tanto o primeiro como o último episódio são aqueles que mais portas abrem para a desilusão dos detetives de plantão, porque é fácil adivinharmos de antemão o que vai acontecer. Mas isso não é o que se passa nos restantes oito capítulos. Os argumentistas abusaram nos plot twists, e a cada novo episódio parecia que havia mais uma pergunta que precisava de ser respondida e esse ritmo de constante introdução de novas questões acabou para ajudar a que a série se tornasse ainda mais maratonável. 


Fomos entendendo que estavam a tentar criar um paradoxo em que tudo fazia sentido, porque parecia que tínhamos todas as respostas à nossa frente, mas em simultâneo nos mostravam constantemente que as respostas estavam, ainda mais, aprofundavas, que não era assim tão raso como o primeiro episódio fazia acreditar. 


Apesar disso, a ideia de partida da série de tentar colocar Heitor como um vilão antecipado não funcionou, de todo. Em resumo, sobre o quão previsível Olhar Indiscreto é, a resposta mais precisa será um “nim”, é uma balança bastante equilibrada entre aquilo que é óbvio e aquilo que sai fora da curva de clichês de histórias deste género.

 

Sendo uma minissérie, a história fecha-se realmente?

Apesar do facto de estarem constantemente a introduzir novas questões tornar a história num vício, essa criatividade acaba por jogar contra a série, porque deixa abertura para pontas soltas ou assuntos mal explorados. 


A série tentou aprofundar os seus temas, mas o facto de ter muitos arcos para resolver num número limitado de episódios acaba por deixar alguns detalhes sem explicação e acaba por criar conexões entre várias situações que nos soam como soluções forçadas apenas para não parecer que são injustificadas. 


Por exemplo, todo o arco do rapto de Miranda foi tão corrido que perdeu parte do impacto. Pareceu que foi de um momento para o outro e que o único objetivo era ter um momento de grande destaque para encerrar a produção. Sentiu-se essa corrida contra o tempo para responder a tudo. E nem podemos dizer que tenha funcionado mal, mas foi demasiado corrido e acabou por conduzir as personagens por caminhos mais óbvios. 


Além de parecer a dada altura que os autores estavam viciados em chocar-nos e precisavam a cada novo episódio de colocar um toque a mais de drama para nos prender. A morte de Rita, por exemplo, foi desnecessária. Serviu para Rafael sacar a informação necessária do capanga de Cleo, mas ao fim ao cabo traduziu-se numa solução de recurso para que os personagens fizessem uma apresentação explicada ao detalhe de tudo aquilo que aconteceu antes. E não era assim tão necessário. 


Nós, público, conseguimos criar conexões, não precisamos que esteja tudo preto no branco. Quando uma história precisa de se autoexplicar para que quem assista entenda o que está a acontecer então alguma coisa falhou. 


Contudo, podemos dizer que no final das contas os caminhos de todos os personagens ficaram “fechados”, sobretudo porque os autores seguiram o caminho fácil de terminar com a vida de mais de metade do elenco, o que deixa pouco espaço para pontas soltas. Morreu, terminou. 


Ainda assim, havia sumo para que esta fosse uma série limitado a duas temporadas, talvez assim existisse espaço para um maior cuidado. Ia melhorar muito a experiência e ajudaria a não limitar a criatividade dos autores.


 

Sentimos apego pelas personagens ao ponto da morte delas nos chocar?

Há alguns detalhes confusos na construção de Olhar Indiscreto, porque ao mesmo tempo que nos apresentam personagens construídas em cima de estereótipos conseguem dar-lhes alguma riqueza, mas não lhes dão vida. O que quer isto dizer? Miranda, por exemplo, a partir do momento em que tem o primeiro encontro com o drama de Cleo passa a viver única e exclusivamente para os dilemas de Heitor e Fernando. 


Mas quando pensamos sobre ela percebemos que sabemos muito pouco sobre a vida dela. Sabemos que é curiosa e que tem uma tara um pouco estranha, mas da vida dela concretamente não sabemos nada porque a personagem parece existir apenas para orbitar dentro de um problema que à primeira vista nem era o seu. 


Ela não teve apenas um Olhar Indiscreto, ela mergulhou na vida de outras pessoas parando de existir como pessoa. E isso é estranho, porque passa a sensação de que ela é desinteressante. 


Mas vamos mudar de foco e falar sobre Fernando. Ele e Heitor são, provavelmente, os dois personagens mais estereotipados desta série, numa luta de titãs que parece ter nascido numa inspiração direta, mas mais moderna de O Conde de Montecristo


Heitor é o homem amargurado por um passado de tragédia que vive infeliz numa vida que serviu apenas para alcançar o estatuto que queria, mas apesar de ser o personagem com mais acusações em cima, é, também, aquele com o qual a série menos se preocupa. Heitor vive pela boca dos outros personagens, mas tem pouca atitude dentro da história. 


Já Fernando é o típico vilão, que mais próximo do final ganha alguns traços interessantes que realmente dão impacto à sua morte. 


Mas sobre o impacto das mortes, Zoe e Diana têm tão pouco a acrescentar a tudo isto que a morte delas nos impacte mais pelo ponto do thriller do que pela empatia com elas. 


No fundo, só Rita é que realmente consegue o trunfo da empatia e é a única que, realmente, nos desperta emoções na despedida.

 

Vale a pena passarmos os olhos por Olhar Indiscreto ou é tempo perdido?

Olhar Indiscreto tem erros e acertos e consegue a proeza de ter tanto a apontar num lado quanto no outro. Mas isso deixa a série como uma sensação de neutra. É uma produção que se embarcarmos vamos querer ver até ao final porque tem arcos que nos despertam o interesse de quem gosta de desvendar o mistério antes de tempo, contudo não o tipo de série que vá apaixonar-nos nem tão pouco surgir na nossa cabeça na hora de darmos uma indicação a alguém. 


O grande ponto baixo de Olhar Indiscreto é a falta de tempo. A série tem uma história criativa, rica, com temas e reviravoltas que cativam qualquer um, mas o facto de estar limitada a dez episódios acaba por a tornar demasiado rasa e sem grandes momentos que empolguem. Faltou tempo para respirar, porque, de resto, todos os outros ingredientes estavam lá. 


O elenco e a produção têm qualidade, mesmo que os personagens pareçam ter pouco espaço para saírem fora da caixa, e por isso, quem assiste acaba por não ter o seu tempo desperdiçado, mas fica sempre a ideia de que precisávamos de mais. É tudo mediano, e isso deixa Olhar Indiscreto no limbo raro dos projetos em que nos é difícil posicionar. 


Ainda assim, para o público português que decidir assistir podemos dizer que encontramos um Ângelo Rodrigues com muita química com Débora Nascimento e que cumpre inteiramente a proposta do seu personagem, numa interpretação que lembra muito a sua atuação em Rosa Fogo, mas que prova também que ele consegue ir pouco mais além das expectativas. Esperemos vê-lo numa nova aposta brevemente. 


E esperemos ver, também, novos projetos mais longos da equipa de autores porque a essência de uma boa história está lá, só lhes faltou um pouco mais de tempo.