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COMING UP | Werewolf by Night

Continuamos em contagem decrescente para o Halloween e seguimos a marcha nas produções de carácter festivo. Desta vez voltamos a mergulhar no catálogo do Disney+ para um capítulo completamente novo do Universo Cinematográfico da Marvel, que faz justiça ao seu título de especial, porque é realmente um evento. Nesta era do autodescobrimento, a Marvel usa e abusa do experimentalismo e volta a acertar quando opta pela ousadia de fazer diferente. 

Longe da fórmula a que nos habituou, Werewolf by Night cruza a linha da homenagem e apresenta-se com a segurança de uma história que tem muito para contar, sem ter à partida um próximo capítulo à vista, como acontece em todas as outras narrativas deste mundo de super-heróis. 

Mesmo com alguns detalhes onde não agrada tanto, Werewolf by Night é uma experiência audiovisual e merece algumas vénias pelo arrojo e pela forma como conversa com o público Marvel sem lhes atirar referências dos últimos dez anos e os obrigar a vasculhar bibliotecas. 

Com o gostinho de primeiro capítulo, o Lobisomem do MCU já nos conquistou e é disso que falamos esta semana no Coming Up. Fica connosco, há muitas ideias para debater! 

Num estilo muito clássico da estética das grandes obras do terror, Werewolf by Night referencia-se da beleza antiga para entregar um projeto coeso sem parecer um show de pirotecnia. E este é o primeiro ponto que o diferencia do grande Universo Marvel nos cinemas e nas séries.

Longe das paletas atrativas, Werewolf by Night arrisca no preto e branco, que poderia facilmente torná-lo num projeto pouco apetecível para o público que consome este género. Mas, é aí que entra o marketing que constrói e destrói este especial. 


Se por um lado o jogo de marketing quase obriga os fãs do MCU a investirem o seu tempo nesta longa-metragem para não perderem possíveis easter eggs escondidos, por outro lado é essa busca incessante o principal carrasco de Werewolf by Night para o público nerd


A gestão de expectativas no Universo Cinematográfico Marvel nem sempre é a melhor, e este é mais um dos casos em que o marketing nos leva ao engano e nos deixa com um gosto amargo na boca quando percebemos que esta é uma narrativa única e totalmente isolada do que vimos até então. E essa expectativa de vermos pormenores nas entrelinhas faz com que a experiência de assistir à obra não tão prazerosa quanto deveria, porque acarreta frustração e com ela críticas injustas pela falta de conexões com os outros super-heróis que partilham o mundo com este novo protagonista. 


Porém, apesar dessa sensação menos boa que o marketing nos empurra a sentir, Werewolf by Night jogou com todas as armas que tinha para se defender e no final das contas entrega uma intriga que nos prende de ponta a ponta sem sentirmos que temos tempo morto para respirar entre um evento e outro. 


Num ritmo que, e resto, está muito melhor que a maioria das tramas que a Marvel tem apresentado recentemente no grande ecrã. Parece que neste especial deixaram, totalmente, de lado a “palha” que aumenta desnecessariamente o tempo das histórias. 



Enquanto no aspeto mais técnico a inspiração principal veio realmente do terror, na história, Werewolf by Night bebeu o elixir das aventuras dos anos 80 e 90 e conquista-nos pela simplicidade que não carece de passagens profundas que nos expliquem a raiz de cada personagem. Eles aterram no enredo já construídos, no seu auge, sem necessidade de se justificarem ou apresentarem ao público e deixando espaço para que os fãs tirem as suas próprias conclusões, como se não existisse uma índole pré-imposta, como é apanágio nos dramas da Marvel, onde cada detalhe é colocado com pinças para nos apresentar quem são os “bons” e os vilões” de cada história. 


Feita esta pequena leitura dos personagens passemos para o grosso da trama, que é simples, mas que consegue fazer do simples algo interessante através do ritmo e do uso de clichês do género aventura que continuam a funcionar mesmo depois de repetidos inúmeras vezes. 


Enfim, todos gostamos daquelas perseguições meio toscas em busca dos tesouros, somos sonhadores dos anos 90 ou 2000, crescemos assim e não há nada a fazer. 


E o engraçado disto é que a Marvel parece ter plena consciência disso e entregou-nos exatamente o que queríamos ver: Uma aventura com drama, com ação, com lutas, com magia, e tudo sem se perder em escolhas presunçosas para deixar ganchos no futuro. 


O filme arranca com tudo em cima da mesa, bem explicado sem precisar de grandes contextos ou backgrounds e num estalar de dedos já obriga todas as personagens a mexer-se em benefício próprio mostrando que ali não há nenhum herói integral. 


E há logo um detalhe de interpretação que salta à vista e que casa perfeitamente com o género de homenagem que querem fazer: A dicotomia entre o exagero e o sóbrio. 


Tal como nos grandes clássicos do terror, a maioria dos integrantes deste especial apresentam-se como figuras que vivem na penumbra, num estilo sóbrio que se confunde com os perigos da noite. Mas, todos eles acabam por se apresentar como caricaturas do exagero, sem perderem a credibilidade das suas atuações. 


Tudo isto num trabalho arriscado e difícil que é transversal a todo o elenco mas que é personificado, sobretudo, no protagonista de Gael García Bernal que usou e abusou das influências para trazer uma figura que tem laivos de Drácula e Frankenstein, mas que é inteiramente nova apenas e só porque está nas mãos de um mestre da arte da representação que consegue distanciar como (quase) ninguém as suas personagens. É como se ele tivesse aberto a gaveta do terror, tivesse vestido a personalidade de uma figura icónica, mas no cair da roupa elas tomassem uma personalidade diferente através da própria figura do ator. 


É um trabalho magistral que ajuda, e muito, a tornar Werewolf by Night num verdadeiro espetáculo. Mas não é caso único. 


Harriet Sansom Harris também evoca tudo o que é vilão clássico das grandes obras e traz para aqui num exagero teatral que torna a sua Verussa numa figura cativante. Quanto à parte desta ser uma figura assustadora, isso já é muito mais discutível mas pelo menos o carisma necessário para manter a trama interessante ela tem.



E passamos para Laura Donnelly que entra a contracena perfeita vestindo a pele de uma espécie de Jessica Jones que é o dueto amoroso perfeito, mas que acaba por destoar um pouco desta maré revivalista de Werewolf by Night, dado que ela é, talvez, a persona mais mundana que por ali anda e a que mais próxima está da nossa realidade. Se ela amanhã integrasse uma equipa dos Avengers quase nem nos ia soar estranho, enquanto que com todos os outros membros deste casting seriam figuras, no mínimo, peculiares até para os heróis mais poderosos da Terra. 


A culpa é da atriz? Não, ela entrega exatamente o tom que o texto lhe pede, assente na rebeldia, é um claro exemplo de um texto que não dá suporte para integrar a personagem no ambiente, apesar de conseguir entregar diálogos que a tornem numa das principais e mais memoráveis figuras deste drama aventureiro. 


E já que falamos em contracenas, há que dar a mão à palmatória e reconhecer que até num especial que se esforçou de forma heróica para se desvincular com a mítica fórmula Marvel há uma linha base que se mantém: O humor. 


E não falamos de qualquer tipo de humor, falamos daquele tipo de humor que nos ofereceu personagens como Groot ou Korg, o humor vindo das figuras inusitadas que no caso se transpôs para o aparentemente ameaçador Man-Thing e para a sua ligação com o protagonista. Apesar dos momentos entre eles serem algo que faz rir, deixa a sensação de que já vimos aquilo e que nesse aspeto o famoso “mais do mesmo” ainda se mantém, o que é pena.


A partir da metade do especial até ao final existe a sensação de que a ousadia inicial é um pouco contida e o desenrolar dos eventos começa a tornar-se mais previsível e o abuso dos clichês torna-se evidente. Não há nada de errado nisso e não é algo que prejudique o espetáculo, mas acaba por deixar implícito que existiu ali um travão na liberdade e deixa-nos curiosos para perceber até que ponto louco iriam se não tivessem abrandado esse lado criativo. 


De uma forma geral, Werewolf by Night conquista, sobretudo, pela estética e pelas atuações, pelas figuras cativantes e pela vontade que tem de se impor como diferente num universo onde parece que já tudo foi testado. 


Werewolf by Night é o cruzamento perfeito entre o que é o cinema de massas e o cinema com características autorais e a prova de como os dois mundos podem coexistir e traduzir-se em produtos que agradem o público sem fazerem eles próprios um Frankenstein Audiovisual. 


O teste foi bem-sucedido e a vontade com que nos deixa de ver mais destes personagens é um bom barómetro para a Marvel perceber que o público está aberto a outro tipo de personagens e que nem tudo tem de ser sobre salvar o mundo. 


Tal como nas Bandas Desenhadas há espaço para tudo, só precisa de ser feito com empenho e com uma boa dose de amor, algo que o estilo industrializado da Marvel tem deixado de lado em prol do lucro. 


Talvez Werewolf by Night seja a prova de que é necessário repensar certas coisas mas, ainda assim, não é o projeto que vem deitar a baixo o que já está construído, nem o projeto que faz avançar, é simplesmente o projeto que prova que se pode fazer diferente e continuar a ser bom. Esperamos pelo regresso!