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Contos Bastardos • "Trouxeste rosas de Santa Teresinha"

 

Trouxeste rosas de Santa Teresinha

Trouxeste rosas de Santa Teresinha, que pousaste em cima da mesa.

Todas as minhas partículas te pertencem: isto devia chegar para simplificar a conta.
Mas chego a sentir-me tão cheia de desonestidade como de dedicação. Como se fosse atravessada por um cais meridiano que divide as duas margens.
E a maré vai mudando, sem respeitar calendário nem borda-de-água.
Sem que nenhuma ciência exata a possa prever.

Tão depressa apoio as tuas ideias mirabolantes como te peço que voltes à realidade.
(Já pensaste bem no trabalho que algumas nos iam exigir? Horas e horas sentadas juntas, a dar cabo do teu cérebro e da minha mão direita e das nossas costas, a escrever e a apagar, a esquecer prazos e compromissos, a enlouquecer-nos mutuamente sem nunca o poder admitir - porque já passámos da idade dessas crises serem aceitáveis)

Nos dias em que o céu se enche de uma névoa branca, armado em véu da Nossa Senhora, eu sei que ficas triste. Por isso levo-te rosas de Santa Teresinha, livros de aventuras e mistérios, lembranças doces, perfumes raros e promessas de viagens.
Quando resulta, nada me deixa mais feliz.
Se estamos em sintonia, piso numa nuvem de ebriedade infantil - imagino que nenhum obstáculo deste trail mundano nos abate, que nos complementamos neste decatlo como uma equipa imbatível, uma diz mata e a outra diz esfola, Bonnie e Clyde, Oliver e Benji, Neruda e Matilde, Fernando e Ofélia, Sonny e Cher, Batatinha e Companhia…

Nem sempre me convences com os teus mimos batoteiros, cábulas de quem me conhece há uma vida. Mas se há lição que temos aprendido é que a cola que nos mantém juntas é ainda mais resistente do que o baloiço que o pai nos construiu no sótão.
E ele jurou à mãe pela vida que aquelas cordas eram seguras, que aguentavam tudo.

Tua
(Nossa),

Texto: Sónia Costa 
Ilustração: Filipa Contente