COMING UP | Bom Dia, Verônica - 2º Temporada
A antítese entre o clássico e o ousado são o que melhor define a segunda leva de episódios de Bom Dia, Verônica. Enquanto em termos narrativos a história se mantém com os pés pregados ao chão fazendo o seu caminho sem grandes reviravoltas que desvirtuem a história e que por serem tão credíveis acabam por prender ainda mais a atenção, no tema assume-se um risco maior.
É que à semelhança da primeira temporada, a série quer muito ter uma voz ativa na denuncia de casos que acontecem debaixo do nariz da sociedade, e quer fazer esse alerta através de um storytelling que conta com a inspiração certa para nos transportar realmente para aquele universo e nos fazer entender que sim estas histórias rendem boas séries de televisão mas na realidade podem estar a acontecer aqui mesmo ao nosso lado sem darmos conta.
Falamos disto e de muito mais na edição do Coming Up desta semana, fica connosco e mergulha na densidade de Bom Dia, Verônica, prometemos que nos vais agradecer pela dica!
Os novos capítulos de Bom Dia, Verônica são exatamente aquilo que esperamos de uma série numa segunda temporada. Por mais que não supere a primeira e que o argumento se tenha agigantado um pouco mais, a série consegue manter-se fiel aos seus princípios fazendo com que apesar da primeira temporada ser um pouco mais cativante, esta se torne um pouco mais frenética.
Mas vamos por partes. Na primeira temporada a história apesar de impactante desenrolava-se entre um pequeno nicho de personagens, o que tornou a série num autêntico murro no estômago.
Janete, a vítima da primeira temporada, foi construída de maneira tão credível, tão humana, que parece ter sido inspirada na história de alguém que realmente existe neste nosso mundo. Soa quase a um “baseado em factos verídicos”. E isso, para quem gosta de um drama que tenha algum tipo de posição social tornou Bom Dia, Verônica uma série de extrema importância.
Agora, na segunda temporada deixamos o nicho e os eventos ganham uma escala maior, fazendo-nos entrar numa rede bem mais perigosa e assustadora, com a fé a ser o remo que faz a segunda temporada avançar.
Falar de fé é sempre algo um pouco controverso, sobretudo se deixarmos de lado a crença para falarmos de alguns casos de podridão que acontecem entre a sociedade sob a capa de se tratarem de atos de fé.
É aqui que Bom Dia, Verônica dá o grande salto. A narrativa atira-se de cabeça para dentro do tema, fundamentando cada ato com mais e mais camadas. É tudo tão suportado que nos deixa vidrados e a questionar: Como é que alguém se pode sujeitar a isto? Mas a fé é algo que pode, realmente, cegar, e nessa cegueira há uma grande maioria de fiéis que estão dispostos a fazer qualquer coisa em prol de terem as suas preces atendidas.
Nós, comuns mortais, sabemos disso, e é aí que entram pessoas mal-intencionadas como Matias, que à primeira vista parece mais um vilão-tipo do universo das séries, mas se investigarmos um pouco algumas notícias que marcam a atualidade percebemos que o mais fascinante, no pior sentido da palavra, é que existem Matias no mundo real e que pela primeira vez temos aqui uma representação sem medos de alguém que lucra com o desespero de quem se entrega a Deus em busca da salvação.
E é interessantíssimo ver como a série constrói este homem numa espécie de arquétipo da perfeição e envolto num mistério que acaba por conversar bem com o nosso dia-a-dia apesar de estarmos a falar de algo gigante.
Se repararmos em nenhum momento os personagens colocam de lado o misticismo dos poderes de Matias, nos seus diálogos até os mais céticos acabam por referir que de facto há coincidências sobrenaturais na relação entre Matias e os seus pacientes e a série ganha imenso em deixar esse “saber popular” nos seus diálogos sem entrar a pés juntos no argumento básico do engodo. Porque convenhamos, era impossível que um homem destes por mais carisma que tenha, conseguisse mobilizar massas durante tantos anos sem alguns casos de sucesso "confirmados".
É obvio que deverá existir algum tipo de explicação científica por detrás, mas o facto da série ter optado por plantar essa dúvida entre todos os personagens acabou por tornar a figura de Matias ainda mais assustadora e uma leitura ainda melhor sobre o quanto a fé pode toldar-nos o raciocínio ao ponto de ignorarmos o óbvio e de nos fazerem acreditar que alguém, um humano comum, tem alguma espécie de conexão divina e poderes paranormais.
Esse mote da fé, e a abordagem sem rodeios com que o tema foi tratado, é um dos pontos mais interessantes de uma temporada que lucra por se conseguir amarrar muito bem com a história da primeira sem criar uma ligação que pareça forçada entre as duas narrativas.
É tudo uma grande linha contínua, onde parece ter existido algum planeamento porque já na primeira temporada Brandão falava da fé como algo de extraordinária importância na vida dele, e agora com a narrativa de Matias contada esse traço da personalidade de Brandão salta ainda mais à vista.
Cheia de detalhes positivos, Bom Dia, Verônica continua a ser uma ótima recomendação, mas também tem as suas falhas.
A história da segunda temporada, como já dissemos antes, é um relato gigante, contada num ritmo frenético. Contudo, o facto de tudo obrigatoriamente ter de ser condensado em seis episódios acaba por não deixar respirar alguns dos eventos. É uma luta constante contra o tempo que por momentos falha em conseguir transmitir-nos o real impacto das situações.
Enquanto numa larga maioria das séries da Netflix temos histórias arrastadas para fazerem render o número de episódios, aqui temos um dramalhão com sumo para uma sequência de oito ou dez que foi prensada em seis. Isso dá à série um ritmo alucinante, sim, mas também faz com que arcos gigantes percam força.
Vejamos, por exemplo, o momento em que Verônica se infiltra na casa de Matias. A necessidade de contar apenas o essencial porque além desse momento há muito mais coisas relevantes para contar, acaba por trazer uma resolução rápida demais e quando damos conta já estamos enfiados noutra situação de risco com a perseguição ao filho de Verônica, Rafael.
E isto sem podermos ignorar o facto de que toda a cena de encerramento do final da primeira temporada foi um pouco em vão, porque além do período em que Verônica está morta ser estranhamente curto dentro da ação da história, são raras as vezes em que a ouvimos apresentar-se como Janete, ou seja, toda essa homenagem e peso de consciência que ela carrega acabou por sucumbir à necessidade da história ser contada muito mais rápido do que devia.
Mesmo em termos nuances de personagens, essa necessidade de lutar contra o tempo acaba por deixar algumas guinadas de personalidade artificiais, como acontece com Anita, por exemplo.
Estraga a experiência? Não de todo, porque em termos de drama estamos sempre no topo, mas poderia ter ainda mais força e impacto.
E o elenco? Tainá Müller regressa a esta personagem com uma atuação ainda mais marcante que a que teve anteriormente. Em total modo Atomic Blonde, ela reina nas cenas de ação e dá a Verônica uma consistência de personalidade digna de nota. O desenho que nos apresentam desta mulher é tão estruturado que nos dá uma sensação de credibilidade gigante e ela consegue ter força suficiente para espalhar essa verdade às restantes figuras da história, fazendo-nos quase acreditar que estamos a assistir a uma reconstituição.
Com Reynaldo Gianecchini já temos outras questões. Nesta sua introdução na série ele tem em mãos um personagem interessantíssimo com muito espaço para brilhar, mas em alguns momentos a sua atuação passa longe desse brilho por lhe faltar despir a sua pele habitual de galã bonzinho.
Tendo um lunático cheio de camadas em mãos ele não entregou nas suas cenas algo tão memorável quanto o suposto e em vários momentos até nos traz vislumbres do seu anti-herói de Verdades Secretas. Por mais que em consistência e contexto, Matias seja superior a Brandão, o vilão da primeira temporada consegue ser um pouco mais cascudo e marcante.
Eduardo Moscovis criou uma persona que estava intrinsecamente conectado com os retratos que vemos circular nos media de homens violentos que descontam as suas frustrações na fragilidade das suas esposas. Já Gianecchini apresenta-nos um Matias que traz alguns vislumbres da Masha de Nine Perfect Strangers.
E se na série da Hulu a atuação de Nicole Kidman estava irrepreensível dentro do contexto da série, aqui em Bom Dia, Verônica, Gianecchini encontra-se muitas vezes fora do tom e da proposta de realismo que o argumento quer atingir. Não chega a ser grave, mas podia ser melhor e isso é um pouco frustrante. Afinal de contas ter um grande nome associado a um projeto não é tudo.
Já Klara Castanho soube aproveitar a sua doçura da melhor forma para nos retratar como um abuso pode acontecer se que a vítima tenha plena consciência do que lhe está a acontecer, e como isso pode causar graves distúrbios.
É um trabalho gigantesco que não nos conquista à primeira impressão, mas que no adensar do seu arco nos envolve de uma forma tão impactante e empática que gera a nossa preocupação, torna-se uma história próxima, que traz ao de cima as nossas piores emoções.
Com mais investimento e um relato criativo que é fidedigno com as histórias rocambolescas que ouvimos por aí, a segunda temporada de Bom Dia, Verônica volta a ser uma produção que eleva a qualidade das histórias que assistimos na Netflix.
Além do realismo que é prato forte da série, e da atuação de Tainá Müller que nos deixa abismados, o argumento é criativo nos plot twists sem nadar para fora de pé numa segurança de quem sabe bem o que quer fazer.
É um planeamento notório que eleva a qualidade da história por nos dar a entender que tudo o que acontece (seja mais corrido ou não) tem um impacto importante na narrativa no momento presente e no futuro da trama que se despede, novamente, com um excelente gancho.
Porque sim, Bom Dia, Verônica consegue o melhor de dois mundos: Apresentar um drama fortificado com verdade digna de factos verídicos sem perder a noção de que se trata de uma série para ser consumida na streaming. É o híbrido que precisamos.
No fundo, Bom Dia, Verônica traz uma profundidade rara nas histórias da Netflix, que é mais vista na HBO, mas que consegue trazer aquela velocidade frenética típica das histórias da gigante do streaming.
Com um selo de aprovação gigante, Bom Dia, Verônica continua a ser uma proposta segura e promete uma terceira temporada ainda mais arriscada depois de um investimento maior que se traduziu num aumento das cenas de ação que ajudam ainda mais a protagonista de Tainá Müller a brilhar.
É esperar para ver o que por aí vem, mas o que é cem por cento certo é que a qualidade está garantida!
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