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Contos Bastardos • "A Sul do Paraíso"

 

 

A Sul do Paraíso

    - A sua cara não me é estranha. Já foi à televisão?

Começava mal. Desceram à terra para desfrutar de um tempo de qualidade - o casal celestial também merece férias. E agora o senhorio da casa que alugaram saía-se com esta.

    - Nunca. Deve ser alguém parecido... Tinha uma prima afastada que fez vida por estas bandas.
    - A sua beleza renascentista é-me familiar. Mas não me demoro com mais considerações! Vou deixar-vos a sós.

A casa era um rés-do-chão, modesto o suficiente para não dar nas vistas. A ideia era quebrar a monotonia de uma eternidade de labuta incansável em conjunto, mas sem grandes toques de fineza que despertassem os olhares curiosos. Apenas um casal de meia idade, uma singela Maria e um banal José, a aproveitar uns dias a sós junto à piscina - quiçá a caminhar sobre ela, que ali ninguém estava a ver.

O senhorio tinha deixado uma garrafa de champanhe e duas toalhas dobradas em cisne em cima da cama.

    - Tomemos precauções! Chega-nos o filho que temos. Não há agenda para mais entrevistas nem aparições.
    - Estás a exagerar! O miúdo dá-nos mais alegrias do que chatices.
    - Tangas. Dizes tu, que não és chamado à escola de cada vez que ele se mete com ideias alucinadas, a violar a farda obrigatória e a vestir a túnica branca e as sandálias velhas da avó. No outro dia foram dar com ele a evangelizar a turma, num peddy-paper maluco até ao deserto. Sorte que os apanharam na esquina do paraíso.

Já instalados e a meio da primeira noite de sono descansado que partilhavam há incontáveis séculos, um som estridente fê-los saltar da cama: uma sirene dos bombeiros. Um alarido de passos e vozes em sobressalto mesmo no andar de cima.

    - Quem te mandou pedir ao teu sobrinho Hefesto para marcar as férias?


Texto: Sónia Costa 
Ilustração: Filipa Contente