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COMING UP | Thor: Love and Thunder

Em Ragnarok, Taika Waititi reapresentou-nos Thor como um herói gozão e galhofeiro, uma proposta ousada, mas que parece casar melhor com a presumível personalidade de Chris Hemsworth. Em Love and Thunder, esse tom de comédia mantém-se, contudo torna-se ainda mais audacioso com a vontade de puxar essa fórmula de sucesso para o centro da ação. Se o objetivo era ser engraçado então essa promessa foi cumprida com distinção, mas de repente, para um fã das conexões e amarras da Marvel, esse abuso da comicidade roça o exagero de tornar tudo em piadas gratuitas que retiram a intensidade do argumento e que criam um contraste brutal com a dimensão e obscuridade do vilão Gorr. 

Há acertos, mas também existem aspetos terríveis, numa longa-metragem que de tão doida nos deixa a achar que poderia ser muito melhor. Falamos disto e de muito mais na edição desta semana do Coming Up. Será Thor uma epopeia? Uma tragédia grega? Ou uma comédia de domingo à tarde? Vamos tentar responder. 

Thor tornou-se um dos (senão o maior) alívio cómico do MCU. E é inegável que essa faceta mais desconstruída lhe dá um charme absurdo e o torna num personagem que cativa e chama para si todos os holofotes em qualquer obra em que entre. 

Porém, o Thor é muito mais do que um homem bem-disposto. E talvez falte a Taika Waititi um entendimento maior das várias nuances e dimensões do herói. Thor passou por um percurso de tragédias, tal como Korg relata no resumo inicial do filme, mas esse lado mais pesado e enlutado parece ser deixado completamente de lado para que não se perca o lado brincalhão que construíram no personagem em Ragnarok e que foi ainda mais explorado em Endgame

A abordagem que a obra faz à dor de Thor é divertida, faz-nos soltar algumas gargalhadas, mas retira-lhe o peso e densidade que precisamos de sentir para que criemos empatia com ele. 

É obvio que quando vamos ao cinema para ver um filme do Thor não esperamos um dramalhão, mas também não esperávamos este desequilíbrio da balança para o lado cómico total. 

O arranque de Thor: Love and Thunder segue o que acompanhamos do personagem em Endgame. É excelente ver novamente a contracena de Hemsworth e Chris Pratt, ambos têm um excelente tempo de comédia, mas mesmo dentro do humor característico de Peter Quill, Pratt conseguiu trazer à tona algo de novo, com um Peter Quill que aprendeu novas coisas sobre si próprio, redefiniu os seus objetivos e amadureceu. 


Os eventos do seu personagem realmente tiveram impacto na sua personalidade, na sua visão, e deixam-nos num lugar onde ele está capacitado para dar conselhos sobre a vida, algo altamente improvável de se ver no Peter Quill dos tempos de Infinity War, cujos disparates quase erradicaram metade da humanidade. 


Mas enquanto em Quill, que aqui se posiciona como secundário, vemos esse crescimento, ou ganhamos consciência das alterações que a sua vida tomou, com Thor, que é o personagem título, a sensação que temos é outra. Brincar com as emoções é típico de Thor, mas aqui há um extremo gigante, como se hiperbolizassem o seu sentido de humor e o deixassem sem qualquer tipo de limite. 


Até seria interessante de se ver esse refúgio no humor, caso os autores tivessem conseguido balancear isso, mas não aconteceu e tudo piora ainda mais aquando do reencontro com Jane. 


A Jane que encontramos neste filme está muito distante da que vimos em The Dark World. É-nos difícil associar a personalidade de uma à outra, e nem Natalie Portman consegue salvar essa ausência de uma conexão lógica entre as duas. 


O tom das duas obras é oposto, e isso nota-se demais quando se tenta passar uma ideia de continuidade. A justificação de que esta Mighty Thor era uma variante de outro multiverso seria mais convincente neste caso do que a linearidade de que esta é a mesma personagem que ficou deixada lá atrás. 



Continuidade à parte, a relação entre os dois protagonistas, ou melhor a forma como os diálogos entre eles são construídos, também não ajudam em nada a melhorar a experiência. Sentimos vibes das comédias românticas clássicas, onde entrou agora uma pitada da nova coqueluche de Hollywood que o universo de super-heróis, mas é tudo tão gratuito e vazio que se fica a valer apenas pela capacidade de atuação e tempos de comédia de Chris Hemsworth. 


O texto falha muitas vezes e deixa os atores na mão com tiradas óbvias, e piadas fácies, mas consegue a agravante de tornar tudo ainda mais constrangedor quando decide personificar o Stormbreaker. 


Aí entrega-se por completo à banalidade e até a comédia que até então tinha salvo o filme de ser um marasmo acaba por perder o fôlego. Esta é talvez a personificação mais mal aproveitada da história da Marvel, e o paralelo que se tenta construir é simplesmente mau. 


Mas avancemos para o grosso da história e para a jornada de herói. Aqui também há detalhes fracos, mas neste quesito temos menos defeitos a apresentar, muito por culpa da riqueza de Gorr. Christian Bale soube criar consistência no raso e entregou um vilão aterrador sem cair em lugares-comuns. 


Gorr tem uma motivação palpável e com o qual é fácil criarmos empatia, por mais que as suas ações sejam, obviamente, condenáveis. Sem que o texto lhe ofereça muitas nuances, a sua interpretação rende momentos memoráveis que roçam o terror, de uma forma tão subtil que só Bale sabe entregar. 


Numa obra que tem o seu núcleo o sentimentalismo, este Gorr é o rei das emoções e aquele que nos vende algum senso de verdade entre tudo. 


Além de carregar a difícil tarefa de remar contra a maré de comédia que consome o resto do tempo da longa-metragem, ainda traz para a discussão um tema polémico e com o qual é difícil trabalhar sem ferir suscetibilidades: A religião. 


E aí temos de dar a mão à palmatória e dizer que o material original das Bandas Desenhadas lhe dá exatamente o sustento que esta figura precisa. 


Vivemos numa realidade que tem sido constantemente fustigada por autênticas catástrofes, e essa leitura do momento atual foi refletida no filme de uma forma bem redonda, sem grandes malabarismos, mas conseguindo através dessa simplicidade trazer a raiz da questão. 


Existem alguns problemas na forma como o filme retrata os Deuses, mas essa opção criativa acaba por ganhar alguma criatividade quando os colocamos em paralelo com obras como The Boys e percebemos como o poder e a corrupção são duas palavras que não podem ser separadas uma da outra. 


No início pareceu meio gratuito a forma como apresentaram o vilão de Gorr e a sua interação com o seu Deus, mas acaba por fazer sentido quando percebemos que o filme nos está a contar uma história sobre como Thor percebeu que ser um Deus é muito mais do que um título e traz responsabilidades reais, compromissos com o povo, e não apenas uma posição de destaque e poderes majestosos. 


Thor é uma figura de escalão inferior na realidade do filme, mas isso também lhe deixou a tarefa de se esforçar por cativar a atenção da audiência, ou seja, o filme consegue torná-lo menor e colocá-lo numa posição em que ele precisava de sobressair, invertendo aquilo que até então vimos de Thor, que é, de longe, um dos mais fortes membros dos Avengers


É claro que pelo meio há muitas conveniências do argumento, e algumas questões sobre as escalas de poder do filme, mas no conceito base podemos dizer que acertaram.



A luta com Zeus, outra caricatura extremista do filme, é um bom exemplo sobre como o humor de Love and Thunder estava incontrolável, mas passando à frente esse momento e saltando para o final, a derradeira luta de Thor e Gorr foi o momento mais bonito desta experiência cinematográfica. 


Mesmo que seja questionável o porquê de ele não ter tomado essas medidas extremas e que seja até um pouco incoerente colocar a chave para a destruição de todos os Deuses à guarda de um Deus menor como Thor, o que é certo é que cinematograficamente o momento funcionou na perfeição e foi o clímax redondo que potenciou o filme e o tornou numa obra memorável. 


O momento em que Jane surge sabendo de antemão que aquele seria o derradeiro sacrifício dela é bonito, e peca por tardio, porque foi o único momento em que o argumento conseguiu abraçar consequências reais e tocar o sentimentalismo que tanto prometeu, mas que até então não tinha correspondido. 


O sacrifício, mesmo que efémero, é tocante e torna a história um pouco mais amarrada, além de não nos oferecer mais um caminho obvio, saiu do caminho, quando tudo o que tínhamos visto até então foi uma jornada clássica de herói que transpirava por todos os poros a sensação antecipada do “e viveram felizes para sempre”. 


Este último ato salvou a obra como um todo, e tornou-o até mais fechado que Doctor Strange In The Multiverse of Madness


Ou seja, não podemos dizer que mesmo com muitas falhas esta seja uma longa-metragem fraca ou esquecível, é rasa, mas consegue dentro do raso ter alguns picos de interesse ótimos, como a jornada de Gorr ou a luta real pela vida de Jane, simplesmente faltou dosear o tempo de ecrã de focarem-se em entregar mais contexto e conteúdo dramático, porque apesar de tudo o mainstream também precisa de alguma profundidade.


Thor: Love and Thunder caminha no limbo, mas, apesar de tudo, pende mais para o lado positivo do que negativo. É entretenimento puro e duro, sem nos deixar a pensar muito e com algumas falas autoexplicativas desnecessárias que o tornam um pouco mastigado. 


Ainda assim, a proposta deste ser um filme do Thor gozão que todos amaram em Endgame foi cumprida na perfeição. É uma obra de gostos, é extremista, e é um caso clássico que gera críticas híbridas. Se por um lado grande parte do seu argumento é um completo pleonasmo, por outro tem um epílogo que o faz valer muito a pena, até por trazer algumas mensagens poderosas. 


Há muito caminho por percorrer nesta Phase 4 da Marvel, e por mais que a percurso até aqui seja sinuoso, os acertos aqui e ali em Thor: Love and Thunder continuam a deixar-nos na expectativa de ver mais e sobretudo de entendermos onde querem chegar. 


Love and Thunder parece, a par com Moon Knight, as obras mais desconexas com o futuro do MCU, mas vindo de Kevin Feige não podemos deixar de lado a possibilidade de termos importantes dados por aqui escondidos. 


Por último, é importante falarmos sobre Valkyrie. Ela que é uma das personagens com mais carisma no universo que rodeia Thor, agora que “perdemos” o Loki principal, foi uma figurante de luxo nesta equipa e merecia um melhor desenvolvimento. Sobretudo porque a personagem tem vários momentos em que parece gritar por esse espaço nos holofotes, mas não sobra tempo nenhum para ela. 


Talvez esteja na hora de entregarem uma série com Tessa Thompson, o sucesso estaria garantido à partida e o talento para carregar a personagem às costas também.